3 comentários:
De Filme ARtMENIANS e ... damasqueiro. a 29 de Abril de 2015 às 10:48
Muito mais sobre a ARMÈNIA (ali para os lados do bíblico paraíso...) e sua gente, arte/cultura/... no blog http://conversa2.blogspot.pt/
posts:
----05 abril 2015
domingo de Páscoa no mosteiro de Geghard
---- 22 abril 2015
ARtMENIANS - RTP2, 24.04.2015 http://www.rtp.pt/programa/tv/p31750
---- Se me deixassem mandar, o filme ARtMENIANS tinha pelo menos cinco horas.
Passei várias semanas a olhar para o material que tínhamos e a sentir-me o Ali Babá na caverna dos tesouros: para onde quer que olhasse, só encontrava preciosidades. O Ricardo deitava as mãos à cabeça, dizia que o filme não podia ser tão longo. Eu sentia-me angustiada: como escolher que jóias deixar de fora?
Um dos segmentos que acabámos por ter de cortar foi a descrição do modo como fazem o crisma na Santa Sé de Etchmiadzin, que depois é levado para as comunidades arménias em todo o mundo.
Esse óleo é feito com azeite puro e uma mistura de quarenta ingredientes (ervas aromáticas, flores, raízes, folhas, etc.) segundo uma antiquíssima receita. A mistura coze durante três dias num caldeirão selado. Seguidamente, é levado para o altar-mor da catedral, onde fica quarenta dias a receber as orações e os cânticos quotidianos. Na cerimónia da consagração, que só pode ser presidida pelo Catholicus (o patriarca/papa/chefe da Igreja Arménia), usa-se também a lança que trespassou Cristo e uma relíquia que vem do princípio do cristianismo na Arménia: a mão direita de São Gregório, o iluminador.
Finalmente, junta-se ao óleo novo o que resta ainda do antigo, num gesto sempre repetido desde o primeiro crisma.
No filme Ararat, de Atom Egoyan, há uma cena em que um rapaz descendente de arménios fala com um polícia, americano, sobre a História do seu povo, e se refere à batalha de Avarair, que foi em 451 d.C.
O polícia espanta-se: - Isso foi há muito tempo. - We go way back, responde o rapaz.
É isso. They go way back: o crisma usado nas comunidades arménias em todo o mundo é tocado pela lança que vem do princípio do cristianismo e pela mão do fundador da Igreja Apostólica Arménia, e tem os restos de todos os crismas da História da Igreja Arménia.
Mais simbolismo que isto é difícil. É difícil, mas é possível: esta cerimónia ocorre de sete em sete anos. No cristianismo,
o sete representa a unidade plena entre o divino e o terreno - 3 + 4 = a Trindade e os quatro pontos cardeais. O óleo com que ungem os baptizados simboliza a união perfeita do céu, da terra e do tempo.
---- a equipa que produziu, realizou e bla bla bla [ARtMENIANS, ]
...o mito da origem dos arménios ... "A arca da Noé pousou no monte Ararat, Noé e os seus filhos desceram para o vale e começaram a fazer o primeiro vinho do mundo. Noé falava com Deus na mesma língua em que falava com os seus filhos."), ... as andanças de quase três mil anos de História dos arménios.
---- ...
os exemplos de intelectuais e artistas que se dão conta do seu poder para ajudar aquela gente profundamente traumatizada a reerguer-se de uma tragédia desta dimensão. Pessoas que decidem entregar o bem-estar, a carreira e - alguns - a própria vida ao serviço do seu povo. ...pintar quadros de cores radiosas e cenas de resistência serena à ideologia soviética (... "porque era lá que se jogava o futuro do seu povo"). Há o caso do escritor que tinha uma mensagem para os arménios, e a disse, sabendo que lhe custaria a cabeça - como custou, literalmente (se o filme tivesse cinco horas também contaria das filhinhas dele, de 2 e 3 anos, perdidas na rua até que uns vizinhos repararam nelas, porque o pai foi levado para a cadeia e a tortura, e a mãe - pelo simples crime de ser casada com esse homem - foi levada para um campo de reeducação, onde ficou esquecida durante décadas. O charme discreto do estalinismo...). Mais recentemente, há o caso dos historiadores que, um século depois de a presença arménia ter sido apagada da Turquia, iniciam na internet um projecto de reinscrever os arménios na História e na Geografia da região que foi a sua durante milhares de anos. ...pessoas que transportam para o futuro uma herança cultural pela qual se sentem responsáveis.
- E nós, portugueses e europeus? Que valores da nossa cultura queremos levar conscientemente para o futuro?
---- 29/4/2015 ARtMENIANS - debate s. film2


De Memória portátil ou Vida vs Morte a 29 de Abril de 2015 às 11:09
ARtMENIANS - debate sobre o filme (2)

... transcrevo um comentário ao post anterior:

"Este filme levou-me a vários pensamentos.
Lembrei-me da preocupação de Ratzinger quanto à homogeneização e suas consequências.
Afirmava ele que o que enriquecia a humanidade era precisamente a diversidade de culturas e não o contrário.
Impressionou-me o empenho do povo arménio na preservação da sua cultura. A consistência, a fidelidade.
Perguntei-me quantos artistas abdicariam de uma carreira promissora para ficarem com os seus, porque são necessários aos seus.
Chamou-me a atenção todos os pormenores a bem da memória:
o escrever no livro, o livro que teve que ser rasgado por ser demasiado pesado, a menina que declama o poema de Charent ( e simultaneamente penso que a maior parte dos jovens não sabe o hino nacional), o memorial.
Não pude deixar de sorrir pela felicidade estampada no rosto daquela mulher que tem uma janela virada para o Monte Ararat e a esperança que não morre.
O director que sabe que a cultura é a coluna vertebral de um povo.
E como não poderia deixar de mencionar, a música de uma belíssima melodia. A melodia da peça de entrada, cujo nome infelizmente não fixei, cantada pelo coro, transmitia serenidade, assim como que um reencontro do homem com a sua essência. (Desculpe esta divagação!)
Disseram-me um dia: "Se quiseres conhecer a alma de um povo, conhece a sua música."
Está tudo dito."
...
Homogeneização e diversidade:
há um apontamento muito interessante no livro
"The Armenians: From Kings and Priests to Merchants and Commissars",
de Razmik Panossian (que é o director do Departamento das Comunidades Arménias na Fundação Gulbenkian),
no qual ele refere que na família do seu avô, habitantes da Turquia em fins do séc. XIX, se falava cinco línguas.
Depois do genocídio, houve um endurecimento e um empobrecimento cultural.
A diversidade combinada com coexistência pacífica permite uma comunhão que é positiva para todos.

O exemplo do pintor Saryan, e também o do escritor Charents (que numa viagem a Itália convence um amigo, escritor arménio exilado, a ir viver para a Arménia, porque "o lugar dos escritores é junto do seu povo"), ou a de um grupo de músicos arménios que - na Moscovo soviética, numa época que luta contra as ideias nacionalistas - criam um quarteto que divulga a herança musical do seu povo, também me impressionaram: a Arte vivida como serviço.
Durante os anos do genocídio, e depois, durante o período soviético, o Saryan pintava flores, árvores floridas, e paisagens da cultura arménia para dar esperança ao seu povo e a coragem de resistir.
Um dos seus quadros, pintado no período estalinista, quase parecendo uma cena ingénua, é afinal uma grande provocação: uma aldeia, uma igreja com a porta aberta, e uma mulher a entrar nela.

Durante a II GM, quando o seu filho estava na frente de batalha onde morreram milhões de soldados soviéticos, pintou esta cena familiar, que tem no centro um damasco (o damasco, prunus armeniaca, é um dos símbolos dos arménios):

Outro quadro da mesma época, de um optimismo tal que chega a ser doloroso (1942, "Damasqueiro em flor"):

Sobre a música: a música inicial é do Requiem de Tigran Mansurian. Gostei muito do que Andrew Redmond, um dos cantores do coro, disse sobre este início do requiem: como se fosse o eco das vozes há muito extintas. E só depois começa o requiem "normal".
Aqui pode-se ouvir todo o requiem, gravado a partir da transmissão radiofónica da estreia mundial, em Berlim:

Uma das minhas passagens favoritas é a Lacrimosa (por volta de 23:00). O Tigran Mansurian disse que era a parte que lhe impunha mais respeito. Penso que passou a prova com distinção.

"Se quiseres conhecer a alma de um povo, conhece a sua música." - também gostei imenso do que o Jordi Savall disse sobre isso:
ao tocar a música de um povo, de certo modo entra-se na alma e na História desse povo.

... Ele escreveu o Kyrie como uma dança aflitiva de um povo à volta do seu Deus.
Um povo que vive permanentemente sob ocupação e é perseguido não canta "Senhor, tem piedade de nós" da mesma maneira que um povo que vive no seu território e em paz.
...Ninguém tinha de agarrar neles a correr e fugir para salvar a vida. Ao contrário dos livros arménios, feitos memória portátil.


De . ARtMÉNIA . a 29 de Abril de 2015 às 11:40
Um documentário sobre a força vital e revitalizante da cultura e da História e sobre a responsabilidade de cada pessoa na vida e na construção do país.

Conta-se que quando Tamerlão chegou à região do mosteiro de Goshavank, na Arménia, exigiu que os habitantes lhe dessem todo o ouro que tinham.
"Podes matar-nos", responderam, "mas não terás o nosso ouro".
Furioso, Tamerlão mandou incendiar a biblioteca do mosteiro. Quando viram as chamas a chegar perto dos livros, os arménios correram a levar-lhe todo o ouro e as joias que tinham.
Não se sabe se isto é verdade ou lenda, mas sabe-se que, no Museu dos Manuscritos Medievais em Yerevan, há um livro enorme que, em 1915, foi retirado de um mosteiro, partido ao meio e carregado por duas mulheres que fugiam para salvar a própria vida.

Documentário sobre os arménios, uma abordagem transversal que nos leva da sua História às dificuldades do presente,
revelando alguma da riqueza cultural e a capacidade de resistência que permitiram a este povo sobreviver, sem perder a identidade, a milénios de ocupações, guerras e massacres.

ARtMENIA é também um filme sobre a força vital e revitalizante da cultura e da História e sobre a responsabilidade de cada pessoa na vida e na construção do país.

Está inserido num projeto apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e é uma produção da Terra Líquida Filmes.
A equipa filmou na Arménia, em Nagorno-Karabakh, em Berlim e em Portugal, e falou com pessoas de diversos países, línguas e níveis sociais.
Deste trabalho de mais de dois anos resultou um mosaico que, para além de espelhar o povo arménio, relembra algumas questões nucleares e urgentes do nosso tempo:
(identidade, diversidade e) a coexistência de várias culturas e religiões, e o trabalho de confronto com a História.


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