Sexta-feira, 16.12.16

--- Conflito no horizonte ?  (-por A.Brandão Guedes, 13/12/2016, bestrabalho)

     Passo a passo o governo PS, apoiado pelos partidos da esquerda, vai governando, assinalando  inclusive alguns êxitos internos e externos e desminando algum terreno deixado pela dupla inolvidável e de má memória Passos/Portas.  0 atual governo não é verdadeiramente amado por ninguém e é odiado por muitos. É mais uma das suas carateristicas! Não é um governo com um programa virado para o futuro, com acordos substanciais, mas sim um governo de contenção das políticas de privatização dos serviços públicos e da desregulação laboral, bem como da erosão galopante dos direitos laborais e sociais.
       Creio todavia que a principal fratura  no seio da maioria que se vislumbra no horizonte não é tanto o problema da dívida, do déficit ou do projeto europeu. É antes a questão da reversão das medidas troikistas do Código do Trabalho que embarateceram o trabalho suplementar e noturno, tornaram irrisórias as indemnizações por despedimento,obrigaram à caducidade das convenções coletivas, retiraram força ao tratamento mais favorável do trabalhador e deram força à empresa na gestão dos horários de trabalho com os famosos «bancos de horas».
      Perante esta 'castanha' o hábil ministro do trabalho lançou a ideia de um novo livro verde sobre o mercado de trabalho e as relações laborais!   0 debate a realizar pela sociedade e na concertação social vai protelando por alguns meses, ou anos, a tomada de decisões.  É um ponto muito sensível no seio do PS como já está historicamente demonstrado.      Uma fação do PS quer aproveitar as medidas troikistas para liberalizar as relações de trabalho, reforçando o poder das empresas e a acumulação capitalista em nome da competitividade, e uma outra fação mais sindicalista e de esquerda que pretende reverter, se não todas, pelo menos algumas dessas medidas!
     Esta situação irá a prazo azedar as relações do PS com o PCP e o BE que no seu eleitorado estão muitos dos militantes sociais e sindicais de luta contra as alterações à legislação laboral e contra a precariedade. O  PS (neo)liberal e do empreedorismo não se rala muito, bem pelo contrário, com o aumento do salário mínimo e pretende beneficiar a iniciativa privada com a flexibilização das relações laborais. O contexto é o ideal para  os empresários que continuam a usufruir da pouca conflitualidade social nas empresas e serviços públicos e das medidas laborais impostas pela Troika, plasmado em grande parte no último acordo na concertação social que as legitimou em larga medida com a assinatura da UGT.
     Porém a situação não pode ser mantida eternamente. 0s trabalhadores e suas organizações querem partilhar justamente dos ganhos económicos e da paz social. É necessário gerir o conflito que se avizinha mas com sabedoria. E a sabedoria diz-nos que o bom e o mau devem ser partilhados por todos ...e nunca apenas partilhar o bom por alguns! Basta ver quem mais ganhou com a crise financeira e quem mais perdeu!
 
-----  Os  Jovens  e o  Sindicalismo !   (A.B.Guedes, 22/11/2016, bestrabalho)
 
 Num recente seminário internacional sobre o desemprego juvenil os participantes interrogavam-se sobre as  razões da ausência dos jovens na vida sindical.   Presente estava inclusive um dirigente jovem da CES-Confederação Europeia de Sindicatos e vários jovens da Plataforma Jovem do Centro Europeu para os Assuntos dos Trabalhadores- EZA.
     Não é fácil responder a esta questão!  Mas creio que os sindicalistas continuam a não dar a necessária importância a esta matéria. Creio que alguns olham paternalmente para os jovens e esperam que estes os copiem nos ideais e nas formas de trabalhar. É uma tentação fácil!  Esquecem que as novas gerações são muito mais habilitadas e autónomas, não gostam das formas hierárquicas e burocráticas de trabalho e preferem redes simples de trabalho, sem grandes responsabilidades que impliquem empenhamentos para a vida!  Em geral não gostam do profissionalismo e partidarização  sindical. Com exceção, claro, dos jovens que querem fazer carreira partidária.
      Por outro lado, as escolas e os «media» enaltecem o empreendorismo e o voluntariado e  esquecem ou hostilizam o sindicalismoEm quantas escolas se fala de sindicalismo? E quando se fala o que é que se diz ?  Inclusive nas escolas profissionais fala-se de sindicalismo com naturalidade ? Não !
     0ra esta realidade, particularmente aguda em Portugal, não favorece o envolvimento de mais jovens no sindicalismo, nomeadamente no local de trabalho!  Claro que temos o aumento (do desemprego e) da precariedade que afeta muito especialmente os jovens trabalhadores!  Esta realidade não ajuda!  Mas, o mais grave é a  existência de uma cultura anti-sindical, uma cultura individualista e não solidária!
      Como explicação não podemos também ignorar que a emergência do sindicalismo livre em Portugal surgiu com uma Revolução e foi um dos seus principais motores!  0 sindicalismo foi essencial para as transformações sociais e económicas do Portugal de Abril!  Esse foi o seu ADN e, como tal, imperdoável para as classes patronais e dominantes. Mas é com estes constrangimentos que temos que trabalhar, apoiando e abrindo espaços para que os jovens se organizem e tomem nas suas mãos as suas organizações!

------- As palavras são importantes  (trabalhador vs colaborador)

«Por alguma razão as relações laborais são reguladas pelo Código do Trabalho, não pelo Código da Colaboração.
Por alguma razão na Constituição da República Portuguesa o seu artigo 58 fala em Direito ao Trabalho e não em Direito à Colaboração.
Por alguma razão o feriado do 1º de Maio que celebra as conquistas laborais se chama Dia do Trabalhador e não Dia do Colaborador.
Parece-me cada vez mais claro que a utilização do termo colaborador em vez de Trabalhador serve, por vezes sem que quem o utiliza se dê conta, para mascarar a existência de classes sociais dentro de uma empresa ou organismo do Estado. Vai na linha da utilização da expressão, Entidade Empregadora, que tenta reduzir unicamente ao positivo a verdadeira expressão, Entidade Patronal.
Um trabalhador vende a sua força de trabalho tem, como os seus patrões, direitos e deveres. Um colaborador não vende necessariamente a sua força de trabalho e não tem nada na lei que regule a sua colaboração.
Bom dia de trabalho para todos.» --Pedro Mendonça, Pensamentos avulsos sobre Colaborador Vs Trabalhador   (via N.Serra, 19/12/2016, Ladrões de b.) ----------



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Quinta-feira, 01.12.16

Rackets! (gangues, bandos) – parte I

Não é fácil resistir ao encanto das gangues, sejam as religiosas ou as políticas. (-por F. Palinorc., abril de 2001, traduzido por ZEROWORKER, 20/11/2016, PassaPalavra).

era5.era6. Tal como as classes, as gangues são produtos da dominação. Elas provavelmente surgiram quando sacerdotes, chefes militares ou patriarcas de clãs conspiraram contra outros humanos de suas próprias comunidades ou das vizinhas. Pilhagem, guerra e escravidão dissolveram as comunidades primitivas, e as gangues foram formadas nesse processo violento. As relações mercantis, o surgimento da divisão do trabalho, as classes e o Estado modificaram fundamentalmente as gangues, mas não é essa evolução que podemos discutir agora. O que nos preocupa é a existência e persistência das gangues na modernidade, na sociedade capitalista. Falaremos de gangues no sentido político, em especial nas organizações marxistas.

Nos dias de hoje se tornou costume definir a gangue estritamente como uma organização ilegal formada para o lucro, usando extorsão, proteção e fraude. Esta definição jurídica se origina dos Estados, que criminalizam rivais menores. Em casos específicos, como os cartéis de drogas, as gangues podem ganhar grandes proporções, com influência nefastas, impregnando o tecido dos leviatãs (Leviatã = monstro mitológico; governo central e autoritário, que concentraria todo o poder em torno de si, e ordenando todas as decisões da sociedade). Não há nada mais “normal” do que uma gangue.

O que impede que as gangues estatais (i.e, os países/estados/governos) se exterminem umas às outras é a consciência de que a coesão e o autocontrole asseguram sobrevivência mútua. Abaixo delas, há a massa da humanidade aprisionada pela exploração e pelas fronteiras nacionais. As gangues dominantes aprenderam a negociar e tolerar umas as outras, coexistindo no Estado. O papel da mediação nacional altera a sua função, passando da pilhagem privada para a administração em larga escala e acesso burocrático (e legal) ao tesouro nacional. Dessa forma, os políticos e (altos) funcionários modernos compram para si pedigree nacional, legitimidade e rendas. As classes dominantes as excretam constantemente, e numa democracia essa tendência é generalizada na sociedade civil. A fragmentação da sociedade mercantil, e a consequente “guerra de todos contra todos”, cria um solo fértil para as gangues. Enquanto o Leviatã não é perturbado nem minado por isso, as gangues são toleradas mesmo se legalmente proscritas.

As gangues políticas (partidárias) são corpos informais de especialistas, geralmente legais e aspirando à dominação estatal. Porém, seu tamanho reduzido força-as a uma existência instável e precária. No máximo, elas se tornam grupos de pressão para partidos que foram além do estágio de gangue. Quanto maior a gangue, mais ela se aproxima de um partido, que contém algumas gangues chamadas tendências ou facções. Apenas eventos mundiais e nacionais extraordinários propelem as gangues a se tornarem partidos de massa e até atingir o poder estatal. Mas esses momentos são raros e distanciados no tempo. A maioria das gangues tem uma existência relativamente curta. Outras funcionam durante anos como câmaras de tortura para seus membros.

Falta às gangues um significativo e visível sistema de justificação ideológica. O que elas são, elas escondem, sob muitas camadas. Leviatãs têm uma longa lista de ideologias, de Platão a Hobbes, Locke, Jefferson, Hegel e mesmo Schmitt. Tanto quanto se sabe, as gangues não têm tais apologetas. Há muitas doutrinas justificando Leviatãs, mas as gangues carecem desse escudo. Sua função real de dominação é uma incógnita.

Embora as gangues políticas raramente atinjam seu objetivo de poder estatal, sua organização interna imita as funções do Estado. Os membros da gangue são seu proletariado, e seus líderes constituem um tipo de mini-Estado portátil. As gangues são essencialmente conservadoras, independentemente de algumas delas, como a marxista e anarquista, declamarem mensagens radicais ou emancipatórias.

Mas, geralmente, entrar numa gangue é estimulante no início, quando o recruta é convencido de que sua participação vai mudar a história e que ele está entrando numa aventura coletiva para auxiliar a humanidade. Ele também se sente incluído numa comunidade heroica de companheiros com ideias semelhantes. Entrar numa gangue tem sua dimensão libidinal oculta, o que explica o enorme apego e fanatismo de seus membros. No início, um recruta não tem consciência de que será persuadido a perder a maior parte de sua individualidade e tempo livre, e que a falsa comunidade da gangue vai apenas acentuar sua alienação.

É útil citar alguns escritores e críticos que tentaram analisar o fenômeno da gangue.

Maquiavel (1469-1527) temia as gangues porque via nelas a dissolução do Estado virtuoso. O seu “O Príncipe” é a descrição de um Estado renascentista ideal. Maquiavel não descreve as gangues com detalhe, mas elas estão sempre presentes nas entrelinhas. A paranoia de “O Príncipe” parte da preocupação constante de Maquiavel de que, a menos que um Príncipe virtuoso consolide o Estado, esta máquina será devorada por facções sem princípio e cruéis por si só, ao invés do “bem comum”. Maquiavel entendia bem de gangues, estudou de perto como os Estados do Renascimento surgiram delas. Ele advogava domar o espírito de gangue, esperando que “o país” se beneficiasse do domínio de príncipes virtuosos. De modo utópico, Maquiavel pensava que a ambição autodestrutiva das gangues poderia ser contida e neutralizada pelo Estado moderno.

Ele prevenia os príncipes: “[…] a pessoa que introduzir esta nova forma [de governo virtuoso] faz inimigos entre todos os que se beneficiavam sob a velha forma […]”. O único modo de derrotar esse perigo é que o príncipe use a força: “[…] todos os profetas armados são vitoriosos e os desarmados, destruídos. […] o povo é por natureza inconstante. É fácil persuadi-lo de algo, mas difícil mantê-lo nessa convicção. É por isso que é válido se organizar de tal modo que, quando o povo não mais acredita, pode-se fazê-los acreditar pela força”[1]. No uso variável das estratégias de persuasão e terror contra a sociedade civil, a diferença entre gangues e leviatãs é apenas de escala. Maquiavel era cego para a realidade de que gangues e Estados operam em uníssono e compartilham uma sinergia básica, devido ao fato de que ambos dependem da dominação.

Um crítico notório é Etienne de La Boétie (1530-1563). Em seu “Discurso da Servidão Voluntária”, ele não estava preocupado em aconselhar príncipes, mas repreender a predisposição da humanidade à “servidão voluntária”. De acordo com La Boétie, essa servidão é o que mantém os príncipes no poder. Apesar dessa moralização circular, ele teve um insight profundo sobre a natureza das gangues:     " Quem quer que pense que alabardas, guardas, atalaias, servem para proteger e blindar os tiranos está, no meu julgamento, completamente errado. […] Não são as tropas de cavalaria, não são as infantarias, não são as armas que defendem o tirano."

Ele então explica que, se seis gangsters nos quais o tirano confia recrutam 600 adeptos, ele, por seu turno, tem 6.000 atrás de si. “A consequência de tudo isso é realmente fatal” observa La Boétie, apontando que os tiranos com frequência destruíram seus próprios seguidores servis. “[…] quem se dispor a seguir o fio da meada observará que não são 6.000, mas 100.000, e mesmo milhões, que aderem ao tirano por essa corda à qual estão amarrados”[2]. Essa é a verdadeira fortaleza da tirania: a fragmentação da sociedade em cúmplices servis do poder e de chefes de gangues. La Boétie pensava que uma tirania tem quase tantas pessoas corrompidas por ela quantos aqueles a quem a liberdade parecia desejável. Aqui a sociedade parece subsumida nas gangues, possivelmente porque no século XVI, a sociedade civil era relativamente indiferenciada em termos de estrutura de classes.

Georg Simmel (1858-1918) escreveu copiosamente sobre grupos e sociedades secretas. Ele captou bem a sinergia persecutória entre Leviatã e gangue: “a sociedade secreta é considerada tão inimiga do poder central que, mesmo inversamente, cada grupo politicamente rejeitado é chamado de sociedade secreta”[3]. Grupos secretos e gangues existem por causa da carência de subjetividade individual e de autonomia decorrentes da divisão do trabalho. Os indivíduos tentam compensar essa carência entrando voluntariamente em comunidades onde há aparência de individualidade, pelo mero fato de não ser mainstream (parte da corrente principal, dominante, na moda). Simmel é um dos escritores mais importantes a tratar das gangues, e seus escritos sobre grupos, subordinação e dominação são profundamente pertinentes.

Max Weber (1864-1920) escreveu sobre burocracia, castas, seitas, racionalidade, carisma, poder e autoridade, lançando luz sobre as gangues. Em seus escritos, Weber apoia a “racionalidade” capitalista contra formas subdesenvolvidas de dominação pré-capitalista. Ele foi um leal e consistente apologeta de leviatãs, e, como Simmel, se tornou um fervoroso patriota alemão na primeira guerra mundial.

T.W. Adorno (1903-1969), como Max Horkheimer e Herbert Marcuse, da escola de Frankfurt, analisaram como os indivíduos foram danificados sob uma sociedade crescentemente administrada. Porém, os escritos publicados em inglês de Adorno sobre gangues (rackets, ele usava o termo) parecem dispersos e inacabados. De acordo com Rolf Wiggerhaus, a teoria das gangues desenvolvida por Horkheimer e Adorno permaneceu um “torso inacabado”. É uma pena. Porém, em muito da densa prosa de Adorno, podemos capturar pepitas como: “Alguém que quer mudar o mundo não deve de maneira nenhuma acabar no pântano das pequenas gangues em que videntes definham com sectários políticos, utópicos e anarquistas”[4]. Você foi avisado.

Em Adorno, as gangues parecem ser principalmente criminosas (as econômicas), e o modo como as gangues especificamente políticas operam não é claramente abordado. Porém, muitos insights sobre gangues em “Minima Moralia” são mini-concentrados, ricos em significados.

O assim chamado situacionismo, em especial Guy Debord, contribuiu enormemente a uma crítica das gangues. Em “A Sociedade do Espetáculo”, de Debord, há insights contundentes sobre a aterrorizante perda de individualidade mediante as separações na sociedade capitalista. Em Debord encontram-se temas profundamente elaborados sobre a alienação, inspirados em textos de Marx, Adorno e provavelmente Simmel. No entanto, o grupelho em torno de Debord parece ter se engajado em muitas atividades de gangue, incluindo megalomania de grupo e as usuais expulsões de tipo esquerdista.

De Fredy Perlman, “As Dez Teses sobre a Proliferação de Egocratas” foi influenciada pelo situacionismo e pelo jovem Baudrillard. Suas teses são concisas e não fazem concessões às “organizações militantes”, isto é, gangues, inclusive situacionistas.

Jacques Camatte escreveu extensivamente sobre a base social (ou a-social!) das gangues. Suas visões sobre gangues podem ser encontradas concentradas na longa carta-ensaio “Sobre Organização” (1969). É uma exposição devastadora das gangues, e é superior à abordagem de Adorno, na medida em que Camatte disseca as gangues políticas (principalmente esquerdistas e de ultraesquerda) de um modo abrangente e extenso, ligando-as à total dominação do capital.

     O bolchevismo, como o marxismo em geral, tem pouco entendimento das gangues. O próprio bolchevismo surgiu como uma gangue política, e subiu ao poder estatal depois de se tornar um partido temperado nas mobilizações de massa contra o regime czarista. Isso lhe deu o “direito de nascença” para mais tarde desmoralizar e esmagar o proletariado e o campesinato insurgente. Talvez por isso os teóricos bolcheviques mais famosos, como Bukharin, Rakovsky e Trotsky, tenham sido incapazes de autocrítica quando enfrentaram o desdobramento do stalinismo. Nenhum deles podia aceitar que o bolchevismo tivesse dado via livre para um Estado capitalista fortalecido na Rússia, com um estrato totalitário que foi efetivamente uma classe dominante estatal. Rakovsky chegou próximo de admiti-lo, mas recuou desta conclusão.

Podemos dizer que as gangues políticas modernas têm estas características gerais:

– Elas giram em torno de um guru, um líder carismático (Weber) ou “egocrata” (Perlman). O guru é geralmente homem, embora também se conheça gangues dirigidas por mulheres;

– O guru estimula e controla uma hierarquia centralizada e despótica. Ele confia numa facção interna de conspiradores, que trama permanentemente contra os membros da gangue. Nenhuma gangue é regida por consenso ou por métodos participativos transparentes;

– As gangues têm uma plataforma política ou programa, usualmente de tipo messiânico. Uma das tarefas do guru é herdar, ou traçar, e manter essa plataforma. As gangues tentam influenciar o mundo à sua volta publicando regularmente (ou mantendo um website). Para eles, influenciar outros significa recrutar, e não contribuir para uma clarificação em andamento da consciência;

– As gangues recrutam indivíduos que voluntariamente entram e são sistematicamente persuadidos da infalibilidade do guru. Uma vez recrutado, o objetivo da gangue é alienar os indivíduos ainda mais, fazendo-os cortar muitos de seus elos com a sociedade. Isso não é uma conspiração consciente, mas um processo em que recrutador e recrutado iludem a si mesmos e uns aos outros. O primeiro, pela negação do que acontece na gangue, e o segundo, pela suspensão do pensamento crítico;

– As gangues aspiram tornarem-se permanentes, mas são constantemente interrompidas pela dissenção interna, dissidências e competição de gangues rivais. As divergências políticas são raramente tratadas – elas são substituídas pelo faccionalismo pessoal e pela competição por posições e hierarquia. Daí o uso generalizado de bodes expiatórios e ataques ad hominem [N. do R.: ataques “contra a pessoa”, no sentido de que se contrapõe certo argumento por meio do pôr em descrédito quem o disse];

– Paradoxalmente, a sobrevivência das gangues depende do faccionalismo interno e de inimigos externos. O clima de paranoia e busca de bodes expiatórios fortalece o controle do guru. Ele é reforçado por expurgos recorrentes. Novos rivais, formados frequentemente por membros expulsos, concentram os instintos de sobrevivência da gangue, criando paroxismos de ódio e estimulando uma mentalidade de estado de sítio. Essas “crises” centrípetas e centrífugas, ambas cuidadosamente encenadas, ajudam na sobrevivência das gangues;

– As gangues mais venenosas tentam se organizar de modo militar. Isso as ilegaliza e coloca-as em confronto direto com o Leviatã. Essa tendência esvazia de membros femininos e aumenta enormemente a disfunção dos militantes. Tais gangues tendem a existir mais nas periferias do sistema, onde leviatãs são fracos e dependem principalmente do terror direto para sobreviver. Esse método de domínio desata uma guerra indiscriminada entre leviatãs e gangues opostas, em que o terror e o extermínio são os únicos métodos para afirmar a dominação;

         Mas de onde os membros das gangues saem? No renascimento e na época do iluminismo, a crescente divisão capitalista do trabalho liberou camadas de profissionais e de gente culta, não mais beneficiários da igreja e do patronato real.

Alguns membros dessas camadas foram empregados como funcionários estatais. Vários permaneceram desempregados, ou subempregados. Essas camadas “flutuantes” são a principal base social das gangues políticas. Historicamente, elas aspiravam a:

– influenciar a política do Estado;

– ser empregadas pelo Estado;

– conquistar o Estado para governá-lo de acordo com sua ideologia e doutrina. O Estado não era mais um atributo da realeza, mas d”O Povo”. Devido à tendência de capitalismo de Estado, o próprio Estado se tornou uma unidade de capital extremamente cobiçada. Sua capacidade como coletor de impostos, administrador do orçamento e do banco nacional, além das empresas estatais, fizeram dele um conglomerado capitalista ideal. Gangues de todos os credos se formaram para atingir o status de partidos, passo necessário para alcançar o poder estatal e chegar aos cofres do Estado.

O poder estatal é o objetivo final das gangues políticas. Trotsky pensava nisso quando disse que “toda tendência política séria aspira à conquista do poder [do Estado]” [5].

O sociólogo italiano liberal Gaetano Mosca (aprovado depois pelos fascistas) observou que “a ideia de que cada indivíduo separado deve ter uma parte igual no exercício da soberania só poderia ter surgido depois que o absolutismo burocrático quebrou todos os velhos grupos e destruiu todos os poderes soberanos intermediários entre o Estado e o indivíduo” [6]. Essa concepção de indivíduos soberanos e iguais está no coração da política burguesa, e é ligada a uma sociedade de produção mercantil generalizada.

Desde o início, o capitalismo necessitou de muitos desses indivíduos separados e educados. O desenvolvimento científico e tecnológico do sistema requereu um vasto número de especialistas. Max Nomad, o discípulo de Waclaw Machajski [ele próprio um crítico das gangues marxistas], tinha a dizer sobre isso o seguinte:

Apertado entre os capitalistas e os trabalhadores manuais emergiu um estrato sempre crescente de neo-burgueses ou não-ainda-tão-burgueses engajados em ocupações intelectuais ou quase intelectuais. “Trabalhadores intelectuais”, “empregados privilegiados do capital”, “nova classe média” – estes são os vários termos usados indistintamente para essa maravilhosa variedade de pessoas: titulares de cargos, professores, profissionais, técnicos, clérigos, especialistas comerciais e financeiros, jornalistas, escritores, artistas, políticos, revolucionários profissionais e agitadores, organizadores sindicais e assim por diante. Em resumo, uma vasta multidão de pessoas educadas e semieducadas, todas elas “sem propriedades”, que podem ou não ter formação universitária, mas que conseguem sobreviver sem recorrer ao trabalho manual ou ao trabalho inferior de escritório.

Mas estes tinham uma perspectiva principalmente conservadora, não desejando perturbar a paz social e arriscar suas próprias rendas privilegiadas. Contra esses apoiadores do status quo, se arregimentam os “[…] ‘de fora’, os jornalistas desempregados ou mal pagos, conferencistas, universitários graduados e subgraduados, ‘advogados sem clientes e doutores sem pacientes’ [Marx], ex-trabalhadores educados em busca de cargos de colarinho branco – em suma, todo esse diversificado exército de intelectuais sem dinheiro e esfomeados, que estão insatisfeitos com o sistema atual e são com frequência ativos militantemente em vários movimentos radicais ou fascistas. São os membros desse grupo que tem a ambição de eliminar a classe capitalista dos consumidores parasitas e de estabelecer seu próprio domínio em um sistema baseado no controle governamental ou propriedade das indústrias, e numa distribuição de renda desigual[7].

Não é preciso aceitar a amarga descrição conspiratória de Nomad para concordar de modo geral com a sua definição. Esses indivíduos atomizados forneceram a base para as gangues políticas e seus gurus.

No fim do século XIX, o marxismo se tornou a ideologia da facção mais extrema e sistematicamente radical de políticos especialistas. Após constantes derrotas e massacres, o proletariado aprendeu a ser cauteloso com pequeno-burgueses radicais (1830-1848 na França e na Europa central). Outros ideólogos substituíram essas gangues recuperadas. Nesses países, partidos marxistas e anarquistas e sindicatos conseguiram se implantar numa minoria do proletariado. Em 1914, a maioria dessas organizações apoiou seus beligerantes Estados em guerra na Primeira Guerra Mundial. Elas fizeram o mesmo no segundo mundo, quando o stalinismo provou conclusivamente que a revolução de outubro havia terminado numa catastrófica contrarrevolução.

Essas derrotas históricas confirmaram que o proletariado não precisa de partidos políticos. Sua emancipação pode se tornar uma realidade através de uma superação mundial e coordenada do valor e pela dissolução da propriedade privada (inclusive estatal). As necessidades do proletariado contradizem a existência de classes sociais e de toda dominação política. Falar que o proletariado precisa de “partidos revolucionários” contradiz a natureza dessa classe, que é fadada a se dissolver na emancipação comunista da sociedade. A existência de gangues, que falam em nome do proletariado, é assim um resquício retrógrado de um período de derrota histórica e de ilusão em massa.

Em “A Revolução Socialista”, Kautsky observou: “quanto menor o número de indivíduos que tomam parte em dado movimento social, menos esse movimento aparece como um movimento de massa – então menos o geral e o necessário são evidentes para eles, e mais o acaso e o pessoal predominam”. Kautsky estava se referindo a seitas socialistas, sem suspeitar que esse fenômeno, onde o “acaso e o pessoal predominam”, se tornaria comum na sociedade uma vez que a atomização se generalizasse. Indivíduos descontentes são mais atraídos para as gangues, não para grandes corporações leviatânicas como partidos, igrejas oficiais e sindicatos.

A forma partido político é a forma ideal da classe dominante capitalista. As classes dominantes atuais têm uma ala política – isto é, partidos, porque é preciso apenas uma minoria de especialistas para governar para essas classes (um produto da divisão do trabalho). Presumir isto também para o proletariado é algo que se baseia numa falsa analogia. Ou seja, que uma minoria do proletariado possa também representar toda a classe, como acontece com a classe capitalista. Na classe explorada e comunista, qualquer partido que clama representá-la se torna um estrato estranho sobre ela, atado à sociedade dominante. Essa justificação não é um erro “substituísta”, mas uma expressão das necessidades da exploração.

Algumas vezes a necessidade de um partido é justificada pela “heterogeneidade” da consciência de classe no proletariado. Isso é ilusório, porque a fragmentação social do proletariado e, portanto, suas várias falsas visões sob o capitalismo, não pode ser resolvida por uma minoria permanente de especialistas. Essa justificação leninista pretende que a divisão do trabalho do capitalismo, que produziu a heterogeneidade, tenha algum potencial emancipatório. Porém, a fragmentação só pode ser reduzida e finalmente resolvida pelas lutas explícitas e expansivas pelo comunismo. Apenas elas permitirão a participação ativa mais abrangente não só dentro do proletariado, mas também de toda humanidade indo além do valor e do Leviatã.

Mesmo se concordássemos que a fragmentação proletária produz uma especializada consciência “teórico-prática” numa minoria, disso não decorre que essa minoria é uma “vanguarda política”. Pelo contrário, a experiência histórica confirma que essas “vanguardas” são gangues por causa de sua estrutura militarizada, práticas de culto, fragmentação e isolamento frente ao proletariado como um todo. Sua ideologia permite ao capital recuperar essas gangues tão logo se formam. A ideia de que essas gangues expressam os pensamentos e necessidades da classe trabalhadora é um clichê de onipotência, ocultando os apetites destrutivos que existem dentro destas gangues. Com um instinto refinado, elas farejam no proletariado sua bucha de canhão para banhos de sangue apocalípticos (tomadas da Bastilha ou do Palácio de Inverno).

Se a ideia de partido proletário for aceita, também será aceita a ideia de que ele será o partido estatal dominante. O leninismo sempre foi uma ideologia leviatânica.

       (Continua… nas partes II e III )

As imagens no artigo foram retiradas do filme “Once Upon a Time in America” (1984), de Sergio Leone

Notas:
[1] The Prince and other Political Writings. London: Everyman, 1998, 55-56.
[2] De La Boétie, Etienne, The Politics of Obedience, The Discourse of Voluntary Servitude. Montréal: Black Rose Books, 1997, 78.
[3] Simmel, Georg. The Sociology of Georg Simmel. New York: The Free Press, 1964, 376.
[4] Horkheimer, Max & Adorno TW. Dialectics of Enlightenment. New York: The Seabury Press, 1972, 254.
[5] Trotsky, Leon. ‘Terrorism and the Stalinist Régime in the Soviet Union’ (from The Case of Leon Trotsky). New York: The Pathfinder Press. 1974. 16.
[6] Mosca, Gaetano. The Ruling Class. New York: McGraw-Hill, 1965, 381.
[7] Nomad, Max. Masters Old and New. Edmonton: Black Cat Press, 1979, 1-2.

Acompanhe a série

Rackets! (gangues, bandos) – parte I;   Rackets! (gangues, bandos) – IIRackets! (gangues, bandos) – III.



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Terça-feira, 15.11.16

---- Where the Democrats Go From Here.      (via Entre as brumas...)

«I am saddened, but not surprised, by the outcome. It is no shock to me that millions of people who voted for Mr. Trump did so because they are sick and tired of the economic, political and media status quo.» --Bernie Sanders (Dem., USA)

 ----  O sistema por outros meios

  Daniel Oliveira, no Expresso de 12.11.2016. (via Entre as brumas...)
---- A seta da história, o progresso, a Tina e Trump
 José Pacheco Pereira, no Público de hoje (via Entre as brumas...)
«No debate à volta de Trump há uma contínua recorrência de um argumento que vai de uma interpretação da história para a política e que curiosamente é usado quer à esquerda, quer à direita. Esse argumento pode ser enunciado da seguinte forma simples: “não se pode voltar para trás”, na história há o “velho” e o “novo” e a tentativa de manter o “velho” contra o “novo” é inútil e reaccionária, a história “anda sempre para a frente”. Quando se traduz esse argumento nas várias partes em que é usado, encontramos diversas variantes que vão do pregressismo comteano à esquerda ao “não há alternativa” (Tina) à direita, tendo todos em comum a ideia de que na história há uma seta do tempo que define um “progresso”, e que, a partir dela, se pode definir e classificar determinados eventos como indo no sentido da história e outros não. (…)
     É interessante verificar como a eleição de Trump nas suas interpretações é vista à luz desta teoria da história. Nesse sentido, repetem-se muitos argumentos do "Brexit", muita discussão sobre a globalização, muita da transposição social e política daquilo que se entendem ser os efeitos das novas tecnologias, muito do deslumbramento psicológico com as “redes sociais”, os “mundos virtuais”, etc., etc. (…)
    O anátema do “velho” é hoje um instrumento do conflito social usado como classificação para homens como Jeremy Corbin ou Bernie Sanders que são o “velho Labour” ou o “velho socialismo dos anos 60”, para os jornais em papel que estão caducos, porque ler em papel está “ultrapassado” por “ler” nos telemóveis, para justificar a desregulação, a Uber, o fim da privacidade, o trabalho precário, tudo aquilo a que nos temos de “habituar”, porque é o “mundo novo” que as “novas” tecnologias e globalização trazem inevitavelmente, tornando “ultrapassado” as soberanias, o proteccionismo, as nações, e por aí adiante. (…) Foi do “caixote do lixo da história” que se levantaram muitos milhões de eleitores de Trump, dos campos ignorados pela nossa ideia da América, das cidades industriais póstumas, de uma coorte de pessoas a quem a crise financeira tirou as casas e os rendimentos e as fez passar de uma vida que lhes parecia mais digna para outra muito menos digna. (…)
    A vontade de mudar, o elemento mais decisivo nestas eleições, foi parar às piores das mãos, mas foram as únicas que lhes apareceram. Quando Bernie Sanders, outro “antiquado”, cuja candidatura “falava” para estas mesmas pessoas, foi afastado – conhece-se hoje o papel de um conjunto de manobras dos amigos de Hillary Clinton no Partido Democrático –, ficou apenas Trump. E, como já disse, não tenho a mínima simpatia por Trump, a mínima. Mas tenho uma imensa simpatia pela vontade de mudar, que tanta falta faz nos dias de hoje nas democracias esgotadas na América e na Europa.»


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Quinta-feira, 27.10.16

Eleições no Labour-II. Viragem à esquerda.   (A recente vitória de Corbyn nas eleições internas (do 'Labour' / Partido Trabalhista / social-democrata, do R.U.) promovidas pelo partido parlamentar - o conjunto dos 'seus' deputados, que questionaram a liderança de Corbyn e que a  tentaram sabotar de forma mais ou menos descarada - assumiu-se, contrariamente ao que a generalidade dos analistas esperavam, como um momento de reforço da sua liderança. Terminou recentemente a reconfiguração do Gabinete Sombra, e Corbyn aproveitou para deixar claro que os tempos das falsas unidades acabou. A demissão da anterior "chief Whip" - alguém que assume um lugar de direcção no grupo parlamentar de forma a manter a disciplina de voto e a mobilização dos deputados para os debates mais importantes - e a sua substituição por um aliado, foi um sinal. A escolha dos elementos que integram o Governo Sombra, deixou claro que Corbyn  escolheu os seus apoiantes para ocupar os lugares politicamente mais importantes. A liderança de Corbyn é, depois da sua estrondosa vitória, inquestionável. A remodelação do Gabinete Sombra é a prova disso como escreveu Rafael Behr no Guardian.
Na convenção que se seguiu às eleições internas, Corbyn tinha anunciado, ele ou os seus apoiantes mais próximos, como John MacDonnell,  um conjunto de medidas que estão em rota de colisão com as regras até agora dominantes na sociedade inglesa e por toda a Europa. O aumento do salário mínimo  é apenas uma delas. mas simbolicamente importante. Owen Jones, já tinha reconhecido que a nova proposta económica do Labour é uma verdadeira alternativa, e oferece uma real possibilidade de ser eficaz eleitoralmente.
Esta proposta politica não pode ser considerada vaga ou pouco substancial. Ela apresenta medidas concretas, importantes,  que representam um corte com o paradigma  neoliberal.
Voltando ao que escreveu Rafael Behr, até o mais recalcitrante dos adversários de Corbyn, reconhece que o partido falou e que apoia a liderança. Será com ele que irão defrontar as próximas eleições e merecer ou não governar o Reino Unido.

------ O Capital financeiro    ( A terceira edição da revista do colectivo ROAR foi recentemente publicada. Dedicada ao Capital financeiro, "The Rule of Finance", inclui os artigos:
 The Financial Aristocracy, ROAR Collective
The Contradictions of Finance, Richard D. Wolff
The Rise of the American Bondholding Class, Sandy Brian Hager
The 1 Percent Under Siege?, Brooke Harrington
Fancy Forms of Paperwork and the Logic of Financial Violence, David Graeber
The Life and Times of the 1 Percent, Tim DiMuzio
The Debts of the American Empire — Real and Imagined, Cassie Thornton, Max Haiven
The “Golden Noose” of Global Finance, Fanny Malinen
The Potential of Debtors’ Unions, Debt Collective
Defeating the Global Bankocracy, Jerome Roos



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Domingo, 05.06.16

          Notícias de Paris   (-por F.S. da Costa, 2ou3 coisas, 3/6/2016)

   Como europeu, e olhando a História, tenho a difusa perceção de que, no dia em que a França colapsar como país atuante no centro do processo integrador, este entrará rapidamente em desagregação.
   Independentemente da sua singularidade dentro da União Europeia, da leitura egoísta que sempre fez do interesse comum, a França continua a ser o ponto referencial que liga a Alemanha ao sul do continente e do próprio Mediterrâneo. Além disso, Paris faz uma articulação particular com Londres, como únicos poderes militares relevantes dentro da União, ambos com um estatuto privilegiado no Conselho de Segurança da ONU.    Não sei se a França é a “chave” da Europa, mas a experiência faz-me cada vez mais pensar que sim.
    Conheço poucas sociedades mais arreigadamente conservadoras do que a francesa. Por detrás da modernidade de muitas das suas ideias magníficas, há por ali um imobilismo institucional atávico que a torna extremamente refratária à mudança. Sendo o país da União com maior gasto público face ao PIB, a França alimenta um Estado pletórico, com que Esquerda e Direita vivem confortavelmente. Saber se isso é compatível com os seus níveis de prosperidade e de competitividade não parece ser uma uma preocupação coletiva relevante.  
    Desde há uns anos que se pressente que a França vive sobre um vulcão. O modelo de integração étnico-social falhou, a ausência de um “terreno” de cidadania comum aos seus cidadãos de origens diversas é cada vez mais evidente, os medos e as tensões económico-sociais sobem exponencialmente. Basta passear por Marselha ou por algumas “banlieues” (arredores) de grandes cidades para disso se ter uma ideia clara.
    A direita democrática francesa não consegue construir uma narrativa de projeto totalmente despoluída dos fatores que facilitam o proselitismo da extrema-direita. Pelo contrário, o oportunismo fê-la recuar dos seus reflexos republicanos históricos.
     Por seu turno, a esquerda democrática parece esquizofrénica, com um setor a dar ares de ter sido raptado por um súbito discurso neo-liberal, enquanto outro persiste nalguns clichés de um socialismo datado. O PS francês, por ausência de um projeto realista, corre hoje riscos sérios de fratura.
     A forte clivagem social e os medos securitários, agravados pelo terrorismo e pelas migrações, tornam a opção pela extrema-direita - agora já sem o custo das diatribes inaceitáveis de Jean-Marie Le Pen - cada vez mais apelativa, limitada apenas pelo bizarro sistema de representação parlamentar (apenas 3 deputados do “Front National” num total de 577, com bem mais de 20% de votos).
     Finalmente, a “esquerda da esquerda”, que tem mais rua que votos, recomenda aos sindicatos que sigam o slogan de há quase meio século: “sejam realistas, peçam o impossível!”  
Aguardemos.
-------(J.Freitas):         ... veja o problema de maneira diferente.
    A Europa, potência militar supletiva dos EUA, vive neste momento a sua apoteose ultra liberal. A "Lei Trabalho" (reforma laboral, pró neoliberal), que parece inspirar o seu texto (de F.S.Costa), e algumas reticências do mundo do trabalho, e não só, a aceitar o que se prepara no famoso Tratado transatlântico (TTIP), é inspirada e desejada pelos EUA (/...).
    Se o terrível vírus social que é a "Lei Trabalho" nos cai em cima, não é para "reformar a França modernizando-a", como diz o social-liberal Manuel Valls (1ºMin.Fr.). Claro que não.
    Ou então é preciso explicar por qual milagre um governo de direita na Bélgica e um suposto de esquerda em França, promulgam ao mesmo tempo regras idênticas que estrangulam os trabalhadores?
    Muito simples:  A "ordem" ou a "ideia" vem da Comissão Europeia (ou do ilegal Eurogrupo) um 'truc' infestado pelos lobbies de toda a espécie .
    Em Bruxelas, que o Senhor conhece bem, 40 000 (lobistas) pessoas são empregadas por estas oficinas "de influência" (corrupção e ameaça) que submetem ao Parlamento (, à Comissão, ao Conselho, às DG..., ao Eurogrupo e ao BCE) europeu a versão dos factos (e as pré-propostas que convém melhor à Wall Street (/ City/ alta finança, transnacionais e magnatas), não o que é melhor para a U.E., para os Estados e para a generalidade dos cidadãos.
    Assim, libertados desta "tarefa" ingrata, antes de ir beber uma cerveja à "buvette", os deputados (comissários, dirigentes, ...) europeus não têm mais nada a fazer que dizer SIM a estes lobbies que se activam para a nossa felicidade.  Fecundada pelos EUA, a Europa são eles, a U.E. foi 'tomada/ capturada' (pelo euro/...) e é 'coutada' de todo-poderosos com seus fantoches e avençados  (idem para os EUA, "seu" governo e 'democracia' ... e para a maioria dos Estados/ países). 
    As elites do capitalismo francês (banqueiros e/ou deputados) e muitos dos seus compadres de estados vizinhos, têm a necessidade de apoiar a sua politica sobre um país que desempenha para eles o papel de modelo.
    Juncker e outros papagaios da (alta finança...) Goldman Sachs podem lançar tranquilamente a sua "fatwa" de ultra liberalismo sobre os trabalhadores : "não há alternativa" !   Eis porque uma "Lei Trabalho" (e as "reformas estruturais"...) nos cai em cima, reclamada pelos 'corretores dos mercados' e gestores dos Fundos $€£€$ de Pensão Alemães e Estado-unidenses (...), que são à justiça social o que (vampiro) Drácula é à transfusão sanguínea.
    Tenho quase muita pena destes 'pobres' industriais e banqueiros e os seus comparsas políticos (e militares, 'jornalistas', advogados,...) de afrontarem tantas incertezas, sendo obrigados a volver, como os espectadores de ténis as suas cabeças entre Washington e Berlim ! (ou será entre a sua 'imunidade' da morada legal 'offshore' e a bolsa de valores na 'net' ?!)
    Não esquecer a responsabilidade da derrota de 1940, em França face aos Nazis: Os militares, os políticos, a imprensa, os homens de negócios e os homens de mão !
 
------- Nacional vs constrangimentos económico-políticos   (-por Xa2)
     Enquanto os portugueses tiverem fracos rendimentos (e baixa literacia e baixa consciência política-cidadã, e precariedade económica e de trabalho) 'escolherão'/ são obrigados (a emigrar para sobreviver e/ou) a 'optar' pelo mais barato - nem que o produto seja de fraca qualidade, produzido por escravos e vendido por 'neo-esclavagistas' burlões que andam com o 'nacional'/ 'português' na boca e fogem aos impostos nacionais, à jurisdição nacional, ... e aos direitos laborais e Humanos.
      Enquanto a banca e oligopólios/ carteis esmagarem trabalhadores, produtores e consumidores para aumentarem os seus lucros, dividendos, comissões e prémios ... aumentará a 'carga' destes (tb em impostos), a desigualdade, a pobreza para a maioria e a instabilidade social.
     Enquanto cidadãos, partidos e governantes europeus (continuarem divididos em 'quintinhas' com bandeirinhas e arame farpado e) não se aliarem para exigir e redefinir as políticas comuns (económicas, incluindo: taxas de impostos, offshores, investimento, especulação, regulação de mercados, moeda, globalização, ... protecção do ambiente e recursos estratégicos),
 a U.E. é uma donzela gozada e explorada por lóbis (corruptores e ameaçadores) ao serviço de empresas transnacionais, de bancos, oligarcas, fundos e  dinheiro sem pátria nem lei ...
 e os Estados, o interesse, os bens e  as instituições públicas são descaradamente burlados, capturados, expoliados, enfraquecidos, desautorizados, manipulados, privatizados, roubados, ...
 pelos estados mais fortes e pelos poderosos privados!, seja directamente como potentados ditatoriais, transnacionais  ou, indirectamente, através de organizações internacionais dominadas (Cons.Seg.ONU, FMI, BM, BCE, OMC, ... NATO) e tratados (SMEuro, TTIP, CETA, ...) com cláusulas 'leoninas' favoráveis aos 'piratas' e carteis de mafiosos, com seus exércitos de mercenários e sabujos jornalistas, juristas, legisladores, ... lobistas, agências, ... e políticos/ governantes fantoches.
     Enquanto ... a justiça e a democracia  se deixarem espezinhar e substituir por 'legalidades' (e actos injustos ou "criminosos legalizados"), por dinheiro, por oligarquias e ditaduras (disfarçadas ou não) e o cidadão/ opinião pública se deixar enganar pela publicidade e propaganda ... o caminho leva-nos para o abismo.     


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Sexta-feira, 03.06.16

SURPRESA !             (-por  J.Pacheco Pereira *, 17/5/2016, Abrupto)
  Escrito contra Sócrates em 2005, quando muitos dos nossos "liberais" eram desenvolvimentistas, quando se dizia que Sócrates estava a "roubar" o programa ao PSD, quando Sócrates aparecia como o herói da direita para pôr em ordem o défice que recebera de Santana Lopes, quando Sócrates aparecia como lutador contra as "corporações", aquilo que hoje a direita chama "oligarquia" (maldita memória!), um texto meu convenientemente descontextualizado tem sido muito citado (agradeço) para mostrar que o Pacheco Pereira "bom" era liberal e o Pacheco Pereira "mau" é socialista. Como no banco mau e no banco bom. E, portanto, ou "traiu" ou está doido. O argumento psiquiátrico tem sido muito usado, ao estilo da "psiquiatria" política da velha URSS. 

     Desenganem-se que sou muito mais liberal que socialista, mas sou sujeito a esse interessante anátema de que agora tudo o que não pertence a essa direita radical é socialista, pelo menos, quando não é esquerdista, radical, comunista, etc. Aliás, sobre o que disse no artigo que publiquei e que suscitou a fúria destes "liberais" ("Para a nossa direita radical o Papa é do MRPP"), nada é dito e percebe-se porquê: é que eles pensam mesmo que o Papa é do MRPP com aquelas histórias da "economia que mata…" Sabem qual é a surpresa? É que no essencial continuo a pensar o mesmo e não me converti ao socialismo, a não ser à parte de socialismo que existe na social-democracia. Hoje diria mais coisas, porque o espírito dos tempos é outro e os problemas de 2016 são diferentes dos de 2005, mas podia dizer e certamente direi as mesmas. 
     Sim "precisamos de mais liberalismo, de mais liberdade económica, de mais espírito empresarial", até porque a herança do governo Passos Coelho/ Portas é tudo menos liberal. Aliás, muitas coisas são uma continuidade ainda mais agressiva de política de Sócrates, como se passou com o fisco, onde os portugueses não são cidadãos, mas mentirosos à cabeça e onde os direitos de privacidade são inexistentes, como se vê consultando a história da nossa vida toda em facturas. A substância do que ocorreu nos últimos anos é apenas cortes ilegais de salários e pensões e alterações à legislação laboral. Nenhuma reforma estrutural foi feita, a não ser o perigoso desequilíbrio de poder no mundo do trabalho, de que pelos vistos estes nossos "liberais" gostam. Imaginem se tinham que conviver com a presença dos sindicatos nos conselhos de administração das empresas como na Alemanha. Ah!, mas os sindicatos não são os mesmos! Verdade, mas os patrões também não são e se pensam que os grandes sindicatos alemães não fazem greves e muitas vezes bem duras, estão enganados. 
     Agora "espírito empresarial" não é o jovem do Impulso Jovem aos saltos num palco a dizer inanidades, não é assentar o sucesso empresarial em salários baixos, não é combater os sindicatos e impedir o direito à greve, é olhar para a realidade das nossas empresas e ver, antes dos malditos dos trabalhadores preguiçosos, a muito má qualidade da nossa gestão. O "espírito empresarial" faz muita falta em Portugal, mas o que o governo de Passos Coelho fez foi usar o poder político para colocar as "empresas" como sujeito da política e isso é o menos liberal que há. Significa, entre outras coisas, soçobrar o Estado numa política de interesses que não serve a Economia nem as pessoas. A paixão por Singapura é um bom exemplo, a tentação de um modelo autoritário de governo em nome do "sucesso empresarial". 
     Sim, precisamos de "crise" no sentido schumpeteriano e de mais "insegurança", mas não é apenas para os mais fracos, que já têm que chegue. O que herdámos foi a pior das "inseguranças", uma sociedade sem palavra nem boa-fé, em que todos os contratos com uns eram para romper e com outros para manter sem hesitações. Em que se governou contra a lei e pelo medo, com desprezo pelos efeitos sociais da pobreza e da desigualdade, vistos como "efeitos colaterais". 
     Uma sociedade liberal, usa a liberdade, toda a liberdade, para dar poder às pessoas, empowerment no sentido anglo-saxónico, e não para as fixar numa vida sem esperança nem perspectivas. E, admirem-se, sem propriedade como condição de liberdade. É que os nossos "liberais" o que fizeram por essa Europa toda foi exactamente o contrário do sentido schumpeteriano da crise criadora, "protegendo" o sistema financeiro da crise que ele próprio tinha criado e fazendo recair as custas dessa "protecção" sobre os trabalhadores e pensionistas. Podia continuar, mas a causa é ruim. 
     O problema está no enorme simplismo e na dicotomia com que se fala de política em Portugal. Ou é a preto ou é a branco. É falar do "liberalismo económico" como se fosse alguma coisa que sem liberalismo político, em primeiro e em último lugar, fosse diferente da lei da selva. Para um verdadeiro liberal a liberdade nasce da política e não da economia, e a subordinação do poder económico ao poder político é vital. Para quem ama a liberdade, a democracia implica o voto e o primado da lei, tudo coisas que nos anos da "crise" perdemos. O nosso voto não vale quase nada porque não nos governamos a nós próprios e a lei, a começar pela Constituição, de nada valia. Quanto ao resto batam à porta da Europa s.f.f. 
     É que hoje a "Europa" do Eurogrupo, os seus mandantes de Bruxelas e os seus mandados (fantoches e avençados) em cada país são a principal ameaça à liberdade dos povos. Hoje, ser liberal, no completo e genuíno sentido da palavra, é combater aquilo que na verdade nem é sequer um "superestado" (uma federação), mas uma máquina de poder ao serviço de interesses da Alemanha e dos seus aliados (e sua poderosa bancocracia, oligarquia e lobbies), e de uma burocracia tecnocrática que acha que governa melhor os países do que os seus políticos eleitos. Nada tem feito mais mal à liberdade do que o pôr em causa a soberania como espaço em que a democracia tem sentido. O que é que pensam que a Europa está a impor aos gregos a ferro e fogo? Mais liberdade na sociedade e na economia? Soluções para a crise da economia grega? Não. Um puro diktat punitivo, sem canhoneiras como no passado, mas com dinheiro. Ainda estou à espera de ver os nossos "liberais" incomodados. 
      É disto que tem sentido falar em 2016.
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[notas:    Conceitos histórico-político-económicos para os termos  liberal (de liberdade, progressista, esquerda) são muito diferentes de "liberal" (direita, 'conservador', falso liberal, neoliberal), neoliberal ou ultraliberal ou ordoliberal (desregulado, capitalismo selvagem, lei da selva dos 'mercados', ...). 
  Concorde-se ou não com o que ele diz, creio que *JPP  (historiador, ex-deputado do PSD) se pode considerar um cidadão pleno, não-alienado, um verdadeiro liberal e social-democrata, nunca um "liberal" ou neoliberal, nem de extrema direita ou de extrema  esquerda, é crítico, ético, independente e, devido às distorções da novilíngua e do posicionamento-práticas de outros, às vezes é conservador e outras vezes advoga, e bem, algum radicalismo para tentar corrigir as existentes injustiças e deturpações económico-sociais-políticas...  .  JPP é histórico 'desalinhado' do 'moderno' PPD-PSD (este partido do centro-direita está actualmente no grupo 'popular' do parlamento europeu, enquanto o CDS-PP está no grupo 'liberal' e o PS está no social-democrata/ trabalhista, ...)]
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…onde não posso ir porque não sou delegado, não tive nenhum cargo que me desse esse direito por inerência e não quereria falar numa condição de favor em relação aos que têm o direito de lá estar. Aliás, essa hipótese já se colocou num dos primeiros congressos da era Passos Coelho e foi recusada pela direcção do partido. Aos energúmenos que nos partidos têm a sua única vida profissional e que adorariam essa ocasião para me apupar devo dizer-lhes que é para o lado em que durmo melhor. Já tive na vida muitas mais ocasiões de incómodo e riscos muito maiores, para me assustar com isso. Além disso seria uma honra, como se percebe deste texto. Aqui vai, de fora, como se fosse lá dentro. 
     Ponham lá nas paredes das sedes do PSD... 
Passavam menos de 15 dias sobre o 25 de Abril de 1974, a 6 de Maio, três homens, Francisco Sá Carneiro, Joaquim Magalhães Mota e Francisco Pinto Balsemão, liam a declaração genética do PPD, depois PSD, intitulada Linhas para um Programa. Chamo a atenção: o habitual argumento destinado a desqualificar os documentos dos primeiros anos do PSD, de que são o resultado de habilidades linguísticas destinadas a obter legitimidade nos anos do PREC, não colhe de todo. Este documento é escrito muito antes de se dar a radicalização política do ano de 1975 e aliás não esconde a génese do novo partido na chamada "ala liberal" cuja actividade cessava então "pelo nascimento dum partido de orientação social-democrata". Ou seja, os autores desta declaração estavam a dizer exactamente o que queriam dizer e a situar-se exactamente onde queriam situar-se. 
        Inscrito a letras de ouro ... 
Deixemos de lado a parte do apoio ao MFA e ao 25 de Abril, para nos atermos às demarcações do texto e ao seu conteúdo programático. Primeira demarcação: a "concepção e execução dum projecto socialista viável em Portugal, hoje, exige a escolha dos caminhos justos e equilibrados duma social-democracia, em que possam coexistir, na solidariedade, os ideais de liberdade e de igualdade." A expressão "caminhos justos e equilibrados duma social-democracia" significa que o novo partido se distanciava dos outros "socialismos", em particular dos dois partidos que tinham chegado ao 25 de Abril aliados por um "programa comum": o PS e o PCP. Esse "programa" não durou muito, mas existia. 
            Para não se esquecerem de onde vimos... 
 O que é que significava esta "visão social-democrata da vida económico -social"? 
 "a) Planificação e organização da economia com participação de todos os interessados, designadamente das classes trabalhadoras e tendo como objectivos: desenvolvimento económico acelerado; – satisfação das necessidades individuais e colectivas, com absoluta prioridade às condições de base da população (alimentação, habitação, educação, saúde e segurança social); – justa distribuição do rendimento nacional.
b) Predomínio do interesse público sobre os interesses privados, assegurando o controlo da vida económica pelo poder político (…).
c) Todo o sector público da economia deve ser democraticamente administrado (…) .
d) A liberdade de trabalho e de empresa e a propriedade privada serão sempre garantidas até onde constituírem instrumento da realização pessoal dos cidadãos e do desenvolvimento cultural e económico da sociedade, devendo ser objecto de uma justa programação e disciplina por parte dos órgãos representativos da comunidade política. (…)
f) Adopção de medidas de justiça social (salário mínimo nacional, frequente actualização deste salário e das pensões de reforma e sobrevivência, de acordo com as alterações sofridas pelos índices de custo de vida, reformulação do sistema de previdência e segurança social, sistema de imposto incidindo sobre a fortuna pessoal preferentemente ao rendimento de trabalho com vista à correcção das desigualdades)." 
     Citei mais extensivamente porque é uma parte crucial da "visão". Estão lá mais coisas, como a crítica ao absentismo dos latifundiários, a defesa do direito à greve ("meios necessários para uma permanente e contínua subordinação da iniciativa privada e da concorrência aos interesses de todos e à justiça social"); a possibilidade de nacionalizações para garantir o "controlo da vida económica pelo poder político"; a defesa do "saneamento" e do "julgamento dos crimes constitucionais de responsabilidade, de corrupção, contra a saúde pública e os consumidores e, dum modo geral, contra a vida económica nacional, bem como dos abusos do poder.
      No plano político está lá a defesa daquilo que viria a chamar-se o "poder local"; a independência do poder judicial; a laicidade do Estado; o fim da discriminação das mulheres, e a afirmação de que a "educação e a formação constituem serviço público no mais amplo e digno sentido de expressão porquanto são fundamento e garantia de liberdade e de responsabilidade. A igualdade de oportunidades, alargamento de horizontes e a preparação ou readaptação à vida em sociedade são os objectivos fundamentais de educação e formação." Ou seja, a educação é o mecanismo-chave da mobilidade social. E por fim, a defesa da "autodeterminação" nas colónias com imediato cessar-fogo. 
            Para quem não sabe o que é a social-democracia... 
Talvez a mais significativa frase do texto seja esta: 
 "Consideração do trabalhador como sujeito e não como objecto de qualquer actividade. O homem português terá de libertar-se e ser libertado da condição de objecto em que tem vivido, para assumir a sua posição própria de sujeito autónomo e responsável por todo o processo social, cultural e económico." 
     Ela é uma das chaves para perceber o pensamento de Sá Carneiro e dos fundadores. Não vem do marxismo, nem do socialismo, nem do esquerdismo, vem da doutrina social da Igreja tal como se materializava no pensamento da social-democracia que se queria instituir. Demarca o PSD do PS, do PCP mas, acima de tudo, daqueles que no lugar do "trabalhador" colocam as "empresas", a "economia", ou outras variantes de qualquer poder que não "liberta".
     A escolha e a ordem das palavras não são arbitrárias. Estes homens devem ter ponderado todas as palavras, todas as ideias e todas as frases deste documento com o máximo cuidado e rigor. Sabiam que estavam a escrever para a História e para o dia seguinte, para os portugueses e para Portugal. Nem é preciso dizer, de tão evidente que é, que nada disto é o que pensa e o que diz a direcção do neo-PSD que hoje existe. 
    Este é o PSD antigo, mas esta é também a parte que não é "modernizável".


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Terça-feira, 15.03.16

---  PSD e PS: as fraudes eleitorais (internas) que os unem  (-J.Mendes, 12/3/2016, Aventar)

     Quando chegam as eleições internas, sejam em que nível forem, tendem a surgir verbas sabe-se lá bem de onde, muitas vezes patrocinadas pelo pagamento de favores, que permitem pagar cotas em atraso a militantes desinteressados que, com as contas regularizadas, lá fazem o frete ao amigo que os vai a casa buscar para votar. Poucos são aqueles que nunca ouviram contar uma história destas. Eu ouvi algumas e até conheço alguns exemplos de amigos que, tendo num passado distante sido filiados num destes partidos, continuam a receber avisos de pagamento de cotas, precedidos por recibos de pagamento que não sabem muito bem quem terá pago.

      Às vezes desce ainda mais baixo. Um dos casos mais recentes, divulgado no final de Janeiro pelo JN, dizia respeito a uma investigação da PJ de Coimbra, que conseguiu provas de que um grupo de 20 militantes da distrital coimbrã do PS terão falsificado documentos no preenchimento de fichas de adesão ao partido, mas o Ministério Público optou pela aplicação de coimas e trabalho comunitário. Entre os arguidos estavam actuais e antigos autarcas, dirigentes do PS e da JS e um deputado da anterior legislatura. Saiu barata a fraude. E, com alguma sorte, o dinheiro que pagou as coimas terá chegado da mesma zona cinzenta de onde todos os anos saem milhares de euros para a regularização de cotas de militantes que só o são porque estes partidos se recusam a actualizar as listas para nos poderem apresentar estatísticas triunfantes.

      Mais recente ainda, apesar do pouco alarido que gerou, foi o caso das eleições na distrital do PSD Aveiro, ocorridas no mesmo dia que o acto eleitoral que reconduziu Pedro Passos Coelho à liderança nacional. A candidatura de Ulisses Pereira, cujo mandatário foi Luís Montenegro, acusou os órgãos nacionais do partido de “branqueamento” e “práticas irregulares”, nomeadamente no que toca ao incumprimento em disponibilizar os cadernos eleitorais nos prazos definidos pelo PSD.

     Mas verdadeiramente peculiar foi o caso da secção de Ovar, da qual faz parte Salvador Malheiro, vencedor do escrutínio. Segundo o Diário de Notícias, entre Junho e Julho de 2015, foram inscritos 418 novos militantes, 217 da freguesia de Esmoriz, dos quais, notem bem, 80 viviam na mesma rua e 17 na exacta mesma morada. Uma rua laranja com famílias numerosas de convictos sociais-democratas. Destaque ainda para o facto de 121 destes novos militantes partilharem entre si 3 números de telefone. Notável!

    O Conselho Nacional de Jurisdição do PSD, liderado por esse ministro de Deus que é Calvão da Silva, emitiu um parecer em que considera toda esta insólita situação como sendo regular. O que não deverá surpreender vindo de um órgão chefiado pela mesma pessoa que se esforçou por provar à justiça portuguesa que a prenda de 14 milhões de euros dada pelo empresário José Guilherme a Ricardo Salgado era, também ela, regular. Ou uma manifestação de “espírito de entreajuda e solidariedade” como se podia ler no parecer do ex-ministro a prazo do PSD. A argumentação anedótica do CNJ do PSD pode ser lidas na peça do DN.

     Há quem defenda tratar-se de uma manifestação de força, articulada por trás do arbusto pelo líder parlamentar do PSD, que muitos acreditam ser o próximo oponente interno de Pedro Passos Coelho. Não obstante, trata-se de mais um episódio que ilustra até onde pode ir a ambição que transformou um dos maiores partidos políticos portugueses num centro de negociatas e esquemas opacos usados pelos mais hábeis no processo de ascensão social que começa nas jotas e nas intrigas de corredor, da São Caetano ao Parlamento. Com o habitual e indispensável alto patrocínio dos nossos impostos e passividade.

---- Ana:     E também pode ver o problema deste prisma: os cidadãos desistiram, optam por ficar em casa a ver a bola, e deixam que os partidos se deixem dominar e canibalizar pela má moeda. Não acredita que há militantes sérios nesses dois partidos?  Claro que depois há os Calvões deste mundo, que fecham os olhos à ilegalidade e ainda caucionam esses actos.  Infelizmente é assim nos partidos, como nas universidades, nos media, nas empresas… A piolheira tomou conta da democracia. ...

---- A.V.:    ... Na minha zona, certo partido vem a casa buscar os militantes (?!), familiares e vizinhos para votarem. Daqui resulta empregos na Câmara e noutros locais (hospital, misericórdia, ... IPSS e empresas apoiadas pelo IEFP/centro de emprego) abrigados das intempéries do desemprego.
     Os estabelecimentos públicos locais e regionais estão cheios deste tipo de gente (militante/ apoiante) dos dois partidos.    Nem se pode falar porque a reação da matilha é atacar e expurgar quem critica ou aponta estas conivências e seguidismo.   Ao mais alto nível encontramos sempre os frequentadores das lojas da viúva dos dois partidos maiores sugadores.   Estamos numa desgraça da qual não se vislumbra uma mudança de regime.

----- Zé T. (6/10/2015):     Análise  político-partidária para reflexão interna ...

     - Como está o Partido?   Com a actual situação muita coisa se esconde/cala  ... mas, se é para o melhorar e lhe dar consistência, é necessário dizer que (tal como outros partidos), ...  « O PS está mal e não é de agora... 
      Apesar do 'palavreado' e das referências históricas, de facto, o PS abdicou de ser "republicano" e "socialista"/social democrata, desde o 'Blairismo/nova via', seguindo-se a sua captura ideológica e prática pelo neoliberalismo e o «economês»... 
      Tal como o PSD (ambos partidos do centrão de interesses e negociatas), o objectivo da 'entourage/corte dirigente' é o benefício próprio, a subida a todo o custo, a obtenção de 'tachos' e benesses, o controlo de grupos e apoiantes, com o associado atropelo de regras democráticas, manipulação, falta de ética, falta de crítica e liberdade de expressão, o mascarar de malfeitorias e incompetências, o engano e burla de militantes e simpatizantes -- que, não sendo parvos nem tendo estômago para tal, afastam-se desmotivados, desinteressados do convívio com este tipo de 'políticos' e seus delfins e aprendizes.
      O objectivo destes politiqueiros é o assalto/instalação (rotativa e partilhada com o PSD) no poder político para repartir 'tachos' e benesses entre os seus 'barões', familiares, amantes, sócios de negócios/empresas e jotas mais 'aguerridos' ... ,   destruindo a militância e secções/ concelhias, fechando sedes, não discutindo política, nem medidas, nem moções, nem programas, nem candidaturas, nem métodos, nem resultados, ...     transformando o Partido (associação política sem fins lucrativos) numa sociedade anónima de capitais/ 'donativos/ investimentos' privados e públicos, com uma minoria de grandes accionistas/administradores, um grupo de médios/pequenos accionistas/ dirigentes/tachistas/ cortesãos/seguidistas e uma maioria de micro-accionistas acéfalos e papalvos ou intermitentes e desmotivados.
      Não tendo sido feitas as imprescindíveis reformas e o afastamento das 'maçãs podres', o partido tem vindo a decair (tal como o desinteresse/ abstenção dos cidadãos tem vindo a aumentar).    Fala/ou-se em 'facas longas' mas não havendo 'tomates' para as usar, vão utilizando facadinhas, armadilhas e venenos - o resultado é bem pior, e não se limpa nem levanta o Partido.     Afastar o Secretário-geral (este, o anterior, o próximo...) é apenas esconder a porcaria debaixo do tapete... e aumentar mais divisões/ facções, deixando espaço para os mais aguerridos/ matreiros subirem ao poder ...   independentemente da sua (in)competência, da avaliação crítica das causas e factores, da responsabilização, da definição de rumo ... e da necessária "revolução" interna... e externa, da política portuguesa e europeia.   ... ».
     -- Que fazer ?   - Negar tudo, esconder a cabeça na areia, bater no mensageiro/ proponente/ crítico, agarrar-se à rigidez da máquina e a intrepretações legalistas... e esperar um milagre ?!!;  ...ou ...  - Aprender tanto com os erros como com as boas práticas/propostas de outros (Corbyn UK, Grécia, Espanha, França, ...);  ... e ... - Querer mudar ... como?   cativar jovens (e...) e militantes;   passar duma 'comunicação descendente' para outra de 2 sentidos e em rede;   disponibilizar meios de troca de opinião/sugestões, aumentar a transparência, auscultação de questões e políticas concretas, tomar decisões democráticas e dentro dos princípios do partido, ... 


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 --- 'Jotas' :    As juventudes partidárias     (-por Rafael Pinto Borges, via mmpoupino,11/2/2016)
É sempre bom estarmos actualizados….  Isto deve passar-se em todas as juventudes partidárias!! (especialmente nas do centrão de interesses e do 'arco do poder')

            um 'exemplo' do gabiru que é uma piada de mau gosto.
     Cristóvão Simão Ribeiro tem 29 anos, é deputado do PSD, presidente da Juventude Social Democrata e colunista da revista Sábado. Arreigadamente (neo)liberal, o jovem Simão postula o combate à influência do Estado sobre a sociedade e a economia, defende todas as privatizações, propugna a liberalização da prostituição – que considera uma opção profissional legítima e aceitável – e proclama as virtudes da “meritocracia”, palavrão sempre útil a quem nada fez, faz ou fará na vida. (e se 'safa' na vidinha através de 'esquemas' e ou de nepotismo.) 

   C.S.Ribeiro pede o esmagamento do Estado, mas recebe dele – através da Assembleia da República – um salário mensal de 3683 euros; louva o mérito individual e as virtudes do "self-made man" (empreendedorismo), mas encontra-se há nove anos inscrito num curso de Direito que ainda não concluiu; fala da necessidade de “sacrifícios”, mas tem quase 30 anos, mal sabe escrever, não estudou e nunca trabalhou.  

    É certo que o presidente da JSD está longe de ser caso único, mas o seu percurso demonstra bem aquilo em que se transformou o mundo dos partidos. Não há dúvida de que o primeiro, mais valioso e mais necessário instinto a reconstruir é o pudor. Enquanto ele faltar, pouco haverá a fazer pelo país.

---- A  expulsão de Capucho e os partidos que temos    (por Daniel Oliveira, 13/2/2014, Expresso online)

     A direção que mais afastou o PSD da sua matriz ideológica  original expulsou do partido um dos seus mais emblemáticos fundadores, que  apoiou as candidaturas da Oposição Democrática durante a ditadura e, em 1974,  fundou, com Sá Carneiro, o então PPD. Dificilmente poderá ser considerado um  enxovalho para António Capucho, que perde bem menos do que o partido que o  expulsa. É claro que Capucho foi candidato numa lista independente contra uma  lista do PSD de que nem os eleitores mais fiéis do PSD gostavam. Como ficou  provado pelo humilhante resultado de Pedro Pinto, em Sintra. E é verdade que os  estatutos não permitem esta postura de Capucho e que ele é um candidato como  outro qualquer.

    Outro debate é saber o que leva um fundador do PSD, com as  responsabilidades internas que António Capucho já teve, a este ponto de ruptura  com o seu próprio partido. E para isso não é preciso muito latim. Basta olhar  para o governo e para quase todas as figuras históricas do PPD/PSD para perceber  que Capucho é apenas o caso extremo.

   O PCP tem, e com razão, fama de não permitir grandes  divergências internas e tratar administrativamente o que politicamente não  consegue resolver. Mas não é o único e, bem vistas as coisas, não é o pior.  Arrisco-me a dizer que PS e PSD, apesar das lições de democracia interna que  gostam de dar aos outros, já expulsaram muito mais gente do que os comunistas.  Isto apesar de terem instrumentos mais eficazes para manter as hostes na linha  (como a distribuição de lugares, assunto que  tratarei na edição do Expresso em papel). Quanto ao CDS, sei que retira da sede  fotografias de ex-líderes caídos em desgraça e que se transformou num partido  unipessoal. Mas confesso desconhecer o historial de expulsões. O BE, que eu saiba, apenas expulsou uma pessoa (e não foi por divergências  de opinião) e limita-se a ver em cada demissão um "acidente de percurso", como  se ninguém que discorde fizesse grande falta. Não é preciso expulsar para impor  uma cultura sectária.  

    Sim, os partidos têm estatutos. Mas vale a pena discutir esses  estatutos (ou a cultura informal que promovem) e que tipo de partidos eles  ajudam a criar. Recordando que os partidos não são associações como as outras. A  lei dá-lhes direitos especiais que lhes dão responsabilidades especiais. Para  que fique esclarecido, sou contra a uniformização dos partidos. Acho, aliás, que  a nossa lei é excessivamente formatadora e não respeita a natureza plural de  organização que os partidos podem e devem ter, consoante as suas convicções  ideológicas. Por isso, o que aqui defendo não é matéria de lei. É matéria  política. E essa, tendo em conta o poder que a Constituição dá aos partidos  políticos, é da nossa conta.  

    Se os partidos continuarem a achar que é possível manter uma  forte influência na sociedade - naquela que vive fora do aparelho de Estado - exigindo aos seus militantes um contrato de fidelidade absoluta terão um tipo de  militância. Se, pelo contrário, passarem a exigir uma comunhão de princípios  gerais e cooperação de esforços, garantindo, ainda assim, uma razoável autonomia  de pensamento e ação aos seus membros, terão outro tipo de militância. E são as  militâncias que tenham que garantirão a sua capacidade de regeneração e  adaptação às mudanças na sociedade.  

    Não digo que no primeiro caso lá fiquem apenas oportunistas em  busca de carreira. Há gente honesta - eu conheço - perfeitamente capaz de viver  com este tipo de cultura de organização. Mas é evidente que a percentagem de  oportunistas ou gente sem qualquer sentido crítico será maior. E que pessoas  desinteressadas que prezem a sua própria consciência tendam a afastar-se mais  dos partidos e, por essa via, da política. E que, com isto, aumente uma cultura  perigosa que vê (mal) o comprometimento partidário como sinal de carreirismo e a  "independência" como prova de superioridade moral e intelectual.

    No segundo caso, perdendo os partidos alguma eficácia na ação - ainda assim a solidariedade partidária pode ser conseguida sem coação -, é  provável que gente com um sentido critico mais apurado ou com menos paciência  para engolir sapos em troca de lugares esteja disposta a militar nos partidos  políticos. Nada disto é a preto e branco. Entre o "centralismo democrático",  onde nem a dissidência de opinião é tolerada, e a completa ausência de  obrigações há um mundo de possibilidades. E parece-me que do casamento com  comunhão total de bens se pode passar a viver, sem drama, em união de facto.  

    Alguém acha que o PSD ficará melhor, mais coeso, mais forte e  mais influente depois da expulsão de António Capucho? Que com este exemplo o PSD  será mais eficaz e terá maior influência social e política? Que esta expulsão  dará saúde à democracia e aos partidos? A expulsão de Capucho é como a  disciplina de voto dos deputados (que apenas deveria existir para os orçamentos,  programa de governo e moções de censura e confiança): a sensação de poder que dá  a quem manda é proporcional aos estragos que provoca.  

    Mas este tipo de organização partidária é aquela com que a  maioria dos portugueses, mesmo não gostando, sabe conviver. Por isso trata cada  divergência interna como sinal de "confusão", "desordem", "desgoverno", "zanga  de comadres". Num país que viveu meio século de ditadura, anseia por "consensos"  e "salvações nacionais", o pluralismo interno dos partidos é visto como sinal de  fraqueza. A falta de tolerância democrática dentro dos partidos corresponde à  falta de tolerância democrática num país que continua a gostar de líderes fortes  e tropas disciplinadas. Aliás, se olharmos para associações, sindicatos ou  organizações não governamentais as coisas não são melhores. Na realidade, como  em geral há menos garantias estatutárias e tudo é mais informal, são piores. Nem  é preciso expulsar. E esta é a parte em que os críticos mais irados da  "partidocracia" falham: os partidos que temos não são a causa da pobreza do debate político em Portugal. São a consequência.

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Estudo mostra que boys ajudam a controlar administração pública  (-por João Ruela Ribeiro, 12/02/2014

Tese de doutoramento de investigadora de Aveiro analisou 11 mil nomeações em 15 anos e concluiu que a maioria serviu para recompensar lealdades partidárias.

Estudo confirma cargos por recompensa política Daniel Rocha.  Estudo prova que existem mesmo "jobs for the boys"     

     Acabado de tomar posse como primeiro-ministro, em 1995, António Guterres prometia que ia acabar com os jobs for the boys, ou seja, que as nomeações para cargos públicos iam deixar de obedecer a critérios partidários. Quase 20 anos depois, um estudo, cuja análise começa em 1995, revela precisamente que as nomeações para os cargos dirigentes na administração pública são influenciadas pelos partidos políticos.

Na investigação da Universidade de Aveiro (UA) foram detectados dois tipos de motivações por trás das nomeações para cargos na cúpula da administração central: o “controlo de políticas públicas” e a “recompensa por serviços prestados anteriormente ou em antecipação aos mesmos”, segundo a autora, Patrícia Silva. “É difícil dizer que uma nomeação ocorra só por causa de um dos motivos, que por vezes se conjugam”, explica ao PÚBLICO.

    As conclusões apoiam-se numa base de dados de 11 mil nomeações e em entrevistas a “51 dirigentes políticos, ministros e observadores privilegiados da política portuguesa”, que, “na sua larga maioria, confirmam essa influência partidária”. “Há um alinhamento [ideológico] entre os partidos que estão no governo e as pessoas à frente” da administração pública, nota Patrícia Silva. A investigadora do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da UA justifica esta realidade com a necessidade de os governos terem um programa para executar.

    Para além disso, há o recurso por parte dos governos à informação. “Há uma preocupação de a pessoa que foi nomeada contactar o ministro antes de tomar uma decisão”, observa a autora do estudo Novos dilemas, velhas soluções? Patronagem e governos partidários. A influência é exercida mesmo “quando o ministro não consegue nomear a cabeça da instituição”, acabando por indicar pessoas para cargos mais baixos.

    Por outro lado, “as motivações de recompensa surgem associadas às posições hierárquicas intermédias e a posições nos gabinetes ministeriais ou nos serviços periféricos da administração pública, bem como a posições menos visíveis, mas igualmente atractivas do ponto de vista financeiro”, conclui a investigação, que incide sobre um período temporal que abarca dois governos do PS (Guterres e Sócrates) e um governo do PSD-CDS (Durão Barroso/Santana Lopes).

    O estudo compara ainda, ao nível legislativo, várias realidades de outros países e a autora verificou que a influência partidária nas nomeações para cargos públicos “não é exclusiva de Portugal”. “Nos casos de uma administração pública permanente como no Reino Unido, os ministros sentem-se desconfortáveis em trabalhar com essas administrações, nomeiam special advisors e contornam estas limitações”, explica Patrícia Silva.

“Impacto económico tremendo” A influência dos partidos nas nomeações na administração pública é “uma realidade conhecida e um dos maiores problemas do país, com um impacto económico tremendo”, observa o vice-presidente da Transparência e Integridade, Associação Cívica, Paulo Morais, em declarações ao PÚBLICO.

    “Só por milagre um boy de uma juventude partidária, habituado a organizar jantares e comícios, consegue fazer um bom trabalho num organismo público”, critica Morais. O investigador reconhece que “há milagres, mas a regra é que [os nomeados] tomem decisões incompetentes e erradas”.

    O dirigente da TIAC admite que, no “círculo mais restrito da execução de políticas, se recrutem pessoas de confiança [dos governos], mas sempre com competência”, sublinhando que “esse critério da confiança faz sentido num universo de cem pessoas, não de cem mil”.

    O actual Governo lançou, em 2012, as bases de uma reforma do regime de selecção para cargos públicos, com a fundação da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap). O objectivo é escrutinar de forma mais eficaz o processo de recrutamento para cargos públicos, ou seja, tentar acabar com os jobs for the boys, como havia prometido Guterres.  “A tendência é valorizar o mérito e não a fidelidade”, garante ao PÚBLICO o presidente da Cresap, João Bilhim. O responsável não se mostra surpreendido com as conclusões do estudo. “O último Governo de Sócrates assumiu isso [nomeações influenciadas por partidos] como um dado”, observa.

    Bilhim afirma que a administração pública vai deixar de estar dependente dos partidos no governo, algo que é garantido pela própria legislação que prevê cargos de cinco anos. “Digo nas entrevistas que não estamos a recrutar políticos, mas sim profissionais capazes de lidar com todas as cores políticas”, afirma o presidente da Cresap.

    Paulo Morais considera ainda ser cedo para se fazer uma avaliação do novo paradigma, mas nota que, “em teoria, é melhor que o anterior”. “A questão é saber se vem romper com o modelo anterior ou se o vai branquear.”



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Sábado, 12.03.16

♪ Cheira bem, ♫ cheira a eleições autárquicas ♪    (-J.M. Cordeiro, 9/3/2016, Aventar)

   Rossio_Lisboa_2007  O que está a acontecer a Lisboa é inacreditável, não sei se quem vive noutros locais estará a par. Acontece que há autárquicas à porta e se existe algo que faça um autarca salivar,  as obras estarão no topo.

É a treta da segunda circular, o arrancar da calçada, a mesquita na Mouraria e agora isto do Jamaica, do Tokyo e do Europa que a Daniela relata.

     Há um cardápio de obras que vão acontecendo ao sabor das autárquicas. As requalificações, os gimnodesportivos,  as rotundas, as estátuas nas rotundas, as lombas em tudo o que é passadeira (e que nada devem à segurança, como se pode constatar, por exemplo, em Soure).  E a lista poderia continuar.

     Não há autárquicas em que não apareça uma vaga de fundo de obras, que parece levar as autarquias a copiar-se quanto às obras da moda para cada eleição que se aproxime. Em Lisboa, agora é isto. E porquê? Hipóteses não faltarão, mas só os que decidem saberão as verdadeiras razões. Claro, é sempre por isto e por aquilo, geralmente grandes valores em prol da humanidade. Eu, que sou torto e que ando por cá há meio século, dou-me de ares de quem já viu isto antes e aponto para financiamento partidário, acompanhado de um cheiro a novo que os autarcas acham que traz votos.

     Pelo caminho há quem se surpreenda por os gastos (/ investimentos ou 'show off' ?) do Estado (e muito o endividamento das autarquias) serem altos e obrigarem a muitos impostos (e taxas municipais). Geralmente, são vozes que apontam o dedo ao ensino público e ao SNS, mas que ficam caladas perante o regabofe partidário.

    ----- Ai Mouraria…   (-por José Gabriel , 8/3/2016, Aventar)
Mas que raio se passa na Câmara de Lisboa cujo executivo decidiu expropriar uma série de prédios na Mouraria para que ali se construa uma mesquita?   Não colhe a declaração de que os “prédios estão devolutos e em mau estado”, já que uma linha de edifícios sofreu recentes obras de restauro por determinação do próprio Município.    Compreendo a fúria estético-urbanística de Manuel Salgado, grande arquitecto mas medíocre político.   Mas a deliberação colectiva é surpreendente.   Sublinho que se a expropriação fosse para construir um templo de qualquer outra religião – ou servisse qualquer interesse poderoso – esta nota seria exactamente igual.   Quem quer construir seja o que for sujeite-se a comprar os terrenos disponíveis e a seguir a lei como toda a gente.



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Segunda-feira, 07.03.16

 anuncio mulheres.jpg    

 ----- O nosso "dia"     (-por Helena Sacadura Cabral, 08.03.2015)        Gosto de ser mulher. Não invejo os homens e quanto mais velha sou, mais tenho consciência dos seus (in)justificados receios. Mas não gosto de quotas ou comemorações de género porque elas representam que os "outros" ainda as consideram necessárias

    O que eu quero é que não haja (assédio nem) violência sobre elas, que o seu salário não seja inferior ao do seu semelhante, que as suas oportunidades sejam iguais, que a maternidade seja encarada como uma opção séria  e não um obrigatório modo de vida, que os filhos sejam uma escolha de dois e não apenas de um.
    Ou seja, quero poder ser diferente do homem sem por isso ser discriminada ou menos respeitada. Quero, enfim, ter direito a ser mulher (livre e com direitos) e fazer parte do meu género sem que compita aos homens concederem-me uma parte desse direito.
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     Ui, ui  hoje é o meu dia !       (-por Teresa Ribeiro, em 08.03.15) C:\Documents and Settings\Admin\Ambiente de trabal
    Quando me perguntam se gosto de ser mulher, respondo que não. Lamento, mas neste aspecto não soube evoluir. Desde que percebi, ainda na primeira infância, que o mundo é dos homens, este sentimento ficou-me colado aos ossos e não há campanha publicitária de pensos higiénicos que me faça mudar de ideias.
      Esta rejeição, que cresceu comigo, nada tem a ver com problemas de identidade sexual. Gosto de cor-de-rosa, de bebés e de sapatos, portanto não há qualquer dúvida, sou muito estereotipada, o que paradoxalmente só veio agravar a relação conflitual que tenho com o meu género desde que me conheço.
    Gostava em menina de brincar com bonecas, mas não da terna displicência do meu avô, que só tinha conversas com o meu primo, mas não sabia do que falar comigo.  Identificava-me com as princesas das histórias de encantar, mas detestava que me apontassem as regras de comportamento "próprias de uma menina"sempre mais restritivas que as dos meninos - e ainda mais que fossem a minha mãe, as minhas tias e a minha avó a ditá-las.  Gostei de crescer com estas mulheres, mas revoltou-me perceber que, por razões diferentes, todas abdicaram de uma maneira ou de outra do que podiam ter sido só pelo facto de terem nascido com um par de ovários.
     Na vida adulta pus-me à prova. De um lado os meus ressentimentos e reivindicações feministas, do outro a realidade, esse tapete onde caí tantas vezes por KO. E tem sido esta a minha vida. Sempre a sopesar o que sou e o que somos. Eu e as mulheres. Eu e elas. Eu que sou elas.     Admiro as mulheres que dizem que se orgulham de ser mulheres, mas quando as oiço não consigo iludir a tristeza funda que me nasce da consciência de que o fazem pela necessidade de se afirmarem como iguais.    A misoginia, a doença infantil do homem das cavernas, continuará a discriminar, segregar, matar, estropiar e escravizar milhões de mulheres (e meninas) em todo o mundo. E é a consciência disto que me mata à nascença o prazer de pertencer à tribo e ainda mais de festejar esta data. Festejar o quê?
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           Relativizando o Dia Internacional da Mulher  (-por João André, em 08.03.15) 
    No Dia Internacional da Mulher uma confissão machista: não dou grande importância ao dia. Cumpro os rituais habituais: desejo um bom DIdM às mulheres importantes na minha vida, coloco um post no blog ou facebook, compro possivelmente uma flor para a minha mãe. Vejo contudo o dia como pouco mais que uma nova versão do Dia dos Namorados:   sem significado a não ser dizer que existe.
     Vejamos as coisas por este prisma:   para quem - como eu - entenda que as mulheres e os homens têm que ter uma efectiva igualdade de direitos e que a sociedade tem que criar condições para que estes existam (atendendo a que há diferenças muito reais entre homens e mulheres), o dia não tem grande importância.   Eu - e muitos outros como eu - não necessito de ser recordado da importância de lutar pela igualdade de direitos.   Para quem esteja no pólo oposto, a questão é ainda mais simples: o dia não fará qualquer diferença.    Para quem esteja algures no meio, dizer que o dia 8 de Março é o Dia Internacional da Mulher, sem mais, também pouco adiantará.
     O Dia Internacional da Mulher parece-me então ser uma espécie de esmola:  dão-se os parabéns às mulheres e siga a vida como sempre que a consciência está aliviada.
   Os direitos das mulheres, embora mereçam um dia para serem recordados, devem ser conquistados (e defendidos e usufruídos)  todos os dias, geração a geração, entre pequenos gestos e grandes acções.  Um dia como este só faz sentido se for usado da mesma forma que os feriados civis nacionais o são:  com actividades que chamem a atenção para o assunto. De outra forma, qualquer dia teremos as televisões a anunciarem os descontos do Dia Internacional da Mulher para quem compre uma dúzia de lírios.
 
-----  QUOTAS  mínimas  para  Mulheres  e  Homens.
       (-por Luís A.-Conraria,8/3/2015, http://destrezadasduvidas.blogspot.pt/2015/03/quotas-femininas.html)
       QUOTAS FEMININAS
   Nesta excelente entrada, a Sara P. diz que leva a sério o seu preenchimento da quota feminina neste blogue. É um assunto sempre muito debatido, devem as quotas ser impostas ou não? (Sim, enquanto não se atingir um nível digno de literacia e de igualdade liberdade e solidariedade).
    No ano passado, depois de algumas conversas com uma amiga (feminista), a verdade é que me fui tornando um activista da causa feminista e a considerar a hipótese de fazer parte de um movimento nesse sentido. Talvez por isso tenha ficado mais alerta. E houve um dia em que reparei que este blogue com sete co-autores não tinha uma mulher. E, verdadeiramente, pareceu-me absurdo.
    Por essa altura, decidi convidar 4 mulheres para fazerem parte do blogue. A Sandra M., a Sara P., a Vera G.B. (que por motivos profissionais teve de abandonar o blogue) e a Rita C.. Diga-se de passagem que eu já tinha pensado convidar cada uma delas antes. Apenas não o tinha feito porque pensava que não estariam interessadas. Mesmo assim, senti-me um pouco envergonhado ao convidá-las por atacado. Ainda por cima, a Sara P. reagiu logo a perguntar-me se eu a estava a convidar para preencher a quota feminina. Fiquei sem saber o que responder.
     Quase em simultâneo, e apenas por coincidência, fui convidado a escrever na Maria Capaz. E fui convidado precisamente para preencher a quota masculina dessa plataforma feminina/feminista.
     Tudo isto das quotas pode parecer a muitos um pouco absurdo. Mas a verdade é que alguns dos melhores artigos da Maria Capaz foram escritos por homens (incluindo o meu, diga-se). No caso deste blogue, permitam-me, mais uma vez, a falta de modéstia, a diferença foi fabulosa. Ganhou uma vivacidade, poder de choque e uma qualidade que não tinha graças às novas autoras.
    Talvez um dia, quando as empresas forem pressionadas a ter mais mulheres em lugares de topo, percebam isto mesmo. Só têm a ganhar. Não porque as mulheres sejam melhores (ou piores) do que os homens, mas, simplesmente, porque, ao considerarem a possibilidade de recrutar mulheres para lugares de topo, verão duplicada a sua base de recrutamento. E, obviamente, o melhor de entre 100 homens não poderá ser melhor do que a melhor pessoa de entre 200.
    Um bom Dia da Mulher para todas e para todos. Mas, em especial, para a minha mulher, que já percebeu que tem um tecto de vidro invisível para quebrar, e para as minhas duas filhas.     
  -----------    IsabelPS:
   Uma vez fiz parte dum júri, melhor dizendo, fui assessora dum júri constituído só por homens:   corrigi provas escritas e fiz perguntas nas orais de acordo com as minhas capacidades linguísticas, mas só eles tinham direito de voto.
    Para meu grande espanto constatei que quando eu fazia uma pergunta a um homem era frequente que ele respondesse duma forma para mim inesperada, quando os meus colegas faziam uma pergunta a uma mulher, acontecia muitas vezes o mesmo:     a resposta delas, que me parecia perfeitamente razoável, era visivelmente muito surpreendente para eles.
    Tornou-se-me evidente (por isto e por outras coisas que não tinham a ver com género) que os "grupos" tendem a seleccionar quem seja semelhante a eles.    Não é por mal, nem é de propósito, mas pura e simplesmente quem seja diferente corre um altíssimo risco de não ser escolhido/ entendido nas suas respostas.
    Logo aí decidi que, se eu mandasse, os júris da minha instituição teriam de ser obrigatoriamente constituídos por homens e mulheres.   E desde então olhei para as quotas com outros olhos.
  -----------    Zé T.:
     À parte a justeza de acesso e participação das mulheres ...- convém introduzir as Quotas também para salvaguardar o acesso dos HOMENS, sim para proteger os FUTUROS candidatos do outro género a qualquer coisa, pois as mulheres (na sociedade portuguesa e ocidental) estão a conquistar/ obter a maioria dos lugares em várias profissões e categorias:
mais licenciadas, mais professoras, mais enfermeiras e médicas, mais dirigentes, ... mais vendedoras de loja, mais nas caixas de supermercado, ...
   Actualmente, nas listas eleitorais (de vários partidos) tem de existir uma pessoa de outro sexo/género em pelo menos 1 em cada 3 lugares (33%) ... - por mim está bem, no mínimo legal deveria ser sempre 1 em cada 5 (20%) para o outro género e poderia ir até 1 em cada 2 (50%) - mas devendo o lugar desta quota mínima ser na 2ª posição ou intercalada ... e nunca no fim (pois nessa posição geralmente fica de fora, em lugar dificilmente elegível, viciando o objectivo).
 
--- + Contratação Colectiva para diminuir Exploração (de mulheres e de homens)
             (-por j.simões,8/3/2015, http://derterrorist.blogs.sapo.pt/ )
         8 de Março de todos os anos, num país e sociedade que se quer melhor
     É por isso que é importante (a melhoria e defesa da legislação laboral/ código do trabalho,) a CONTRATAÇÃO COLECTIVA (e a respectiva acção dos sindicatos e a inspecção da ACT/Estado), porque lá vem, preto no branco, as categorias profissionais, as funções, as condições... e que para determinada categoria profissional corresponde determinada remuneração,   independentemente do sexo, e da única vez em que a palavra "mulher" aparece é num capítulo do acordo de trabalho que diz "alínea xis, gravidez".
      Faz-me confusão, muita confusão, quando ouço ou leio que as mulheres ganham menos que os homens para trabalho igual. (só pode ser) Nas empresas privadas, dos empresários criadores de emprego e mui liberais, a famosa rigidez patronal. Só pode.
     E sem Contratação Colectiva, sem Direitos Laborais, (e com a merd.. desta selvajaria neoLiberal, desreguladora, "flexível", ...) a EXPLORAÇÃO salarial não é limitada aos trabalhadores do género feminino (trabalhadoras) mas estende-se em especial aos "estagiários", aos precários (sem contrato ou com contrato de curta duração), aos "externos" das Empresas de Trabalho Temporário, ... aos mais fracos ou sem poder de negociação nem defesa legal efectiva.
 
     ... Da difícil, contínua e indefetível luta pelos Direitos Humanos das Mulheres, temos o exemplo simbólico no facto de só em 1975, a ONU ter proclamado o dia 8 de Março como Dia Internacional das Mulheres.
    Quanto à justeza da persistência desta luta, são tantos os argumentos, em pleno século XXI, que basta referir alguns dos problemas com que, nesta matéria, nos debatemos nas sociedades ocidentais:
  . desigualdades salariais, desigualdades de tratamento,
  . violência de género, violência doméstica, violência sexual,
  . assédio sexual, tráfico de seres humanos para efeitos de exploração/ prostituição,
  . exposição a estereótipos consumistas (publicidade, 'modelos') de mercados masculinizados
e tantas, tantas outras, maiores e menores formas de expressão de "machismos" e "micro-machismos"!...
    Isto sem falar na urgência de solidariedade que é preciso reforçar e promover, por esse mundo fora, noutras esferas civilizacionais,       em que as mulheres não têm direito de voto,  nem de estudar, não podem conduzir, não podem circular nas ruas sem estarem sujeitas à humilhação e falta de dignidade -que, muitas vezes, as próprias não reconhecem!- de cobrirem completa ou parcialmente o seu corpo,   onde lhes é negado o direito ao livre-arbítrio,   imposto o casamento forçado, a mutilação genital, a impossibilidade de determinar o seu futuro...   e onde são, simplesmente!, consideradas, nada mais, nada menos, do que mero património familiar e propriedade patriarcal.
----- Portugal e direito ao voto das mulheres  
 Hoje não é o «meu» dia coisíssima nenhuma: é de todos, homens e mulheres, que lutaram, e têm de continuar a lutar, pela não discriminação de metade da humanidade.
           Quanto a direito ao voto feminino, em Portugal foi assim:
      Tudo começou com o decreto 19.692, de 5 de Maio de 1931. Mas com excepções, como a de Carolina Beatriz Ângelo (na foto) que foi a primeira mulher portuguesa a exercer o direito de voto (nas constituintes de 28.05.1911), concedido por sentença judicial, após exigência da condição de chefe de família, dada a sua viuvez.
 
Em 1933 e em 1946 foram levantadas algumas restrições, mas só quase no fim de 1968, já durante o marcelismo, é que acabaram por ser removidas quaisquer discriminações para a eleição de deputados à Assembleia Nacional. (Depois do 25 de Abril 1974, o direito universal de voto passou a aplicar-se também às eleições presidenciais e autárquicas.)
 
----- Feminismo  e  anti-sexismo    (-J.Vasco, 24/2/2016, EsquerdaRepublicana)
   Quem acredita que homens e mulheres devem ter os mesmos direitos, as mesmas oportunidades, o mesmo valor,    quem está contra as imposições sociais impostas pelos papeis de género, e ainda mais contra qualquer lei que não seja cega perante o género e o sexo de cada cidadão  é (também)  anti-sexista.     Quem (luta porque) acredita que as mulheres têm menos direitos e oportunidades do que deviam ter   é (também)  feminista.
    As definições não são iguais, mas têm uma relação profunda. Numa sociedade onde as mulheres são discriminadas (negativamente) ou injustiçadas das mais variadas formas (muito mais do que os homens), quem tenha a lucidez de compreender essa realidade só é anti-sexista se for feminista. Numa sociedade que injustiça as mulheres, querer mais justiça e igualdade de oportunidades implica querer aumentar os direitos e oportunidades das mulheres. 
  E se é verdade que a implicação inversa não é necessariamente verdadeira, é fácil constatar que a esmagadora maioria das/dos feministas são-no por serem antes de mais anti-sexistas. Só uma ínfima minoria de feministas não é anti-sexista.
  Por outro lado, é possível ser-se anti-sexista sem ser feminista, mas isso exige um enorme grau de desconhecimento da realidade: uma imagem muito distorcida/equivocada a respeito da sociedade actual. Já tomei contacto com pessoas nesta categoria: dizem-se anti-sexistas e afirmam querer um mundo justo onde os homens não são privilegiados -  e eu acredito nelas - mas não se consideram feministas pois não consideram que as mulheres sejam significativamente mais injustiçadas/prejudicadas que os homens no contexto em que vivemos. Nalguns casos reconhecem algumas injustiças para com as mulheres, mas contrapõem outras injustiças sexistas para com os homens (por exemplo, em relação à custódia dos filhos) e alegam que as injustiças num sentido e noutro têm uma importância e gravidade semelhante, ou resultam apenas das escolhas livres feitas pelas mulheres. 
      Importa pois desfazer este profundo equívoco. Independentemente de pequenos rituais de etiqueta para os quais pode existir uma pressão social mais forte ou mais fraca consoante o contexto, ou algumas situações extremas (e raras) onde as diferentes expectativas sociais podem ser mais ou menos favoráveis a um sexo/género que outro, devemos centrar a discussão sobre a desigualdade naqueles aspectos que determinam grande parte dos recursos (em tempo e dinheiro) da esmagadora maioria da população: as tarefas domésticas e os ordenados.
     Sobre a primeira questão, os dados são claros (para Portugal: 17h de diferença; para vários países da União Europeia: cerca de 14h de diferença; para os EUA: cerca de 10h de diferença) - em média as mulheres passam muito mais horas que os homens a realizar trabalho doméstico. A discrepância é elevada o suficiente para que não a possamos atribuir exclusivamente a alegadas diferenças relativas a gostos ou preferências. Os indícios a respeito de uma pressão social inescapável e consequente são significativamente claros. Não posso deixar de destacar que estes são valores médios, e que existirão casos onde a discrepância será muito superior a esta. Vale a pena também destacar que os valores apresentados correspondem à carga semanal - cerca de 750h anuais é algo com um impacto tremendo na vida de qualquer um.
     Já no que diz respeito aos salários, sabe-se que existem disparidades salariais significativas (na UE podem oscilar entre os 3.2% na Eslovénia, 13% em Portugal ou 29.9% na Estónia, para uma média geral de 16.3%; nos EUA rondam os 22%), e mesmo que algumas delas possam ser atribuíveis a diferentes escolhas pessoais ou características físicas, é bastante clara a existência de uma discriminação sexista que não dá as mesmas oportunidades a todos.    A este respeito não posso deixar de falar de três estudos elucidativos (entre muitos outros):
      . A partir do momento em que as audições para contratações de músicos esconderam o sexo/género do candidato, a contratação de mulheres aumentou significativamente. Grande parte desse aumento deveu-se a esta alteração no processo de selecção.
       . O código informático escrito por mulheres foi aprovado no repositório GitHub a uma taxa superior à do código escrito por homens, mas apenas nas situações em que o sexo/género do autor não era conhecido.
       . Os salários dos indivíduos que mudaram de sexo foram afectados pela mudança: um aumento ligeiro quando a mudança foi do sexo feminino para o masculino, uma acentuada redução quando a mudança foi no sentido inverso.
      Perante o conhecimento destes factos (e muitos outros), qualquer indivíduo que mantenha a convicção de que não existe um desequilíbrio na nossa sociedade que desfavorece as mulheres ao nível dos direitos e oportunidades está simplesmente em negação. Se continua sem ser feminista, não é certamente anti-sexista.   ---


Publicado por Xa2 às 07:46 | link do post | comentar | comentários (9)

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