Segunda-feira, 03.10.16

       Olha um Hitler      (por Rui Tavares ,

Há defensores convictos destas novas teses nacionalistas. Outros ainda não se terão apercebido da fragilidade delas.

Não é todos os dias que alguém se compara com Hitler e se disponibiliza para matar ou mandar matar três milhões de pessoas. Mais raro ainda é que a pessoa em causa seja chefe de Estado e tenha os meios para cumprir com o que diz. Mas aconteceu na semana passada.

O presidente das Filipinas Rodrigo Duterte, já conhecido por ter chamado “filho da puta” a Obama e respondido a uma resolução do Parlamento Europeu com um “vão-se lixar”, fez na sexta-feira um discurso que incluiu o seguinte excerto: “Hitler massacrou três milhões de judeus” (nota minha: segundo a maioria dos historiadores, o número é o dobro); “nós temos três milhões de drogados e eu ficaria feliz em poder massacrá-los. Ao menos os alemães tiveram o Hitler e as Filipinas ter-me-iam a mim. As minhas vítimas seriam só criminosos para se poder acabar com o problema do meu país e salvar a próxima geração da perdição.”

Nada descreve tão bem a anestesia geral em que vivemos. Durante décadas, a hipotética ocorrência de um novo Hitler seria suficiente para alarmar meio mundo. Hoje, um homem que governa cem milhões de pessoas numa das regiões mais voláteis do mundo e que tem um conflito territorial no mar da China com pelo menos outros três países pode comparar-se a Hitler e a reação geral é como se víssemos um tipo de bigodinho esquisito na rua. Olha ali um Hitler. Extraordinário.

Duterte pediu depois desculpas à comunidade judaica literalmente com estas palavras: “Eu não fiz nada de mal mas eles não querem que se ofenda as vítimas do holocausto portanto peço desculpas à comunidade judaica”. Os filipinos que estão a ser vítimas de assassinatos sem julgamentos nem culpa formada e os dos prometidos massacres baseados em rumores e suspeitas não terão direito a estas delicadezas.

Mas nós não estamos só anestesiados. Estamos cegos. O nosso ponto cego é o de um entendimento da soberania que se reduz à soberania nacional e faz das nações compartimentos fechados onde cada um decide a sua lei. Sabemos bem que esta ideia tem vingado no solo fértil dos falhanços das Nações Unidas, da hipocrisia dos EUA na invasão do Iraque ou na demagogia que grassa contra qualquer organização internacional, da União Europeia às várias convenções e tribunais regionais de direitos humanos. A direita autoritária propunha esta visão enclausurada da soberania e uma parte da esquerda engoliu-a com anzol, isco e linha. Aquilo que um país decide fazer “democraticamente” está protegido por esta visão nacionalista da soberania, em tudo oposta à soberania que se funda na dignidade inviolável de cada ser humano.

Há defensores convictos destas novas teses nacionalistas. Outros ainda não se terão apercebido da fragilidade delas. O que justifica que um presidente de um país possa dizer o que disse Duterte, e fazê-lo, mas não um auto-proclamado chefe de família ou líder de uma seita, um partido ou um clube de futebol? Nada, a não ser a proteção de outros países.

Saudades de um tempo futuro em que se diga aos Dutertes deste mundo: os crimes contra a humanidade serão punidos e acabarão sempre em frente a um tribunal, seja em Haia, Nuremberga ou Manila. Para que até Duterte entenda a gravidade daquilo onde se está a meter.

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--- O que Trump significa. (por Manuel Carvalho da Silva, via Entre as brumas ...) 

      «É sob o pano de fundo da antipolítica e da insegurança generalizada, que emergem novos atores com ADN fascista, como os que conhecemos no passado e agora reencontramos em figuras como Trump. Eles prometem segurança e autoridade contra "o sistema" - uma nebulosa imprecisa que designa interesses poderosos e ocultos - e contra inimigos internos e externos, reais ou imaginários.        A desgraça deste cenário é o facto de os Trump dos EUA e de outras paragens constituírem a expressão mais profunda da podridão que infetou a sociedade em que vivemos. Na sua ascensão, serviram-se e servem-se das contradições e cedências de democratas vazios ou inconsequentes.» 
      (juntamente com muita demagogia, populismo, nacionalismo, abstencionismo, iliteracia, pobreza, crise, manipulação, corrupção e saque).


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Sábado, 19.03.16

 -----   Castigo  indigno        (-Pedro Figueiredo, 16/3/2016, 365forte)

   Na primeira visita da actual ministra da Justiça à Assembleia da República, Francisca Van Dunem afirmou, a propósito das condições das prisões portuguesas, que o Estado tem o direito de suspender a liberdade aos seus cidadãos pelos crimes por estes cometidos, mas nunca a dignidade. Este deverá ser o ponto de partida com que o senado francês discutirá o projecto de revisão constitucional denominado Protecção da Nação, que hoje e amanhã tem lugar na câmara alta do parlamento francês. A votação final é dia 22.

    Para além de alterações ao estado de emergência, o documento prevê também a perda da nacionalidade aos franceses condenados por "um crime ou um delito que constitua um atentado grave à vida da nação".(?!  tudo o que o governo e secreta quiser !!) Já nem se fala em terrorismoA ideia original apresentada por Hollande ao congresso em Versalhes, três dias depois do ataque ao Bataclan, afectava apenas os detentores de dupla nacionalidade mesmo nascidos em França. No entanto, as críticas de discriminação não tardaram e a emenda foi pior que soneto: o texto final aprovado a 10 de Fevereiro na Assembleia Nacional incluiu todos os cidadãos. Sem excepção. O que, no caso de quem não tem dupla nacionalidade, significa tornar-se apátrida. Algo que o presidente francês, no mesmo discurso de Novembro, havia recusado.

     Foi ao argumento de “responsabilidade igual, sanções iguais” que o primeiro-ministro francês se agarrou na audição que teve para convencer os senadores a aprovar um texto que devia envergonhar o berço do Iluminismo. Assim explicaram os dois professores de direito constitucional que o Senado também já ouviu sobre o assunto. “Se o sentimento de pertença a uma nação não forja a ideia de comunidade política então é necessário retirar da Constituição as referências a valores e símbolos como a bandeira, o hino e o lema”, explicou Dominique Chagnollaud, continuando: “Os tempos conturbados em que vivemos são uma boa oportunidade para recordarmos certos princípios”. Os mesmos que serviram de base à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e que contagiou o Mundo de forma a que ainda hoje sirva de guia ideológico. Paris é, pois, um farol em perigo de perder luz. Que valha o Senado.

    A questão torna-se ainda mais incompreensível na medida em que a nacionalidade é um direito consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. XV) e qualquer violação é um atentado à dignidade da pessoa. Aqui levada a cabo pelo próprio Estado que se rege pelo princípio jus solis, atribuindo o direito de nacionalidade a todos os que nasçam em solo francês.  O código civil francês, no artigo 25º, já prevê a perda de nacionalidade. No entanto, salvaguarda os casos em que tal implique a criação de apátridas. Não há crime algum, por mais hediondo que seja, que justifique castigos indignos (tortura, pena de morte, apátrida, ...) inscritos na lei.

-----     os traques do (herói) Gama cheiravam a rosas     (-P.Pinto, 16/3/2016, Jugular)

    Não duvidem que sim. Quem sabe, às rosas produzidas pelo prof. Tournesol n'As Jóias da Castafiore, já que se trata de matérias com evidente afinidade. Nem estou a ver como não. Aliás, os mal-cheirosos só apareceram depois, muito depois. Há quem diga que foi com os Filipes, há quem afirme que foi com os liberais, e há quem jure a pés juntos que foi só em 1974. Nesses tempos gloriosos, não, nunca. A ver pelas reações da notícia que veio a lume há dois dias, a do anúncio da alegada descoberta dos destroços de uma nau portuguesa em Omã, nem outra hipótese é, sequer de considerar. Nesses tempos, tudo o que os portugueses faziam era heroico e glorioso e enche-nos (ou deveria encher-nos) de orgulho. Como diz um comentário à notícia, "É este o Portugal que me enche de orgulho, é neste país que me revejo, é esta a Pátria de nossos valerosos antepassados que Camões tantas vezes sublimou!". Outro diz "Notável descoberta reveladora uma vez mais da nossa capacidade, enquanto Nação", ... todo o fervor pátrio em poucas palavras: "O portugal Gigante. ...". Até o insigne deputado Carlos Abreu Amorim não se contém na sua emoção patriótica e deixa escapar um "Histórias de orgulho dos povos que têm história", na sua página do Facebook. É que, pelos vistos, há povos que não a têm; só os merecedores dela, concluí eu. Mas depois, já no Twitter, emendou a mão dizendo que "há povos que têm mais história que outros" e que nós "temos muita". Aqui, confesso, esgotaram-se-me os argumentos; já quando era puto tinha dificuldade em discutir com o senhor da mercearia.

    Bom. Eu cá não gosto muito de me pronunciar sobre glórias e heroísmos, mas posso dizer alguma coisa sobre orgulho. O orgulho é uma coisa magnífica: não custa nada, não precisa de ser aprendida ou treinada, não é parca nem rara e faz os seus possuidores sentirem-se no topo do mundo. Se é justificada ou não, é lá com cada um. Eu posso achar é que os faz passar por figuras ridículas, mas isso é apenas a minha opinião. Mas já agora, e se não tomar muito tempo, talvez fosse interessante olhar um bocadinho para os tais motivos de tão hiperbólico "orgulho". Na verdade, o que foi achado (assumindo que se confirma a autenticidade da atribuição dos vestígios às naus de Vicente Sodré) foram apenas destroços de naus portuguesas. Motivo de orgulho? bem... com certeza que sim, mas as mesmas faziam parte da 4ª armada que partiu de Lisboa para a Índia, portanto, é um orgulho assim já a dar para um bocejante déjà vu. A armada fez grandes serviços, feitos de navegação notáveis? Nem por isso, era uma armada de patrulha que Vasco da Gama deixou na Índia quando ele próprio regressou à Europa, para controlar a situação e proteger Cananor e Cochim dos ataques de Calecute. O capitão Vicente Sodré, aparentemente em desobediência ao seu sobrinho almirante, preferiu ir fazer razias aos navios muçulmanos que iam e vinham do Mar Vermelho. Se fossem navios árabes (ou vikings ou ... ingleses) a fazer o mesmo no Algarve - que o faziam, não duvidemos - seriam por cá chamados de "piratas"; mas como eram 'os nossos' portugueses no Índico, bom, nesse caso são heróis que nos enchem de "orgulho".

   Vicente Sodré era o comandante da pequena frota que ancorou junto às ilhas de Kuria-Muria (como eram chamadas na época). Os portugueses foram alertados pelos habitantes da terra da aproximação de uma tempestade. Podiam ter procurado abrigo, tiveram tempo, oportunidade, meios e informação para isso. Não o fizeram. Ou acharam que as âncoras e a robustez das naus resistiriam à tormenta, ou não quiseram perder presas e saques. Numa palavra, ou foram estúpidos (a bazófia nacional, ao contrário do heroísmo, não esmoreceu por cá, como se vê), ou gananciosos. Vicente Sodré, enquanto comandante da armada, foi incompetente e responsável pela perda de dois navios e de muitas vidas. A mim, pessoalmente, nada disto me suscita especial orgulho, mas isso deve ser cá defeito meu, a juntar à falta de patriotismo. Adiante: o resultado - naufrágio de ambas as naus - está à vista. O irmão de Vicente Sodré, Brás, que comandava a 2ª nau (S. Pedro, também afundada com a Esmeralda), apressou-se a mandar matar os pilotos árabes, aparentemente em vingança pela morte do irmão. Já nessa altura a culpa era sempre dos técnicos e nunca dos líderes, mas pronto: eis o excelente comportamento de um herói, merecedor dos maiores orgulhos, para quem assim achar.

    Bem. Ok. Vá lá, Vicente Sodré e os seus homens tinham defeitos, como todos nós. Eram subalternos que aproveitaram a ausência do patrão para umas farras e a coisa correu mal, ups!, falta de calo, azar, inexperiência, a gente desculpa. Agora se o insigne Vasco da Gama, o tal dos traques aromáticos, estivesse presente, ah caramba, aí a glória tinha escorrido abundantemente, tinha sido uma indigestão de heroicidade. Certo? Hmmm. Se os destiladores de orgulho conhecessem os pormenores da estadia do Gama na Índia, antes do tal regresso, não sei, se calhar tinham que fazer segunda destilação, quiçá mais refinada e discreta. É que a dita estadia (a 2ª na Índia, relembre-se) foi particularmente sanguinária e brutal. Como diz o cronista Gaspar Correia, o almirante regressou à Índia empenhado em, antes de mais, vingar as afrontas que sofrera na primeira viagem e as que padecera Pedro Álvares Cabral. Mais adiante, o mesmo cronista descreve um episódio sintomático. Sintomático de quê? De heroísmo e glória? Eu acrescentaria: claro (e especialmente aromáticos), mas também do espírito ecuménico e de tolerância que o nosso PR tão bem relembrou na sua tomada de posse. Aqui vai: primeiro torturou o embaixador (um brâmane hindu) do Samorim de Calecut para lhe extorquir informações. Depois, e como presente de despedida antes de o devolver ao seu senhor, "mandou cortar os beiços de cima e de baixo [...] e mandou cortar as orelhas a um cão da nau, e as mandou apegar e coser com muitos pontos ao brâmane no lugar das outras".

      Já anteriormente atacara um navio carregado de peregrinos muçulmanos que vinham de Meca (sobretudo mulheres e crianças) para Calecut e recusara todas as ofertas de resgate (as riquezas do navio eram imensas) pelas respetivas vidas. Em vez disso, mandou imobilizá-lo e afundá-lo a tiros de bombarda e, depois, pegar-lhe fogo. As mulheres gritavam e mostravam dinheiro e jóias, pedindo misericórdia para resgatar as suas vidas; "algumas tomavam nos braços os seus filhinhos e os levantavam ao ar, persuadindo-o assim que tivesse piedade daqueles inocentes". O herói Vasco da Gama assistiu a tudo de uma escotilha e manteve a sua postura impassível. Não sou eu quem o diz, é o português Tomé Lopes, que estava a bordo e assistiu a tudo. O mesmo que registou que os eventos tiveram lugar a 3 de outubro de 1502, dia que, como afirma, "hei de recordar todos os dias da minha vida". Eu entendo. Quem assiste a tamanho banho de glória não se esquece e, 500 anos depois, não faz esmorecer o gorgulho a quem o relembra. Orgulho, orgulho, bolas, maldito corretor. Os traques do Gama cheiravam a rosas? Enganei-me, queria dizer cheiram.

     --- J.S.:    Quando os outros fazem as coisas são bárbaros, medievais, mauzões, o que se quiser. Quando somos nós, chamamos-lhe heroísmo. Vamos admitir que os disparates escritos ... são fruto da ignorância. Para sermos bonzinhos. É que se não são fruto da ignorância, então o que estes  comentadores andam a fazer é a apologia do genocídio... Ponto final.



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Quarta-feira, 16.03.16

A Conspiração de Timor      (-John Pielger*, jornalista australiano, 11.Mar.2016 )

«Documentos secretos encontrados nos Arquivos Nacionais Australianos fornecem um relance sobre como foi executado e encoberto um dos maiores crimes do séc. XX. Ajuda-nos também a compreender como e a favor de quem o mundo funciona.
     Os documentos referem-se a Timor oriental, agora conhecido como Timor-Leste, e foram escritos por diplomatas da embaixada da Austrália em Jakarta.  A data é novembro de 1976, menos de um ano após o ditador indonésio general Suharto tomar a então colónia portuguesa na ilha de Timor.   O terror que se seguiu tem poucos paralelos: nem mesmo Pol Pot conseguiu matar proporcionalmente tantos cambodjanos como Suharto e os seus amigos generais mataram em Timor oriental. De uma população de quase um milhão, um terço desapareceu».

   Foi o segundo holocausto do qual Suharto foi responsável. Uma década antes, em 1965, Suharto tomou o poder na Indonésia com um banho de sangue que eliminou mais de um milhão de vidas. A CIA referiu: «Em termos de número de mortos, os massacres estão entre os piores assassínios em massa do séc. XX.»

     Este acontecimento foi saudado na imprensa ocidental como “um raio de luz na Ásia” (Time). O correspondente da BBC no sueste asiático, Roland Challis, descreveu mais tarde o encobrimento dos massacres como um triunfo da cumplicidade e silêncio dos media, A “linha oficial” era que Suharto tinha “salvo” a Indonésia de um assalto comunista.

    «Evidentemente que as minhas fontes britânicas sabiam qual o plano americano,” disse-me. “Havia corpos retirados dos relvados do consulado britânico em Surabaya e navios de guerra britânicos escoltaram um barco cheio de tropas indonésias para tomarem parte neste holocausto terrível. Só muito mais tarde soubemos que a embaixada americana estava a fornecer nomes [a Suharto] e a abatê-los na lista à medida que eram eliminados. Houve um acordo. Do estabelecimento do regime de Suharto fazia parte o envolvimento do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial [ dominados pelos EUA]. Foi esse o acordo.»

      Entrevistei muitos dos sobreviventes de 1965, incluindo o aclamado escritor indonésio Pramoedya Ananta Toer, que testemunhou um sofrimento épico «esquecido» no ocidente só porque Suharto era «o nosso homem». Era quase inevitável um segundo holocausto em Timor oriental, rico em recursos e colónia indefesa.

    Em 1994, filmei clandestinamente em Timor oriental. Encontrei uma terra de cruzes e inesquecível sofrimento. No meu filme, «Morte de um Povo», há uma sequência filmada a bordo de um avião australiano voando sobre o mar de Timor. Decorre uma reunião. Dois homens de fato fazem saúdes com champanhe. «É um momento verdadeiramente histórico,» balbucia um deles, «verdadeira e unicamente histórico.»

     É o ministro dos Estrangeiros da Austrália, Gareth Evans. O outro é Ali Alatas, o principal porta-voz de Suharto. Estamos em 1989 e estão fazendo um voo simbólico para celebrar um acordo de pirataria a que chamam «tratado». Foi isto que permitiu à Austrália, à ditadura de Suharto e às companhias petrolíferas internacionais dividirem os despojos dos recursos em petróleo e gás de Timor Leste.

    Graças a Evans, ao então primeiro-ministro da Austrália, Paul Keating – que encarava Suharto como uma figura paternal – e a um gang que conduzia a política externa da Austrália, este país distinguiu-se como o único país ocidental a reconhecer formalmente a conquista genocida de Suharto. O preço, disse Evans, foram «montanhas» de dólares.

    Membros deste gang voltaram a aparecer há dias em documentos encontrados nos Arquivos Nacionais por dois investigadores da Universidade de Monash em Melbourne, Sara Niner e Kim McGrath. Funcionários superiores do Departamento de Negócios Estrangeiros relatam pela sua própria mão violações, tortura e execuções de timorenses de leste por tropas indonésias. Em anotações rabiscadas num apontamento que refere atrocidades num campo de concentração, um diplomata escreveu: «parece divertido». Outro escreveu: «a população parece extasiada.»

Relativamente a um relatório da resistência indonésia Fretilin que descreve a Indonésia como um invasor «impotente», outro diplomata zombava: «Se o inimigo era ”impotente”, conforme lá está dito, como é que conseguem violar todos os dias a população capturada? Ou será que se deve a isto?»

     Os documentos, diz Sarah Niner, são «prova evidente da falta de empatia e de preocupação pelos abusos de direitos humanos em Timor-Leste» no Departamento de Negócios Estrangeiros. «Os arquivos mostram que esta cultura de encobrimento está intimamente ligada à necessidade de o DNE reconhecer a soberania indonésia, para iniciar as negociações sobre o petróleo no mar de Timor-Leste.»

     Tratou-se de uma conspiração para roubar o petróleo e o gás de Timor-Leste. Em telegramas diplomáticos divulgados de agosto de 1975, o embaixador australiano em Jakarta, Richard Woolcott, escreveu para Canberra: «Parece-me que o Departamento [de Minerais e Energia] poderia ter interesse em resolver a atual diferença na fronteira marítima acordada e isso poderia ser muito melhor negociado com a Indonésia… do que com Portugal ou com o Timor português independente.» Wolcott revelou que tinha sido informado sobre os planos secretos da Indonésia para uma invasão. Telegrafou para Canberra que o governo devia “ajudar à aceitação pública na Austrália” e contrariar «o criticismo contra a Indonésia».

    Em 1993, entrevistei C. Philip Liechty, um antigo funcionário de operações senior da CIA na embaixada de Jakarta durante a invasão de Timor-Leste. Disse-me ele: «Foi dada luz verde a Suharto [pelos EUA] para fazer o que fez. Fornecemos-lhe tudo o que precisava [desde] espingardas M16 [até] apoio logístico militar dos EUA… talvez 200 mil pessoas morreram, a maior parte não-combatentes. Quando as atrocidades começaram a surgir nos relatórios da CIA, a maneira que arranjaram de tratar do assunto foi encobri-las o máximo tempo possível e quando já não podiam mais ser encobertas foram apresentadas de forma atenuada e em termos gerais, de modo que as nossas próprias fontes foram sabotadas.»       Perguntei a Liechty o que teria acontecido se alguém tivesse denunciado. «A sua carreira teria terminado,» respondeu. Disse-me que esta entrevista comigo era uma forma de reparação pelo «mal que senti».

    O gang da embaixada australiana em Jakarta parece não sentir tal angústia. Um dos escribas dos documentos, Cavan Hogue, declarou ao Sydney Morning Herald:   «Parece a minha caligrafia. Se fiz tal comentário, sendo eu o cínico filho-da-mãe que sou, teria certamente sido com espírito de ironia e sarcasmo. Isso referia-se ao comunicado de imprensa [da Fretilin] e não aos timorenses.» Hogue declarou que houve «atrocidades de todos os lados».

    Como pessoa que relatou e filmou as provas do genocídio, acho esta última observação especialmente profana. A «propaganda» da Fretilin que ele ridiculariza era rigorosa. O relatório subsequente das Nações Unidas sobre Timor Leste descreve milhares de casos de execução sumária e violência contra mulheres pelas forças especiais Kopassus de Suharto, muitas delas treinadas na Austrália. «Violação, escravatura sexual e violência sexual foram instrumentos usados como parte da campanha programada para infligir uma profunda experiência de terror, impotência e desespero nos apoiantes pró-independência,» diz a ONU.

   Cavan Hogue, o brincalhão e «cínico filho-da-mãe» foi promovido a embaixador senior e mais tarde reformado com generosa pensão. Richard Woolcott foi promovido a chefe do Departamento dos Negócios Estrangeiros em Canberra e, na reforma, ensinou como um «respeitado intelectual diplomata».

    Foram despejados jornalistas na embaixada australiana em Jakarta, especialmente empregados do (magnata das TVs e jornais) Rupert Murdoch, que controla quase 70% da imprensa da capital. O correspondente de Murdoch na Indonésia era Patrick Walters, que noticiou como «impressionantes» os «êxitos económicos» de Jakarta em Timor-Leste e «generoso» o desenvolvimento daquele território empapado de sangue. Quanto à resistência timorense oriental, estava «sem líder» e derrotada. De qualquer modo, «ninguém é agora preso sem os procedimentos legais apropriados».

    Em dezembro de 1993, um dos empregados mais antigos de Murdoch, Paul Kelly, na altura editor-chefe do The Australian, foi nomeado pelo ministro dos Estrangeiros Evans para o Instituto Austrália-Indonésia, uma instituição fundada pelo governo australiano para a promoção dos «interesses comuns» de Canberra e da ditadura de Suharto. Kelly levou um grupo de editores de imprensa a Jakarta para uma audiência com o assassino de massas. Há uma fotografia de um deles que se está curvando.

     Timor-Leste ganhou a independência em 1999 com o sangue e a coragem da sua gente vulgar. A pequena e frágil democracia foi imediatamente sujeita a uma implacável campanha de assédio pelo governo australiano, que procurou manobrar para lhe retirar o direito legal de propriedade sobre a exploração das reservas submarinas de petróleo e gás. Para o atingir, a Austrália recusou reconhecer a jurisdição do Tribunal Internacional de Justiça e a Lei do Mar e alterou unilateralmente a fronteira marítima a seu favor.

      Em 2006, foi finalmente assinado um acordo do tipo mafioso, em grande parte segundo os termos da Austrália. Pouco depois, o primeiro-ministro Mari Alkitiri, um nacionalista que tinha feito frente a Canberra, foi efetivamente deposto naquilo que ele chamou uma «tentativa de golpe» por «estrangeiros». Os militares australianos, que tinham tropas de «manutenção de paz» em Timor Leste, tinham treinado os oposicionistas.

    Nos 17 anos desde que Timor-Leste ganhou a independência, o governo australiano apropriou-se de cerca de 5 mil milhões de dólares em petróleo e gás, dinheiro que pertence ao seu pobre vizinho.

      A Austrália tem sido chamada o «vice-xerife» da América no Pacífico Sul. Um dos homens com crachá é Gareth Evans, o ministro dos Estrangeiros filmado a erguer a taça de champanhe para saudar o roubo dos recursos naturais de Timor-Leste. Hoje, Evans é um frequentador de púlpitos fanático que promove uma marca belicista conhecida por «RTP» ou «Responsabilidade para Proteger». Como co-presidente de um tal «Global Centre» sediado em Nova Iorque, dirige um grupo de influência apoiado pelos EUA que pressiona a «comunidade internacional» para atacar países onde «o Conselho de Segurança rejeita ou não aceita propostas de solução em tempo razoável». O homem indicado, conforme os timorenses podem confirmar.

* Texto publicado em: http://johnpilger.com/articles/the-rape-of-east-timor-sounds-like-fun-

«it is not enough for journalists to see themselves as mere messengers without understanding the hidden agendas of the message and myths that surround it.»- John Pilger.  "Não é suficiente para jornalistas verem-se como meros mensageiros, sem compreenderem os objectivos escondidos da mensagem e os mitos que a envolvem."



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Sábado, 14.11.15

Liberté, Égalité, Fraternité     .vs.     MASSACRE.

Condolências às Famílias, a Paris e à Humanidade . 

Paris.png [Imagem]

       Triste  Europa      (-JR:Almeida, 14/11/2015, Ladrões de B.)

  Ainda há dias estive em contacto com uma antiga colega libanesa. Conversei com ela por causa das duas bombas que foram detonadas em Beirute. Foram mais de 40 mortos. Mas mais do que o atentado  - queixava-se ela - é muito penoso o contínuo sofrimento causado pelo permanente estado de insegurança do país. Um sentimento profundo de depressão. E o Líbano nem sequer está em estado declarado de guerra.
     E são tantos os exemplos dos crimes contra a Humanidade que não têm dias inteiros nas nossas, televisões, que passam uns minutos enquanto jantamos. Veja-se apenas este caso do Iraque para ver as manifestações que nunca fizemos: Body-count, de 2003 a 2015. Por arma, por incidente, por número de mortos, por origem de quem matou.  
     E depois assusta esta reacção instantânea de resposta pelo lado nacionalista. Aquela imagem das pessoas a sair do estádio a cantar a Marselhesa - acompanhada pela CNN a discutir se não se devem acelerar os esforços para colocar "botas no terreno" ou as tarjas nas imagens televisivas a dizer "Terror em Paris" (tal como aconteceu em 2001 - "guerra contra o terror") - lembra-me como milhões de franceses foram lançados para as trincheiras da 1ª Guerra Mundial, mal vestidos e mal preparados, animados pelo espírito nacionalista de defesa da pátria, para uma guerra que não era realmente sua.
      Em cada época, cada guerra é devidamente preparada para enlevar a população. Agora é Hollande, um político socialista, que acaba de afirmar que a guerra foi declarada a França, quase se parecendo com George Bush em 2001, prometendo um castigo exemplar ("A França foi atacada cobardemente"). Espera-se mais uns milhões de contratos de armamento, uma expectável maior ousadia militar. Mais mortes a prazo. Sobre a triste figura feita pela França na Síria, leia-se o último número de Le Monde Diplomatique. Aqui pode ver-se como a diplomacia francesa arquiva a sua relação com a Síria.
      E tudo isto acontece precisamente no mesmo momento em que terminavam as conversações internacionais em Viena, nomeadamente com a administração norte-americana e o governo russo, prevendo, num acordo de 3 páginas, esforços para um cessar-fogo na Síria, um governo de transição em 6 meses e eleições em 18 meses. Seguir-se-ão, como afirmou John Kerry, conversações para definir quem é terrorista ou não, mas que o grupo Estado Islâmico está "definitivamente nessa categoria". Como acabar com ele, ficou indefinido. Isto depois de 250 mil mortos e 11 milhões de refugiados! 
      As guerras podem ser paradas por quem as combate. E nós somos soldados sem o saber. Morremos como soldados, como peões adormecidos na nossa vida pequena.
      A guerra é um assunto demasiado sério para ser apenas deixado aos nossos políticos, aos nossos políticos europeus. Não há mortes de primeira ou de segunda, na proporção da distância do local em que se verificaram. Toda a morte é condenável. E enquanto a nossa política externa não for discutida por todos, todos poderemos ser vítimas. Inocentes ou impotentes. Onde está essa discussão sobre a política externa de Portugal, pelo menos no Parlamento? Por que nunca se discute a NOSSA política externa, mas apenas o folclore de pertencer ou não à NATO?
      Que tristeza, que triste país, que mundo triste.
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UE a falhar na crise dos refugiados, como na luta contra terrorismo
(- por AG, 14/11/2015, http://causa-nossa.blogspot.pt/ )
     "A UE está a falhar na crise dos refugiados, tal como está a falhar no combate contra uma das causas fundamentais dessa crise: o terrorismo do Daesh. (/ ISIS /  'Estado Islâmico' do Iraque e Síria)
    Os Governos da UE estão a enganar os cidadãos quanto à sua defesa e segurança, com derivas nacionalistas que fragmentam a União e impedem acção coordenada.
    A resistência a acolher e proteger os refugiados que chegam da Síria, Iraque e vizinhança constituem ameaça existencial aos valores e princípios da UE,     além de fazer o jogo dos terroristas, que visam precisamente destruir a democracia, no mundo árabe e na Europa.
    Os desafios de segurança com que estamos confrontados só se vencem com convergência estratégica, partilha e sinergia de recursos e de capacidades.     Precisamos desesperadamente de mais União, não de menos."
------ DETALHES   (-E.Pitta,  daLiteratura, 16/11/2015)
  (imagem é do Monde. Clique)
  Detalhes a ter em conta:    tudo o que os jornais europeus têm para contar, para além do óbvio (o óbvio: houve tiros e explosões, morreram 132 pessoas, há 360 feridos), tem como fonte o New York Times. A maioria dos jornalistas europeus entretém-se com estados de alma e frioleiras: «Foi comprar a baguette ao sítio do costume?» E se, em vez de passearem por Paris, fossem até Molenbeek ?
     Molenbeek é uma comuna de Bruxelas de onde saíram os terroristas envolvidos nos ataques ao Charlie Hebdo, ao supermercado Kosher, ao Bataclan, aos restaurantes do X e XI arrondissements, e muitos outros que não chegam a lado nenhum porque a polícia os detém a tempo. Molenbeek concentra perto de cem mil pessoas muito pobres numa pequena área, um ghetto sem o glamour da Grand-Place.   Afinal, a Bélgica é o país que mais voluntários fornece ao ISIS / EI/ DAESH (cinco vezes mais do que o Reino Unido, o triplo da França).
  Já agora: o descarrilamento do TGV em Eckwersheim, localidade a Norte de Estrarburgo, poucas horas depois dos atentados de sexta-feira à noite, causando a morte de 10 passageiros, é uma notícia descartável só porque Bernard Cazeneuve desvalorizou o facto?   Isto dito, tentar encontrar o fio à meada do trânsito das armas já é pedir muito.


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Sábado, 09.05.15

A  2ª Guerra Mundial  ( 1939 - 1945 )  terminou hoje, há 70 anos

(uma breve anotação  #  por Raimundo P. Narciso, PuxaPalavra)

.   A RENDIÇÃO DA ALEMANHA NAZI

No dia 8 de Maio de 1945, faz agora 70 anos, chegaram à antiga Escola de Engenharia Militar alemã, em Karlshorst, nos subúrbios de Berlim, os representantes das forças armadas aliados e das forças armadas alemãs para estas assinarem perante aquelas a capitulação da Alemanha na guerra mais monstruosa que a humanidade conhecera, a 2ª Guerra Mundial (1939-1945). (A Itália já se tinha rendido e a guerra com o Japão ainda duraria).

O marechal Zhukov representou o comando suprema soviético, o marechal da força aérea Tedder o da Inglaterra, o general Carl Spaatz, o dos Estados Unidos e Lattre de Tassygni o de França. Em representação das forças armadas da Alemanha entrou na sala depois de aberta a sessão por Zhukov, o marechal de campo Keitel, o almirante Friedeburg e o coronel general da Força Aérea Stumpf que vieram assinar a rendição completa e sem condições da Alemanha em representação de Doenitz que assumira as funções de chefe de Estado após o suicídio de Hitler, no dia 2 de Maio. Dia em que também se suicidaram Goebbels e a sua mulher depois de matarem os seus seis filhos, crianças entre os 4 e os 13 anos.

Parece ter ficado combinado fazer o anúncio do fim da Guerra a 9 mas a notícia foi posta a correr em 8 e os aliados ocidentais festejam a 8 de Maio e os Soviéticos e agora os russos a 9.

O certo é que, ao contrário das forças nazis que restavam em ordem de combate se foram rendendo nos dias seguintes, o mesmo não aconteceu com uma importante concentração de forças alemãs, na Checoslováquia que não se quis render e teve de ser vencida pelo Exército Vermelho, a 9, para a libertação de Praga. Também há quem radique neste facto a razão de 9 em vez de 8, como dia dos festejos em Moscovo.

Os nazis pretendiam render-se apenas aos Aliados ocidentais (EUA, Inglaterra e França) e não à URSS e por isso o coronel-general Jodl, um dos mais próximos colaboradores de Hitler, em representação pessoal de Doenitz foi ao quartel-general de Reims, em França, entabular negociações e fazer a rendição a Eisenhower o que não foi aceite.

.  O CONTEXTO DO INICÍO DA GUERRA

Em meados dos anos 30 do século XX a Alemanha suplantou no plano económico a França e a Inglaterra mercê da grande ajuda financeira prestada pela França, a Inglaterra e especialmente os EUA na sequência da derrota da Alemanha na Grande Guerra de 1914-18.

No plano mundial o maior confronto político e ideológico era entre a União Soviética comunista e o mundo capitalista na sequência da tentativa falhada da invasão da Rússia após 1918, por exércitos de 14 países para derrotar os comunistas que avançavam na bolchevização do país com a coletivização da agricultura e a nacionalização da economia.

Com Hitler e a militarização acelerada do país a URSS esperava que mais tarde ou mais cedo a Alemanha a atacaria. Perante as conquistas alemãs da Áustria e da Checoslováquia a França, a Grã-Bretanha e os EUA começavam a temer o poderio germânico mas a posição estratégica prevalecente era a de se manterem neutrais militarmente ainda que contra o expansionismo hitleriano no plano político para ver se Hitler se contentava por aí. Entretanto recusavam propostas de Moscovo de aliança contra os nazis antes que fosse tarde demais. Mas a Ocidente por um lado até agradeciam que Hitler invadisse a URSS e acabasse com o comunismo de Moscovo que eles não conseguiram em tempos liquidar mas por outro lado temiam o poder crescente da Alemanha.

Em Outubro de 1936 Hitler (chefe do governo nazi alemão) firmou com Mussolini  (chefe do governo fascista italiano) o Eixo Berlim-Roma e em Novembro estabeleceu com o imperial Japão, que se tornara uma grande potência militarista, o pacto anti-comintern (movimento comunista internacional). Em 1937 a Itália aderiu a este pacto que tinha uma cláusula secreta contra a União Soviética.

Em 1935 a Itália conquista a Etiópia e em 1936, com a Alemanha, intervê em Espanha ajudando Franco (fascista/franquista) a derrotar a República Espanhola (Guernica).

O Japão pelo seu lado ampliava a invasão da China para a sua conquista.

Em Março de 1938 Hitler invadiu a Áustria e incorporou-a na Alemanha e no fim desse ano a França e Inglaterra/UK, com a aquiescência norte-americana, firmam com Hitler o célebre acordo de Munique (a “capitulação” de Munique) aceitando que a Alemanha anexe parte da Checoslováquia, os Sudetas. Mas em 15 de Março de 1939 o exército alemão ataca Praga e submete todo o país.

O Eixo Berlim-Roma prosseguiu a sua ofensiva. A Alemanha nos países Bálticos, a Itália invade a Albânia (Abril de 1939).

.  O INICIO DA GUERRA -  FRENTE LESTE

Em 1 de Setembro de 1939 a Alemanha invade a Polónia e esta é a data do início da 2ª GM.

Para a conquista da Áustria os nazis montaram uma farsa. Um grupo fascista, articulado com a Alemanha tenta um golpe em Viena. Em Berlim é anunciada uma insurreição comunista e para salvar a Áustria do comunismo Hitler anexou o país. Sentindo necessidade de uma boa desculpa para a invasão da Polónia os nazis enviaram para o outro lada da fronteira uns alemães com fardas do exército polaco que dispararam uns tiros para o lado da Alemanha de modo que a invasão da Polónia por Hitler foi uma “legítima resposta defensiva”.

Aos tiros de umas espingardas “polacas” que não atingiram ninguém seguiu-se uma resposta “equilibrada”:  5 exércitos compostos por 65 divisões e brigadas, 2000 aviões, 2.800 tanques, 100 navios de guerra invadiram a Polónia.

Em 3 de Setembro de 1939 a França e a Inglaterra declararam guerra à Alemanha mas só uns anos depois a declaração platónica se traduziu em combates militares.

A chamada guerra relâmpago nazi ("blitzkrieg") que se fazia agora à velocidade dos milhares de carros de combate em vez das penosas marchas a pé da infantaria da Grande Guerra (1914-18) desenvolveu-se em três eixos, Norte, Centro e Sul e chegou às portas de Moscovo em Setembro/Outubro de 1941, às cercanias de Leninegrado (actual S. Petersburgo) no início de Setembro de 1941 e entrou em Estalinegrado, hoje Volgogrado, um ano depois, em Setembro de 1942, na rota do petróleo do sul soviético, no Azerbaijão, no Cáucaso.

.  A BATALHA DE MOSCOVO

Para o assalto, sem sucesso, a Moscovo, de 30 de Setembro a 3 de Dezembro de 1941, as forças alemãs reuniram mais de um milhão de combatentes em 3 agrupamentos de exércitos, cerca de 14.000 canhões, 1700 carros de combate e 950 aviões. A contra-ofensiva do Exército Vermelho dá-se a partir de 5 de Dezembro de 1941.

.  CERCO DE LENINEGRADO

A tentativa de assalto dos exércitos nazis a Leninegrado fracassou mas a segunda ou primeira mais importante cidade da Rússia ficou bloqueada pelas forças alemãs a partir de 9 de Setembro de 1941 até Janeiro de 1943, quando começou, aqui, a ofensiva soviética.

A 2ª GM foi palco dos maiores combates jamais vistos e de massacres de muitos milhões de soldados e especialmente de civis. Depois do assassinato metódico, a frio de crianças e bébés, homens e mulheres dos campos de concentração. Depois do holocausto, de judeus comunistas, ciganos, homossexuais ou quem quer que fosse que apodassem de inimigo.

Babi Yar na Ucrânia representa o assassinato, em 29 e 30 de Setembro de 1941, da população judia. Foram mortos em dois dias 33.800 judeus, de Kiev. Quase só mulheres, crianças e velhos que os homens tinham fugido para as florestas para resistirem. Nesta ravina dos arredores de Kiev foram abatidos a tiro durante o período de domínio alemão da Ucrânia, cerca de 100 mil civis inocentes.

Nem só os nazis cometeram crimes de guerra. Do lado soviético há a chacina na floresta Katyn de oficiais , polícias e civis polacos, pela polícia secreta de Béria, sob a acusação de espionagem e subversão. Ou do lado dos aliados ocidentais o injustificado bombardeamento, em 13 e 15 de Fevereiro de 1945, da bela cidade de Dresden, a “Florença do Elba”, sem qualquer valor estratégico, por 1300 bombardeiros ingleses e norte-americanos com bombas incendiárias. Uma chacina de dezenas de milhar de civis.

.  A BATALHA DE ESTALINEGRADO

De Julho a Novembro de 1942, 125 dias, durou a ofensiva dos exércitos nazis contra Estalinegrado. Foi a batalha mais feroz da guerra com combates rua a rua, casa a casa, andar a andar, nas ruas da cidade. A partir de Novembro inicia-se a contraofensiva do Exército Vermelho. Segundo cálculos dos soviéticos terão morrido ou ficado feridos, nesta batalha, 700 mil militares alemães.

O Exército do carismático general alemão Von Paulos foi cercado pelas tropas soviéticas em Estalinegrado. Não se rendeu. Só depois de 48 dias de cerco e duras batalhas, em 31 de Janeiro de 1943 o general se entregou. Foram enterrados os cadáveres de 147 mil militares alemães e feitos prisioneiros 91 mil, dos quais 2500 oficiais e 24 generais.

Em Novembro de 1942 as forças militares no território da URSS equilibravam-se. Os alemães e seus aliados, italiano, romenos e outros, tinham em campanha na URSS cerca de 6 milhões 270 mil militares contra 6 milhões 124 mil militares soviéticos. No entanto no verão de 1943 as forças alemãs e dos seus aliados na frente alemã-soviética era de 5 milhões e 325 mil homens contra 6 milhões e 442 mil do lado soviético.

.  KURSK

Em Abril de 1943, depois da derrota de Estalinegrado as forças Alemanha em retirada para Ocidente tentaram com um grande reagrupamento de forças parar a retirada e desencadear uma nova ofensiva na Rússia que se veio a concretizar com a operação “Cidadela”, a batalha de Kursk. Foi a maior batalha de tanques da história. Reuniram no lado alemão, 900 mil combatentes, 10 mil canhões e morteiros, 2700 tanques, e mais de 2000 aviões. O Exército Vermelho mobilizou para a batalha 1.337.000 homens, 19,300 canhões e morteiro, 3.300 tanques e 2.650 aviões. A batalha durou 50 dias, de 5 de Julho e terminou a 23 de Agosto de 1943. Do lado do exército vermelho que dispunha então já de um bem montado sistema de informações e sabiam com bastante antecedência da data aproximada do ataque e das suas principais direcções adoptaram a táctica de aceitar a ofensiva alemã, tentar o desgaste das suas forças e passar depois à ofensiva com forças frescas.

Esta batalha marca o fim da ofensiva alemã, marca o início da sua derrota e a retirada até Berlim.

.  O "DIA D", O DESEMBARQUE DA NORMANDIA      (seguirá dentro de momentos ...) 



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Segunda-feira, 27.04.15

Recordar a Arménia, no centenário do início do genocídio  (-J.Lopes, 24/4/2015, Entre as brumas)

     Do primeiro genocídio do século XX (muitos outros ocorreram antes e depois, para vergonha da humanidade), resultou quase um milhão e meio de mortos, deportações e milhares e milhares de fugitivos. Na noite de 24 de Abril de 1915, (por militares e milícias turcas) foram detidas e deportadas para a parte leste do país/império mais de 200 personalidades («políticos» e «intelectuais»), acontecimento que passou a ser simbolicamente considerado como o início do massacre (e deportação para os desertos da Síria e do Iraque).
    O processo foi aqui diferente do adoptado mais tarde pelos nazis (no holocausto), já que a limpeza étnica não se baseou em teorias sobre raças (mas, principalmente, na diferença de língua e religião, cristã). Por exemplo, dezenas de milhares de mulheres e crianças foram raptadas  e adoptadas por famílias (turcas) muçulmanas e depois convertidas (ao islão). (A maioria dos homens e rapazes que não conseguiram fugir foram fuzilados, enforcados ou passados pela espada*, enquanto as raparigas e mulheres foram forçadas a caminhar centenas de kms, esfomeadas, maltratadas, violadas, vendidas, casadas com desconhecidos... Os seus bens foram roubados ou destruídos, incluindo igrejas e bibliotecas).
     Famílias inteiras fugiram (as que puderam), dispersando-se primeiro pelas terras/países mais próximos e depois um pouco por todo o mundo (França, R.U., URSS, EUA, ...). O país/povo tem ainda hoje uma vastíssima diáspora (os descendentes dos "restos da espada"* que conseguiram fugir) que sonha, maioritariamente, em regressar a casa e reconstruir a «Grande Arménia». 
Registo um caso particular com que lidei quando passei uns dias nessas magníficas e sofridas paragens:  a guia que acompanhou o grupo em que me integrei, muito jovem, era iraniana / arménia e os avós escaparam por um fio ao Genocídio.    Fugiram com a família, andaram pela Rússia e acabaram por se instalar no Irão. Multiplicaram e os descendentes por lá se mantêm, sonhando com a possibilidade de regressarem à terra dos antepassados, que querem ajudar a reconstruir. Não é fácil para todos, mas foi o que esta neta já fez:  guia e intérprete de espanhol em Teerão, foi deixando de ter trabalho por diminuição de visitantes àquelas paragens (por razões óbvias) e aproveitou o movimento inverso de desenvolvimento do turismo na Arménia. Uma irmã já se lhe juntou e espera que mais possam «regressar» a uma espécie de terra prometida – é assim que a sentem.
     Charles Aznavour, nascido em França mas filho de emigrantes arménios, verdadeiro herói nacional, canta em honra dos que «caíram» nesta terrível fase histórica de barbárie:

P.S. – A foto que está a meio do post é do monumento comemorativo do 50º aniversário do Genocídio, que vi em Echmiazin (na Rep. da Arménia).
--- Na Rep. da Turquia ainda hoje é tabu cultural e crime falar/lembrar o genocídio exercido em 1915 sobre os arménios, concidadãos de 2ª classe do império turco otomano; também nos países muçulmanos, bem/mal como nos aliados da NATO (incluindo Portugal), as autoridades se coibem de falar desse expiatório e execrável crime colectivo e de estado
--- O genocídio foi despoletado por uma pesada e humilhante derrota dos otomanos em batalha contra os russos, sendo alguns arménios acusados de deserção e passagem para o lado inimigo, 'culpa' que rapidamente foi alargada a todos os soldados arménios nas fileiras otomanas e a toda a comunidade arménia (e cristã), tornada 'bode expiatório' das suas frustações e perdas militares (devido à impreparação do império e inépcia dos comandantess e governantes) ...
--- Após a derrota (e dissolução) do Império Otomano na 1ªGG, foi criada a República da Arménia integrada na URSS, sendo hoje um país independente que compreende uma parte (a leste da Turquia e 'berço') do que era a "Grande Arménia", que estava sob domínio do grande mas enfraquecido império turco otomano
--- Para Portugal, na 2ªGG, veio Calouste Sarkis Gulbenkian (arménio exilado em França e Inglaterra, o eng."sr.5%" dos contratos de exploração petrolífera negociados por ele em representação do Império Otomano junto das companhias inglesas, francesas, americanas,...), cuja fundação tem um serviço dedicado à cultura Arménia e apoio às comunidades arménias, estejam elas na Rep. Arménia, na Turquia, na Síria, etc.
--------- Sobre a Arménia, suas gentes e cultura ver também o filme ARtMENIANS, passado na RTP, e comentários e posts de H.Araújo.


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Quarta-feira, 04.06.14

O que não se contou de Tiananmen   e da R.P. China    (-por R.Varela, 4/6/2014, 5Dias)

   Tiananmen foi o canto do cisne de um movimento de trabalhadores e estudantes – ao todo pensa-se que 100 milhões em mais de 300 cidades – que nas ruas da China, durante três anos, colocaram nas ruas a questão do poder e se enfrentaram com a burocracia do PC da China.

A propaganda ocidental conseguiu, com algum sucesso, resumir Tiananmen a um protesto numa Praça de Pequim, levado a cabo por estudantes, que reivindicavam a abertura ao Ocidente e foram brutalmente reprimidos pelo PC da China. Como sempre, uma mentira tem de ter parte de verdade para ser engolida pelas pessoas.

    Tiananmen é o momento mais dramático de uma situação pré-revolucionária que se abriu na China em 1986 e se encerrou em 1989 com a dramática repressão sobre estudantes e trabalhadores levada a cabo por um sector do Partido Comunista da China.

    As reformas de Deng Xiaoping, no início dos anos 80 – conhecidas como as quatro modernizações (agricultura, indústria, investigação cientifica, exército) –, geraram uma oposição entre os trabalhadores, estudantes e intelectuais.   O «socialismo de mercado» (e«um país 2 sistemas económicos») criava profundas divisões entre as zonas especiais e a China costeira e o mundo rural:   um trabalhador chinês do campo podia ir trabalhar numa fábrica da costa com um passaporte especial, mas não podia aí residir ou levar a família ou colocar os filhos na escola, o que ainda hoje se passa na China.   A mercadoria «trabalhador» estava a construir a China que deu o salário da globalização e permitiu aos países imperialistas (importadores e  investidores na "deslocalização industrial» para a China) acumular capital de uma forma espantosa durante os anos 80 e 90 do século XX.   Era o maior exército industrial de reserva do Mundo.   A inflação e a crescente «desigualdade social», nas palavras do historiador Massimo Salvadori, e a justa luta pela liberdade, contra a ditadura imposta pela burocracia do Partido Comunista, levaram um sector da população a enfrentar-se com o Governo e abriu-se uma crise dentro do PC da China, que em 1986 levou à substituição de Hu Yaobang no cargo de secretário-geral do partido. Esta substituição gera manifestações gigantescas em toda a China.   Crises sucedem-se nesses três anos sem que o Governo consiga controlar a situação.   Ao lado, a URSS desmoronava-se (com Gorbatchov), confirmando o prognóstico de Trotsky nos anos 30: ou havia uma revolução contra a burocracia ou uma restauração bárbara do capitalismo.

      Em Abril de 1989, a morte de Hu Yaobang é o rastilho. Para lhe prestar homenagem, os estudantes escolhem a Praça de Tiananmen, e a 17 de Abril começa a ocupação da Praça.  Começam por ser 20 mil estudantes, rapidamente passam a 100 mil estudantes e trabalhadores. Em 22 de Abril, dia do funeral, e apesar de proibida a manifestação, mais de 200 mil pessoas estão na Praça.  Denunciando a corrupção do PC, exigem igualdade, boas condições de vida, liberdade.   Quando há muita gente na rua, dizia Che Guevara, algo de bom se passa.

     O movimento permaneceu e em 17 de Maio, quando da visita a Pequim do líder soviético Mikhail Gorbachev, uma multidão sai às ruas, respondendo aos apelos dos estudantes. No dia 18, cerca de 1000 estudantes entram em greve de fome e o Governo decreta o estado de sítio.   Em 24 de Maio os estudantes criam um quartel-general de defesa da Praça Tiananmen.   Há uma luta entre os estudantes que querem permanecer na Praça e os que acham que se deve começar a dialogar com o Governo.   No dia 28 de Maio, há em todo o Mundo manifestações a favor da luta de Tiananmen. A revolta conta nas suas fileiras com trabalhadores, sindicalistas, intelectuais, jornalistas. O Governo decide mandar o Exército reprimir. E o Exército de Pequim recusa-se a fazê-lo…

       O massacre ignorado

Com urgência, o Governo manda vir para Pequim tropas do Exército de Libertação Popular de outros locais. A história dos exércitos rurais usados para derrotar as revoluções das cidades repete-se desde a Comuna de Paris.   Mas a população à entrada de Pequim, aos milhares, faz barricadas e impede a entrada do Exército em Pequim.   A 2 de Junho, o povo obriga os soldados a recuar. Mas a 3, à noite, os tanques avançam. Há inúmeros mortos, ninguém sabe bem quantos, de trabalhadores esmagados pelos tanques ou mortos a tiro nas avenidas que dão acesso a Tiananmen.   O maior massacre, conhecido entre os trabalhadores por Massacre de Pequim, ocorre longe de Tiananmen, e das câmaras de televisão, como lembram George Black e Robin Munro no livro Black Hands of Beijing: Lives of Defiance in China’s Democracy Movement: «O alvo principal não eram os estudantes, mas os trabalhadores dos subúrbios de Pequim que se revoltaram contra as duríssimas condições de trabalho e de vida impostas pela abertura ao mercado dos anos 70.» Brendan O’Neill confirma, num artigo escrito para o The First Post, que a maioria das vítimas foram «trabalhadores dos subúrbios de Pequim».

   Na madrugada de 3 de Junho e no dia 4, o Exército avança e começa a disparar, fazendo, pensa-se, mais de 1500 vítimas, a maioria não estudantes, e entre eles vários elementos do PC da China que se opunham às reforma de Deng e que saíram às ruas para defender os estudantes e a revolução.

    O movimento terá tido manifestações, greves e impacto político em cerca de 300 cidades da China e envolvido 100 milhões de chineses.

A política é confundida pelo som das palavras. Tiananmen em chinês quer dizer a Porta da Paz Celestial. Em Tiananmen o PC da China dizia estar a lutar contra uma clique de «contra-revolucionários». Os trabalhadores e estudantes eram descritos como querendo uma liberalização económica e democrática.   Mas a derrota de Tiananmen abriu a China ao capitalismo mais selvagem de sempre, pela mão dos «ortodoxos» do PC da China. Tiananmen foi, hoje podemos com certeza dizê-lo, o ponto alto da contra-revolução que restaurou o capitalismo na China dirigida pela burocracia do PCC, auxiliada por um Exército que se chamava de «libertação».  Derrotados foram os trabalhadores que quando saem à rua, quer o digam ou não, colocam sempre esta questão chave:  «de quem é o poder».

    O Ocidente «chocado» agradeceu à China por ter criado as condições que abriram portas a que hoje um chinês monte um computador a troco de uma tigela de arroz.   Esse é o significado histórico de Tiananmen.  A condenação formal não passou de uma vénia que o Ocidente foi obrigado a fazer, já que às suas portas, na Europa, tinha uma revolução ainda mais poderosa em curso, com o desmoronamento da URSS.

    Também à China se colocava a velha questão de Trotsky: ou a revolução ou a restauração bárbara e impiedosa do capitalismo. Sem se enfrentarem com os burocratas que crescem na sua própria classe, os trabalhadores estão condenados a derrotas, à paz dos cemitérios.

         O homem do tanque

Na madrugada de 4 de Junho, um homem desconhecido, na Avenida da Paz Eterna, perto de Tiananmen, pequenino e magro, segurando sacos de plástico nas mãos, pára em frente a uma coluna de tanques. O da frente tenta evitá-lo. Ele não sai da frente. Consegue subir e falar com o condutor do tanque. Conta-se que lhe terá dito: «Não matem mais o meu povo.» Foi depois levado: ninguém sabe ao certo se por militares, se por amigos. E ninguém até hoje sabe do seu paradeiro.  -  Publicado originalmente em Revista Rubra nº 6 

Protesto e massacre de há 25 anos  (via Der Terrorist)   

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Ainda há heróis    (-por P.Correia, 04.06.14, delito de opinião)

      . No coração da remota China muçulmana, a população turcófona continua a ser remetida para guetos nos subúrbios: os melhores empregos e as melhores habitações cabem à etnia han, dominante no conjunto do país. Só existe igualdade na lei, não existe na prática: os uígures são tratados como cidadãos de segunda na sua própria terra.

     Que crime cometeram?  Procurarem manter a identidade cultural, falando a sua língua e professando a sua religião no Estado mais populoso do mundo, onde a norma é esmagar toda a diferença.      Acontece hoje no Xinjiang, acontece há meio século no Tibete, aconteceu em 1989 na própria sede suprema do Império do Meio.    Sei bem do que falo. Há um quarto de século, vivi em Macau um dos períodos mais tristes de que me lembro, quando vi esmagar a Primavera com que milhões de chineses haviam sonhado – a Primavera política, após quatro décadas de regime ditatorial, afogada em sangue naquela trágica madrugada em Tiananmen, a Praça da Paz Celestial, que nunca fez tão pouco jus ao seu nome poético.    Após mês e meio de protestos pacíficos, iniciados em Abril, com a morte súbita do ex-secretário-geral do Partido Comunista Chinês, o reformista Hu Yaobang, destituído dessas funções em 1987.

    Recordo as expressões festivas nos rostos de muitos chineses semanas antes, dias antes, quando toda a esperança parecia possível.

Recordo as figuras dos principais dirigentes estudantis, imagens que galvanizaram toda uma geração – jovens como Wang Dan, Chai Ling e Wuer Kaixi, que viriam a ser perseguidos e forçados ao exílio (os que não foram fuzilados ou encerrados em "campos de reeducação").

   Recordo a euforia popular que rodeou a chegada à capital chinesa em meados de Maio, para uma visita oficial, de Mikhail Gorbatchov, o homem que se preparava para derrubar a cortina de ferro e servia de inspiração ao ansiado derrube da cortina de bambu.

   Recordo também a mobilização de uma vasta força repressiva, composta por 300 mil soldados mandatados para estancar a revolta. Recordo a proclamação da lei marcial por Deng Xiaoping (que só viria a ser levantada em Janeiro de 1990) e o afastamento do líder do partido, Zhao Ziyang, acusado de ser excessivamente brando pelos falcões da ditadura e condenado a partir daí à morte civil e à reclusão doméstica com carácter vitalício.

   Recordo o silêncio de chumbo nos dias subsequentes ao massacre.

  Recordo sobretudo o impressionante instantâneo daquele homem sem rosto nem nome, de braços nus, enfrentando uma sinistra fileira de tanques, imortalizado pelo clique da máquina fotográfica de Stuart Franklin. Símbolo máximo da dignidade humana perante a força bruta - há 25 anos em Pequim, hoje no Xinjiang que teima em ser diferente.

   Quando ouço dizer à minha volta que já não existem heróis, lembro-me sempre daquele homem sem medo. Que outro nome haveremos de dar-lhe senão esse – o de herói?



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Segunda-feira, 27.01.14

O  Holocausto  (ou Shoah ) – um crime singular comparável  (por I.Pimentel, em  27.01.14)

  Todos os anos se comemora, em 27 de Janeiro, o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, lembrando a libertação de Auschwitz pelas tropas soviéticas, que perfaz hoje 69 anos. Cada ano, a memória desse tão terrível evento - o chamado Holocausto ou Shoah, que designa o extermínio de cerca de seis milhões de judeus (+ opositores políticos, ciganos, 'deficientes', ... alemães, polacos, franceses, ... - PESSOAS), remete-nos em parte para o presente.  ...

  ...o «reino do massacre de massa» e constituído algo sem precedentes, porque os nazis se arrogaram o «direito de decidir quem deve ou não deve habitar este planeta». Ao definir o totalitarismo nazi como um sistema em que os seres humanos «estão a mais», Arendt acrescentou que querer tornar os homens supérfluos, como o fizeram os nazis, não significa unicamente matá-los, mesmo em massacres colectivos, nem tratá-los como animais, mas, sim, procurar eliminar neles todo o traço de humanidade, até mesmo na própria morte. ... (…) quando um regime decide, na base dos seus próprios critérios que determinados grupos não têm o direito de viver na terra, bem como escolhe o local e prazo do seu extermínio, então atinge-se o patamar extremo. Este foi atingido pelos nazis»

... alertando para os perigos do conceito de «singularidade» ou «unicidade» do Holocausto, ... se estaria a privilegiar o sofrimento de determinadas vítimas relativamente a todos as outras.

 ... O Holocausto literalmente consumiu também a vida de centenas de milhares de ciganos Roma, deficientes, milhões de polacos e russos. Outros, incluindo homossexuais, testemunhas de Jeová, comunistas e socialistas também foram alvos da repressão e mortos devido à sua ideologia, política ou comportamento. ...

... Auschwitz procede à fusão do antisemitismo e do racismo, com a prisão, a empresa capitalista e a administração burocrático-racional. Nesse sentido, o genocídio judeu é um paradigma da barbárie moderna. ...

A singularidade de Auschwitz não funda qualquer escala da violência e do mal. Não há genocídio pior ou menor que um outro ... A melhor forma de preservar a memória de um genocídio não é a que consiste em negar os outros, ou a erigi-lo em culto religioso. ...

... Foi sim um julgamento sobre a natureza do crime, exercido contra a própria humanidade. ... criar um crime singular:   1) a industrialização e burocratização da morte, utilizando todos os recursos do Estado moderno;   2) a compreensão de um intento cujo objectivo era varrer da face da terra toda uma determinada população, por nenhuma razão prática;  (3) e uma vontade em destruir a humanidade das vítimas antes de as assassinar, humilhando-as e desumanizando-as.   A estes três elementos, haveria a acrescentar muitos outros, entre os quais a enorme cooperação e cumplicidade internacionais nos crimes. Cooperação encontrada em quase todo o lado, que faz aliás do Holocausto um crime, não só que envolveu a Alemanha, mas também, entre outros países da Europa, a Roménia, Croácia, Eslováquia, França de Vichy, ou a Ucrânia.

... a partir de Junho de 1941, a de que houve um enorme grupo de cúmplices e carrascos ou perpetradores (perpetrators) e um ainda maior de pessoas que souberam do que se passava, mas porém nada fizeram – os espectadores (bystanders). [e houve ainda um grupo que beneficiou/incentivou o processo/sistema : desde as grandes empresas bélicas, de veículos, químicos e fármacos, ... até aos ladrões e receptadores de ouro, joías, arte, ... e aqueles que foram ocupar os lugares/cargos do regime e instituições dependentes.].  Como disse Ian Kershaw, «the road to Auschwitz was built by hate, but paved with indifference» («o caminho para o Holocausto foi construído pelo ódio, mas pavimentado pela indiferença» (e aproveitamento)».

... Neste estudo sobre um batalhão da polícia de reserva alemã, constituída por “alemães vulgares”, ou “banais”, responsáveis por massacres de judeus na Polónia seguindo a Wehrmacht, assassinando mulheres, crianças e velhos, ... nem todos os elementos do Batalhão eram anti-semitas, mas, sim, técnicos amorais, ... enquanto uma minoria significativa dos seus elementos se habituou ao massacre e até sentiu prazer nele, um segundo grupo, também minoritário (cerca de 10%) recusou participar nas chacinas, mas sem conceber a sua recusa em termos políticos ou morais nem criticar os seus companheiros de unidade. Um terceiro grupo, esse maioritário, conformou-se com as pulsões exterminadoras sem as pôr em causa e participou nelas, achando ser mais fácil disparar sobre mulheres e crianças que de passar por cobardes aos olhos dos que constituíam o seu quadro de socialização identitária. ... uma combinação de factores situacionais e ideológicos, a desumanização das vítimas, a especialização profissional e a forma tecnológica como cada um exerceu a sua parte no crime baniram do seio dos «perpetradores» todas as considerações humanas, contribuindo para transformar «homens vulgares» em «executantes voluntários». 



Publicado por Xa2 às 07:45 | link do post | comentar | comentários (1)

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