Segunda-feira, 26 de Outubro de 2009

1 Não há governos bons e governos maus. Há governos com bons ministros e maus ministros. Há ministros que se tornam boas apostas e outros que não passam de erros de casting. Em todos os governos há bons e em todos os governos há maus, porque em todos há boas e más políticas, boas e más reformas.

Tomemos o exemplo, próximo, do primeiro Executivo de José Sócrates.

Houve ministros muito bons. Teixeira dos Santos guiou as Finanças com acerto. Vieira da Silva fez uma reforma difícil e apreciada na Segurança Social. Luís Amado ganhou dimensão na passagem dos militares para os Negócios Estrangeiros (onde Freitas do Amaral, fosse pelo que fosse, não foi a "estrela" esperada).

Na escala seguinte houve ministros bons. Maria de Lurdes Rodrigues, por exemplo, ilustra o caso de uma pessoa a quem faltou em experiência política o que sobrou em coragem pessoal e dedicação a uma ideia de ensino público. O seu julgamento far-se-á substantivamente no futuro, sem histerismos nem manifestações promovidas por esse capataz do sindicalismo mais negativo que se chama Mário Nogueira.

E houve apostas que valeram zero, de Campos e Cunha (remodelado em poucos dias nas Finanças, e desde aí um opositor pessoal de tudo o que José Sócrates decida) a José António Pinto Ribeiro, de quem a Cultura se despede com alívio. Negativo foi também o percurso errante de Mário Lino nas grandes obras, a actuação de António Costa na Justiça, de Nunes Correia no Ambiente.

Houve ainda casos interessantes. Jaime Silva, contestado pelos lobbies da Agricultura e das Pescas, foi muito melhor do que apregoam os gastadores de subsídios e até Manuel Pinho teve em acção e empenhamento pessoal o que lhe faltou em discernimento político.

Não se podendo fazer um classificação absoluta, a média do anterior Governo é positiva. Suficiente mas positiva, numa conjuntura absolutamente delirante em termos económicos e com uma tradução catastrófica em termos de manutenção de emprego.

2 Sendo absolutamente disparatadas as "previsões" quanto à qualidade da acção do novo Governo - até porque também ele dependerá da conjuntura económica internacional, para além do desempenho dos ministros e da colaboração dos diversos sectores da sociedade portuguesa -, há, no entanto, reflexões que podem ser substantivamente tiradas do processo de formação deste outro elenco e dos nomes que o compõem.

Substantivamente, José Sócrates trabalhou rápido e conseguiu apresentar o Governo ao Presidente da República sem que ele já o conhecesse em parte pela comunicação social. Na actual fase da vida política portuguesa este rigor não é de somenos.

Substantivamente, há sinais civilizacionais importantes, como as cinco mulheres ou a procura de personalidades vindas de todo o País, da Madeira aos Açores, do Porto a Lisboa, de Aveiro a Évora. Estes detalhes são positivos e costumam estar presentes na formação de executivos em todo o mundo.

Substantivamente, nota-se a habilidade política do primeiro-ministro nas trincheiras que cava à sua volta para o combate político permanente que vai marcar esta legislatura. Alberto Martins na Justiça, Santos Silva na Defesa, Jorge Lacão no Parlamento mostram como Sócrates se rodeia de um núcleo de fiéis (onde se contam Silva Pereira, Vieira da Silva, Teixeira dos Santos, Rui Pereira e Luís Amado) nas pastas mais delicadas institucional e socialmente para não correr riscos na condução política.

Substantivamente, quase metade do Governo é uma incógnita. Percebe-se, apenas, que Sócrates quer dar sinais de que ouviu as pessoas e entendeu o sentido de alguns votos. Há aqui uma vontade de impor a imagem de humildade onde antes se assinalava a "arrogância" provinda de uma maioria que já não há. Por isso temos uma sindicalista no combate ao desemprego e outra na Educação, ambas com currículo, para ver se conseguem imitar o que Ana Jorge fez na Saúde, pacificando-a depois de Correia de Campos.

Substantivamente, a conjuntura é muito difícil em termos económicos e a oposição será mais forte quando o PSD encontrar finalmente um líder. O primeiro-ministro sabe que não pode cometer erros importantes, mas será talvez errado esperar um Governo conciliador e dialogante em excesso. Sócrates não é Guterres. Quer, com certeza, fazer bem. Mas quer, sobretudo, se um dia tiver de cair no Parlamento, na sequência de uma coligação das oposições, que os eleitores lhe não debitem a culpa. Esse cálculo político permanente vai, substantivamente, marcar a vida política nos próximos anos e também ele não é bom nem mau: é assim.

[Diário de Notícias, João Marcelino]


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