O Estado Novo deixou na sociedade portuguesa a vergonha de assumir que se é de direita. E os partidos não fogem a isso.
Numa democracia pluralista, a direita é tão importante como a esquerda. Aliás, uma não teria sentido sem a outra. É claro que o espaço político dos regimes pluralistas é mais complexo que a visão simplificada que esta dicotomia permite: há muitas direitas e muitas esquerdas. Mas a questão essencial a ter aqui em conta é que cada um dos lados da dicotomia necessita do outro. Apesar desta evidência, em Portugal a maioria das pessoas de direita continua a ter vergonha de se afirmar como tal. O leitor faça a seguinte experiência: pergunte a alguns amigos se se consideram de direita ou de esquerda. Muitos darão respostas do tipo "não me situo nessa dicotomia", ou então "a dicotomia esquerda/direita está ultrapassada". Aqueles que assim responderem serão, quase infalivelmente, de direita. Com efeito, o receio das pessoas de direita de se identificarem como tal é tão grande que isso as leva a negar a própria dicotomia esquerda/direita, apesar de toda a gente a usar. Isso deve-se, provavelmente, à vinculação da direita portuguesa ao Estado Novo e à necessidade que ainda sente de desmentir essa identificação. Nos países socialistas, após a queda do Muro de Berlim, passou-se muitas vezes o contrário: aqueles que eram de esquerda, para não se afirmarem como tal e se afastarem da herança do "socialismo real", diziam frequentemente - e alguns ainda dizem - não ser de esquerda nem de direita.
Uma outra forma de verificar a vergonha que a direita tem da sua própria posição política consiste em atentar nos nomes dos partidos desse lado do espectro parlamentar, gerados no pós-25 de Abril. A força política situada mais à direita intitula-se partido do "Centro Democrático" e, como se isso não bastasse, também "Social", o que não anda muito longe de "socialista".
O partido mais representativo da direita portuguesa, o partido de Ferreira Leite, chama-se "Social-Democrata", ou seja, tem a designação habitual dos partidos da esquerda socialista na Europa.
O discurso corrente dos partidos da direita mantém e alimenta o mesmo tipo de equívoco. É certo que Paulo Portas em algumas ocasiões se afirmou conservador e procurou ligar essa identificação ideológica a causas específicas, como os combates contra o rendimento mínimo ou a despenalização da IVG. Porém, a maior parte das vezes os dirigentes do CDS, e sobretudo os do PSD, têm um discurso que, por ignorância ou desonestidade intelectual, esconde o seu conservadorismo de base e insiste na linguagem enganadora da "social-democracia", do "liberalismo" ou do "centrismo". Note-se que no PSD é fácil encontrar pessoas que se situam numa direita extremamente conservadora, por vezes com posições mais radicais que as do CDS. Mas dificilmente o reconhecem e em nenhuma ocasião o explicitam. Também ao nível do discurso corrente, a direita portuguesa tem vergonha de si mesma. [ i , João Cardoso Rosas]
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