Domingo, 10.07.16

Lusitânia paixão

 Piriquitos e malaguetas

    Acho alguma graça ao futebol, mas não sou adepto. Mesmo quando faço alguns comentários e lanço a passarada é mais numa perspectiva de picanço do que qualquer outra coisa.
    Hoje torço claramente pela selecção da Federação Portuguesa de Futebol e, se tivesse um cachecol, até era capaz de o pôr ao pescoço quando me sentar frente ao televisor.    E mais não digo ...
     Vamos a isto que os franciús estão a precisar de reduzir o seu habitual chauvinismo a níveis de assertiva razoabilidade.
   Quando acordarmos amanhã, independentemente do resultado que se venha a apurar, teremos de novo oportunidade de fazer por Portugal o que se espera que os onze marmanjos em cuecas façam, hoje, por todos nós.     (--LNT  #BarbeariaSrLuis  [0.044/2016])

                                        Falácias

 Camisola Euro 2016
    Com ilustração para que se entenda melhor.
     A falácia reside na intencionalidade da confusão entre a República Portuguesa e a Federação Portuguesa de Futebol.
    Eles (da FPF) bem tentam explicar isso vestindo os jogadores de verde cueca em vez das cores nacionais, mas há quem insista em misturar tudo para puxar pelo melhor do nacionalismo bacoco que continua a arrebatar as multidões.
--------- Zé T:
-- Parabéns à equipa da selecção da FPF pela taça (campeões do UEFA Euro 2016), às vitoriosas atletas ... e a todas as equipas e desportistas das várias modalidades, sejam elas/eles medalhados ou simples esforçados participantes.
-- Já notaram que muitos emigrantes portugueses, em França e pelo mundo fora, usam o símbolo da FPFutebol (camisolas, autocolantes no carro, ...) mas não o símbolo ou bandeira portuguesa ... será que é apenas 'futebolite' ? ou será bom senso/ receio ? para não acicatar (na terra/ sociedade que os acolhe) reacções de nacionalismos bacocos mas perigosos ... pois do chauvinismo à xenofobia e ao descarregar de frustações  vai um pequeno passo ou faísca ...
 -------          Carta ao Mathis, que hoje tem mais seis anos
 Hoje, véspera do jogo entre a França e Portugal, lembrei-me desta "carta ao Mathis" que, há mais de seis anos, publiquei neste blogue. Eu era na altura embaixador português em França e a carta fala por si. Que será feito do Mathis, já com mais seis anos? Gostava bem que, amanhã, ele tivesse uma grande alegria, igual à de todos nós:
          Olá, Mathis
    Soube há pouco, por um jornal, que não te deixaram entrar na escola, aqui em França, porque levavas vestida a camisola da seleção portuguesa. Os teus pais, ao que parece, ficaram aborrecidos com isso.
    Queria dizer-te que não deves ficar preocupado com o que aconteceu. Pelos vistos, o objetivo da direção da tua escola foi evitar a possibilidade de outros meninos, de várias nacionalidades - a começar pelos franceses -, poderem meter-se contigo e criar alguma confusão. Se calhar, na tua escola, há meninos da Coreia do Norte* (equipa adversária)...
     É muito bom que tenhas sentido orgulho em usar a nossa camisola. A França é o país onde vives mas, como se viu, Portugal é o país que trazes no teu coração. É aqui que, provavelmente, irás fazer a tua vida, no futuro, mas isso não te torna menos português. A França é uma terra onde há muita gente que veio de outros países, como de Portugal, à procura de oportunidades para trabalhar. A França deu-lhes essa possibilidade e os portugueses retribuíram com o seu esforço, com a sua seriedade e a sua honestidade, para a riqueza da sociedade francesa. E aqui estão, também em sua casa. Ninguém deve nada a ninguém. E tu és a melhor prova do sucesso da integração dos portugueses em França, com a tua mãe francesa e o teu pai luso-descendente.
    Os portugueses que aqui vivem devem ser sempre leais para com a França que os acolhe, da mesma maneira que a França tem de aceitar que tu, tal como os outros meninos que se sintam ligados a Portugal, possam mostrar isso, nas ruas ou nas camisolas. Pode discutir-se se a escola é o lugar mais indicado para andar com as camisolas da nossa seleção, mas, aos teus amigos de cá, deves lembrar que foi a Revolução Francesa (1789), aquela que está na bela "La Marseillaise" (hino Fr.), que ensinou o mundo a lutar pela liberdade, a defender a igualdade entre todos e a demonstrar a nossa fraternidade perante os outros.
     Para ti, caro Mathis, quero deixar-te um abraço bem lusitano e um convite para, um destes dias, vires, com os teus pais, visitar a Embaixada. E também espero que, qualquer que seja o resultado que a seleção portuguesa venha a ter no Mundial, tragas vestida a camisola das quinas. É que nós, os portugueses, temos por tradição ser muito orgulhosos do nosso país, tanto nos bons como nos maus momentos.    ---  Francisco Seixas da Costa
------------- É  basicamente  isto   (-J.R., 11/7/2016, Ladrões de B.)
    Esta vitória (no Euro do futebol) foi importante para Portugal? Foi totalmente indiferente para o nosso futuro colectivo.
   Assim sendo, faz sentido este ter sido, como Nação, um dos dias mais felizes dos últimos anos? Faz todo o sentido. Se a felicidade fosse pragmática era bem infeliz, a coitada. Não há felicidade, a de cada um de nós e a de nós juntos, sem prazeres imediatos. Todas as Nações precisam destes momentos de reencontro. Não porque isto mude o que elas são ou contribua para serem melhores. Apenas porque é neles que descobrem que as une uma identidade, mesmo que imaginária, e um conjunto de afectos, mesmo que aparentes. Ao que esta descoberta mobiliza chamamos patriotismo.
    É estúpido cantar emocionado o hino nacional, no início de cada jogo, e depois negar a importância dessa emoção na política. Quando deixarmos de sentir vergonha em falar da nossa “Pátria amada”, porque ainda a associamos ao pior da nossa história, talvez consigamos mobilizá-la para o melhor que ainda podemos fazer: um lugar onde as pessoas vivam com dignidade, liberdade e, seja qual for a sua origem, cidadania plena.
   O patriotismo é um valor que se pode encher com muitos outros, bons ou maus. Mas o sentimento de pertença que convoca, aquele que nos enche de felicidade por estes dias, nem pode ser ignorado nem deve ser desperdiçado.  -- Daniel Oliveira, Nossa Pátria amada.
---J.Santos:    Durante o Fascismo era comum dizer-se que a oposição democrática não era patriota. O recurso ao patriotismo na política é um jogo muito perigoso. O Dr. Johnson dizia que o patriotismo era o último recurso de um patife e Ambrose Bierce discordava, dizendo que era o primeiro.
    O futebol é uma má metáfora, porque é difícil discordarmos do mérito e do sacrifício de uma equipa desportiva e porque a luta desportiva não é mais do que um simulacro que exorciza outras rivalidades bem mais perigosas.
    Convinha não perdermos o Norte e olharmos para o conflito existente na UE como aquilo que realmente é, um conflito entre Direita (entre o 1% de poderosos, privilegiados e seus 'avençados'...) e Esquerda (classe média e trabalhadores empobrecidos, em precariedade, ...) e não entre Portugal e a Europa (ou outra 'nacionalidade'). Porque quem discordar de 'Portugal' arrisca-se bem a ser classificado como traidor e a ser prontamente defenestrado...


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Sábado, 19.03.16

 -----   Castigo  indigno        (-Pedro Figueiredo, 16/3/2016, 365forte)

   Na primeira visita da actual ministra da Justiça à Assembleia da República, Francisca Van Dunem afirmou, a propósito das condições das prisões portuguesas, que o Estado tem o direito de suspender a liberdade aos seus cidadãos pelos crimes por estes cometidos, mas nunca a dignidade. Este deverá ser o ponto de partida com que o senado francês discutirá o projecto de revisão constitucional denominado Protecção da Nação, que hoje e amanhã tem lugar na câmara alta do parlamento francês. A votação final é dia 22.

    Para além de alterações ao estado de emergência, o documento prevê também a perda da nacionalidade aos franceses condenados por "um crime ou um delito que constitua um atentado grave à vida da nação".(?!  tudo o que o governo e secreta quiser !!) Já nem se fala em terrorismoA ideia original apresentada por Hollande ao congresso em Versalhes, três dias depois do ataque ao Bataclan, afectava apenas os detentores de dupla nacionalidade mesmo nascidos em França. No entanto, as críticas de discriminação não tardaram e a emenda foi pior que soneto: o texto final aprovado a 10 de Fevereiro na Assembleia Nacional incluiu todos os cidadãos. Sem excepção. O que, no caso de quem não tem dupla nacionalidade, significa tornar-se apátrida. Algo que o presidente francês, no mesmo discurso de Novembro, havia recusado.

     Foi ao argumento de “responsabilidade igual, sanções iguais” que o primeiro-ministro francês se agarrou na audição que teve para convencer os senadores a aprovar um texto que devia envergonhar o berço do Iluminismo. Assim explicaram os dois professores de direito constitucional que o Senado também já ouviu sobre o assunto. “Se o sentimento de pertença a uma nação não forja a ideia de comunidade política então é necessário retirar da Constituição as referências a valores e símbolos como a bandeira, o hino e o lema”, explicou Dominique Chagnollaud, continuando: “Os tempos conturbados em que vivemos são uma boa oportunidade para recordarmos certos princípios”. Os mesmos que serviram de base à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e que contagiou o Mundo de forma a que ainda hoje sirva de guia ideológico. Paris é, pois, um farol em perigo de perder luz. Que valha o Senado.

    A questão torna-se ainda mais incompreensível na medida em que a nacionalidade é um direito consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. XV) e qualquer violação é um atentado à dignidade da pessoa. Aqui levada a cabo pelo próprio Estado que se rege pelo princípio jus solis, atribuindo o direito de nacionalidade a todos os que nasçam em solo francês.  O código civil francês, no artigo 25º, já prevê a perda de nacionalidade. No entanto, salvaguarda os casos em que tal implique a criação de apátridas. Não há crime algum, por mais hediondo que seja, que justifique castigos indignos (tortura, pena de morte, apátrida, ...) inscritos na lei.

-----     os traques do (herói) Gama cheiravam a rosas     (-P.Pinto, 16/3/2016, Jugular)

    Não duvidem que sim. Quem sabe, às rosas produzidas pelo prof. Tournesol n'As Jóias da Castafiore, já que se trata de matérias com evidente afinidade. Nem estou a ver como não. Aliás, os mal-cheirosos só apareceram depois, muito depois. Há quem diga que foi com os Filipes, há quem afirme que foi com os liberais, e há quem jure a pés juntos que foi só em 1974. Nesses tempos gloriosos, não, nunca. A ver pelas reações da notícia que veio a lume há dois dias, a do anúncio da alegada descoberta dos destroços de uma nau portuguesa em Omã, nem outra hipótese é, sequer de considerar. Nesses tempos, tudo o que os portugueses faziam era heroico e glorioso e enche-nos (ou deveria encher-nos) de orgulho. Como diz um comentário à notícia, "É este o Portugal que me enche de orgulho, é neste país que me revejo, é esta a Pátria de nossos valerosos antepassados que Camões tantas vezes sublimou!". Outro diz "Notável descoberta reveladora uma vez mais da nossa capacidade, enquanto Nação", ... todo o fervor pátrio em poucas palavras: "O portugal Gigante. ...". Até o insigne deputado Carlos Abreu Amorim não se contém na sua emoção patriótica e deixa escapar um "Histórias de orgulho dos povos que têm história", na sua página do Facebook. É que, pelos vistos, há povos que não a têm; só os merecedores dela, concluí eu. Mas depois, já no Twitter, emendou a mão dizendo que "há povos que têm mais história que outros" e que nós "temos muita". Aqui, confesso, esgotaram-se-me os argumentos; já quando era puto tinha dificuldade em discutir com o senhor da mercearia.

    Bom. Eu cá não gosto muito de me pronunciar sobre glórias e heroísmos, mas posso dizer alguma coisa sobre orgulho. O orgulho é uma coisa magnífica: não custa nada, não precisa de ser aprendida ou treinada, não é parca nem rara e faz os seus possuidores sentirem-se no topo do mundo. Se é justificada ou não, é lá com cada um. Eu posso achar é que os faz passar por figuras ridículas, mas isso é apenas a minha opinião. Mas já agora, e se não tomar muito tempo, talvez fosse interessante olhar um bocadinho para os tais motivos de tão hiperbólico "orgulho". Na verdade, o que foi achado (assumindo que se confirma a autenticidade da atribuição dos vestígios às naus de Vicente Sodré) foram apenas destroços de naus portuguesas. Motivo de orgulho? bem... com certeza que sim, mas as mesmas faziam parte da 4ª armada que partiu de Lisboa para a Índia, portanto, é um orgulho assim já a dar para um bocejante déjà vu. A armada fez grandes serviços, feitos de navegação notáveis? Nem por isso, era uma armada de patrulha que Vasco da Gama deixou na Índia quando ele próprio regressou à Europa, para controlar a situação e proteger Cananor e Cochim dos ataques de Calecute. O capitão Vicente Sodré, aparentemente em desobediência ao seu sobrinho almirante, preferiu ir fazer razias aos navios muçulmanos que iam e vinham do Mar Vermelho. Se fossem navios árabes (ou vikings ou ... ingleses) a fazer o mesmo no Algarve - que o faziam, não duvidemos - seriam por cá chamados de "piratas"; mas como eram 'os nossos' portugueses no Índico, bom, nesse caso são heróis que nos enchem de "orgulho".

   Vicente Sodré era o comandante da pequena frota que ancorou junto às ilhas de Kuria-Muria (como eram chamadas na época). Os portugueses foram alertados pelos habitantes da terra da aproximação de uma tempestade. Podiam ter procurado abrigo, tiveram tempo, oportunidade, meios e informação para isso. Não o fizeram. Ou acharam que as âncoras e a robustez das naus resistiriam à tormenta, ou não quiseram perder presas e saques. Numa palavra, ou foram estúpidos (a bazófia nacional, ao contrário do heroísmo, não esmoreceu por cá, como se vê), ou gananciosos. Vicente Sodré, enquanto comandante da armada, foi incompetente e responsável pela perda de dois navios e de muitas vidas. A mim, pessoalmente, nada disto me suscita especial orgulho, mas isso deve ser cá defeito meu, a juntar à falta de patriotismo. Adiante: o resultado - naufrágio de ambas as naus - está à vista. O irmão de Vicente Sodré, Brás, que comandava a 2ª nau (S. Pedro, também afundada com a Esmeralda), apressou-se a mandar matar os pilotos árabes, aparentemente em vingança pela morte do irmão. Já nessa altura a culpa era sempre dos técnicos e nunca dos líderes, mas pronto: eis o excelente comportamento de um herói, merecedor dos maiores orgulhos, para quem assim achar.

    Bem. Ok. Vá lá, Vicente Sodré e os seus homens tinham defeitos, como todos nós. Eram subalternos que aproveitaram a ausência do patrão para umas farras e a coisa correu mal, ups!, falta de calo, azar, inexperiência, a gente desculpa. Agora se o insigne Vasco da Gama, o tal dos traques aromáticos, estivesse presente, ah caramba, aí a glória tinha escorrido abundantemente, tinha sido uma indigestão de heroicidade. Certo? Hmmm. Se os destiladores de orgulho conhecessem os pormenores da estadia do Gama na Índia, antes do tal regresso, não sei, se calhar tinham que fazer segunda destilação, quiçá mais refinada e discreta. É que a dita estadia (a 2ª na Índia, relembre-se) foi particularmente sanguinária e brutal. Como diz o cronista Gaspar Correia, o almirante regressou à Índia empenhado em, antes de mais, vingar as afrontas que sofrera na primeira viagem e as que padecera Pedro Álvares Cabral. Mais adiante, o mesmo cronista descreve um episódio sintomático. Sintomático de quê? De heroísmo e glória? Eu acrescentaria: claro (e especialmente aromáticos), mas também do espírito ecuménico e de tolerância que o nosso PR tão bem relembrou na sua tomada de posse. Aqui vai: primeiro torturou o embaixador (um brâmane hindu) do Samorim de Calecut para lhe extorquir informações. Depois, e como presente de despedida antes de o devolver ao seu senhor, "mandou cortar os beiços de cima e de baixo [...] e mandou cortar as orelhas a um cão da nau, e as mandou apegar e coser com muitos pontos ao brâmane no lugar das outras".

      Já anteriormente atacara um navio carregado de peregrinos muçulmanos que vinham de Meca (sobretudo mulheres e crianças) para Calecut e recusara todas as ofertas de resgate (as riquezas do navio eram imensas) pelas respetivas vidas. Em vez disso, mandou imobilizá-lo e afundá-lo a tiros de bombarda e, depois, pegar-lhe fogo. As mulheres gritavam e mostravam dinheiro e jóias, pedindo misericórdia para resgatar as suas vidas; "algumas tomavam nos braços os seus filhinhos e os levantavam ao ar, persuadindo-o assim que tivesse piedade daqueles inocentes". O herói Vasco da Gama assistiu a tudo de uma escotilha e manteve a sua postura impassível. Não sou eu quem o diz, é o português Tomé Lopes, que estava a bordo e assistiu a tudo. O mesmo que registou que os eventos tiveram lugar a 3 de outubro de 1502, dia que, como afirma, "hei de recordar todos os dias da minha vida". Eu entendo. Quem assiste a tamanho banho de glória não se esquece e, 500 anos depois, não faz esmorecer o gorgulho a quem o relembra. Orgulho, orgulho, bolas, maldito corretor. Os traques do Gama cheiravam a rosas? Enganei-me, queria dizer cheiram.

     --- J.S.:    Quando os outros fazem as coisas são bárbaros, medievais, mauzões, o que se quiser. Quando somos nós, chamamos-lhe heroísmo. Vamos admitir que os disparates escritos ... são fruto da ignorância. Para sermos bonzinhos. É que se não são fruto da ignorância, então o que estes  comentadores andam a fazer é a apologia do genocídio... Ponto final.



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Sábado, 30.08.14

A  DIREITA  DEIXOU  DE  SER  PATRIÓTICA (1)    (-por J.P.Pereira, Abrupto, 13/7/2014) ...

              A  direita  deixou de ser patriótica  (2)  

     Mesmo falando de Pátria na sua forma mais minimalista – quase só a defesa dos interesses dos portugueses como portugueses e não como cidadãos da Europa, a defesa da comunidade nacional com história, língua e cultura –, provoca uma enorme irritação nos círculos do poder, PSD e CDS e também no PS.
     Este nervoso é, em muitos casos, sentimento de culpa, noutros medo de que uma certa desfaçatez no que se está a fazer não seja aceite pela maioria dos portugueses, se for apresentado sem disfarces, usando os nomes que as coisas têm e falando delas sem as vestes do engano. Querem os portugueses ser uma região da Europa com menos poderes que os länder alemães, com uma política externa, uma política de defesa (Portugal aceitou que aspectos da sua política das Forças Armadas viessem no memorando), e a sua política interna, a começar pelo orçamento e a continuar por uma governação que pouco mais faz do que aplicar “directivas” europeias, seja definida em Bruxelas e em Berlim? Uma parte importante da direita portuguesa que antes enchia o peito com o patriotismo responde sim, nalguns casos por necessidade, noutras por vontade, noutras por serviço.
     Há dois aspectos em que este abandono do patriotismo por parte do actual poder político é muito evidente. Um, é o modo como se actua em relação às Forças Armadas, que é mais um sintoma do que uma causa; outra, a política tão deliberada como dolosa de cedência de soberania a instâncias internacionais em que Portugal não tem nenhuma voz, entra mudo e sai calado, como o primeiro-ministro em muitos Conselhos Europeus.
    Não vou perder tempo com duas questões que aparecem sempre como justificações, mas que não estão no cerne daquilo que quero discutir. Uma, no que concerne às Forças Armadas, é a denúncia do corporativismo dos militares, que os leva a quererem manter privilégios e estatuto, inaceitáveis no actual (des)equilíbrio social. Sim, é verdade, há corporativismo nas Forças Armadas, mas isso não legitima o que o actual poder está a fazer com elas, independentemente daquilo que possam ser resistências corporativas. A outra é a combinação de uma espécie de realismo cínico, que diz que Portugal nunca foi independente nos últimos quatrocentos anos (as datas variam) e por isso é hipocrisia estar agora a achar anormal aquilo que sempre existiu.
     É o argumento de que se Portugal é dependente de facto, por que razão se preocupar por o ser de jure? Até é mais “verdade”, mais transparente que se assuma que os portugueses não mandam nada e que por isso qual é problema que o Parlamento português perca poderes para a Europa? Um subproduto deste raciocínio é que hoje a natureza das nações europeias é partilharem soberania nas instituições da União Europeia, pelo que é um modo de pensar arcaizante, para não dizer antiquado, considerar que as “velhas” ideias de soberania possam ter qualquer papel nos dias de hoje. Seriam, aliás, apenas manifestações de um nacionalismo vulgar e perigoso.
     A questão das Forças Armadas é que, estando como estão e como vão estar daqui a uns anos da mesma política, elas não servem mesmo para nada. Não será difícil então apontá-las a dedo como um peso inútil no orçamento. Já o escrevi e repito: os actuais governantes, a começar pelo ministro da Defesa, fechariam o exército, a marinha e a aviação, amanhã se pudessem e iria o Conselho de Ministros vangloriar-se da grande reforma que fez e do dinheiro que poupou. Mas como não pode fazer isso, estraga.
     O PSD e o PS têm grande responsabilidade no caminho de progressiva destruição das nossas Forças Armadas. Foi por pressão das “jotas”, com relevo para a JSD, que acabou o Serviço Militar Obrigatório, abrindo caminho para umas Forças Armadas profissionais, que eram mais caras e que rapidamente se tornaram a primeira vítima de cortes, sempre que havia necessidade. As Forças Armadas eram e são, para o actual poder, expendable mesmo quando os governantes se passeiam de peito cheio nas paradas e se dizem umas fases muito patrióticas nos discursos.
     No fundo, a questão da Pátria resume-se a uma posição simples: o que não fizermos por nós, ninguém o fará. Podem ajudar-nos, como é suposto ajudarmos os nossos vizinhos, mas o zelo e a dedicação que vem daquele “nós” só nós o temos, ou deveríamos ter. Basta um exemplo. Num falso arroubo de patriotismo, o Governo patrocinou um mapa de Portugal que enchia meio mundo no hemisfério Norte, dominando o Oceano Atlântico a enorme área ocupada pelas ilhas e a sua zona económica exclusiva (ZEE). Portugal seria assim a grande potência do Atlântico Norte, da costa africana junto de Marrocos, passando pelo pequeno enclave das Canárias, até junto da costa americana. E, na verdade, esse é o nosso território, mas a outra verdade é que só a muito custo conseguimos manter responsabilidades internacionais pela busca e salvamento, pela segurança das importantes rotas marítimas que o atravessam, ou proteger os nossos bens. Estamos por um fio no quadro dos mínimos dos mínimos das nossas obrigações. Uma avaria num helicóptero, uma avaria num avião, um problema de tripulação e um salvamento pode não ser feito, já para não falar do controlo eficaz dessa parte de mar que enche o mapa oficial, em termos de segurança, em termos de exploração de recursos, em termos de defesa do nosso património estratégico. Talvez se pudesse vender, como as praias e as ilhas gregas?
     Mas o desprezo pelas Forças Armadas é apenas um sintoma, onde se centra a verdadeira doença, a perda efectiva da Pátria e com ela do autogoverno e da democracia, é no actual curso europeu que está a mudar um projecto comunitário e de coesão, por um império imperfeito, incoerente, desigual e hierárquico, em que Portugal ocupa o downstairs. Serve para passar férias e está em prisão domiciliária por dívida. Portugal é hoje uma província desse império, por submissão dos nossos governantes, que aceitaram tudo o que lhes exigiram e fugiram e fogem de obter legitimação popular e democrática, para a transformação de Portugal numa região falida e com má fama que é necessário governar com mão de ferro, sem dar veleidade aos súbditos de escolherem ou decidirem alguma coisa, dada sua propensão para viver do dinheiro alheio.
     A ideologia desta submissão é múltipla. Há um aspecto de progressismo e de engenharia utópica, modernista e modernaço, e há a vontade de usar um poder exógeno para impor uma tutela endógena a favor de interesses de uma pequena minoria de portuguesas, como diriam os marxistas um “poder de classe”. Comecemos pela primeira: o nosso actual europeísmo não é muito diferente do iberismo do passado. Representa uma ideia progressista, iluminista, cosmopolita, contra os pacóvios das fronteiras. Trará o reino da razão aos ignaros rurais que pensam à dimensão da sua quinta e só se preocupam em manter os marcos no sítio, ou até, aos escondidos, em movê-los um pouco mais para dentro do terreno do vizinho. Para eles, só há ou nacionalismo identitário, ou internacionalismo europeísta.
     A isto se junta a ideia de que quem não tem dinheiro não tem vícios, logo, um país em bancarrota não pode queixar-se dos credores mandarem nele. Coisa aliás que até não é má de todo, porque a pressão externa “impõe” políticas “responsáveis” aos portugueses irresponsáveis, obrigando-os a viver de acordo com as suas necessidades. Quero lá saber da Pátria, dizem alguns, se a troika (com a prestimosa e dedicada ajuda do Governo) está a fazer aquilo que nenhum governante português seria capaz: baixar salários, reformas e pensões, acabar com o Estado como instrumento social, correr com os funcionários públicos, e destruir os direitos do trabalho. O colaboracionismo com o poder de fora faz-se por afinidade ideológica e, claro, com vantagem própria.
     É na direita que estas ideias hoje fazem mais estragos porque encontrou nas posições da troika e dos “protectores” alemães um instrumento precioso para obter ganhos “sociais” em Portugal. Porém, ainda há um pequeno problema, ainda há eleições. Por isso, mesmo que se deixe de falar em Pátria e patriotismo, pode-se sempre colocar a questão em termos democráticos: que sentido tem a democracia portuguesa se os eleitores portugueses vão deixar de poder escolher quase tudo que é decisivo para o seu país e para as suas vidas?


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Quinta-feira, 16.01.14

     Os   patriotas        (-por L.J., ANaturezaDoMal, 12/1/2014)

 . Diane Arbus chamou-lhes Patriots. E eles trazem na lapela  o distintivo do Thanksgiving ou do 4th july e nas mãos o pavilhão das estrelas e das riscas. Não parecem muito dotados, mas a distribuição dos dons é provavelmente semelhante entre os patriotas e os não patriotas.  Devia dizer “menos patriotas”.
    A ideia de patriotismo é tão forte, tão consensual, que é difícil encontrar alguém que dela se exclua.  Os marxistas antigos eram internacionalistas pois, para eles, o colectivo que transportava a superioridade moral era a classe operária. Mas o PCP, mesmo nos tempos da iluminação soviética, sempre teve o cuidado, algumas vezes obsessivo, de reclamar as suas propostas como patrióticas.
    O nacionalismo é a ideologia que declara a nação como a unidade politica “natural”.  (Já estou a ficar farto de tantas aspas, mas isto é matéria para pinças)   Historicamente floresceu com o iluminismo e o romantismo (séc.XIX), paradoxalmente contra a anexação das guerras napoleónicas (finais do séc.XVIII) e depois nos territórios (ou colónias) do Império austro-húngaro reconstruído. 
    Deu origem aos estados-nação com a bandeira , o hino, a língua nacional, o panteão, o dia da nação, as Ordens honoríficas e mais tarde a selecção nacional de futebol. No século XX, a ideologia nacionalista foi aproveitada pelas ditaduras de extermínio.  Esteve na origem das guerras mais letais da história e permitiu o recrutamento dos jovens para uma morte colectiva e programada.
     Na Europa actual, aparentemente sem fronteiras, o Estado-nação, com homogeneidade de história, tradições culturais, língua, não existe.* Mas os demagogos e os políticos ambiciosos estão sempre a aproveitar uma vulgata simplificada da” história da nação” para unificar os interesses diferentes das populações, enquanto prosseguem, silenciosos e opacos, politicas económicas transnacionais.
     O patriotismo e o nacionalismo fazem continuamente apelo a ideias irracionais e contêm subjacente uma ideia falsa : a de que existe, na entidade politica nacional apenas uma história, uma cultura, uma religião, uma língua, uma raça. E atrás dessa ideia falsa, uma ideia mortífera: a nossa é a melhor.
     Danilo Pabe, um rapaz que cresceu na Jugoslávia em decomposição sangrenta e se exilou em Inglaterra, foi recebido como um respeitável foreigner e hoje, 20 anos depois, é um fucking Eastern European immigrant, o que mostra a persistência das ideias xenófobas e racistas, mesmo quando cobertas pelo banho de chocolate da “cultura da tolerância”.
     Eu não sou patriota nem nacionalista nem faço distinções subtis, embora saiba que existam. Interessa-me mais insistir na multiplicidade de culturas, línguas, referências culturais e históricas, religiões, existentes no mesmo território. Como de formas de relacionamento amoroso e de famílias, mas isso, como diria Danilo Pabe, é outra história.   Se alguma vez me virem trair esta declaração, fotografem, por favor, ponham-me na mão uma bandeira e debaixo da foto uma palavra simples, que de algum modo lembre a Diane Arbus.   --La hija del Este, Clara Usón, Seix Barral 2012
 
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          * Sobre  «estado-nação portuguesa de  8 séculos...» :
   1- Portugal tem 3  línguas oficiais: português (galaico-português), mirandês, gestual portuguesa; 
   2- No período medieval/senhorial... não havia «estado» (Luís XIV? dizia: 'o estado sou eu') ou havia vários: clero, nobreza, povo/burgueses; as bandeiras eram as dos soberanos (não dos países/povos); os territórios/países eram propriedade 'privada do soberano' e  espacialmente descontínuos, ... - o estado português actual abrange a organização, serviços, bens e direitos da "Res Pública" em todo o território (e até fora dele, mas também cede 'partes' a outros estados e organizações transnacionais).
   3- Também em Portugal co-existiam várias «nações» :  sem 'nação' distinta (portugueses em geral), «nação judaica ou hebraica» (com autoridades e justiça própria), 'nação ladina' (mescla de 'português', árabe/mouro e judeu - depois 'cristão-novos', os "de sangue infecto", também com 'foro' e direitos diferentes), os forasteiros residentes, os escravos, ... - e para diversas situações os 'portugueses' faziam/fizeram parte da 'nação' ou 'língua' galega, leonesa, castelhana, ibérica, hispania, ...   Agora, em vez de "nações", em Portugal co-existem "comunidades", "cidadanias" e diversos direitos (português, europeu/U.E., internacional), sendo a "nação portuguesa" formada pelos que têm a cidadania portuguesa (de nascimento ou adquirida depois), o conjunto da sociedade ou "res pública" portuguesa.
  4- Actualmente, com fronteiras diluídas, somos cidadãos da U.E., com muitos falantes de inglês (como 2ª), com maioria de bens e programas culturais importados/forasteiros (principalmente anglo-saxónicos, até à década de 1970 éramos mais francófonos), e temos o 2º maior aglomerado português situado em Paris, ...
   5- Fenómeno interessante:   em Portugal somos fortemente críticos (e maldizentes) de tudo o que é português/nacional (com fortes razões nalguns casos...), não ligamos 'nada' à bandeira ou ao hino (excepto nos mundiais, confrontados com equipas de outros países), ... mas, no estrangeiro (especialmente na situação de migrantes), estes e outros elementos culturais dizem-nos muito, mexem com o nosso sentimento, devido às saudades, ao afastamento de parentes, amigos, língua, gastronomia, cultura em que crescemos/vivemos ... - aí, 'tudo perdoamos' aos da terrinha e dificilmente admitimos críticas vindos de outros 'nacionais'.     Isto acontece também com outros povos, principalmente entre os latinos, e especialmente entre aqueles mais mal tratados pelos seus (des)governantes ... que os empurraram para o desterro/emigração e os 'condicionaram' ou impediram de ser cidadãos de pleno direito.
 
      Declaração de interesses:
A minha Língua (...) é a minha mátria; Não gosto dos usos/abusos de Nação e de Pátria, prefiro Mátria e desejo Frátria no planeta Terra.  Ou, como dizia o honorável helénico clássico:  "não sou ateniense nem grego, mas cidadão do mundo".


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