O novo Governo foi apresentado ao Presidente da República, na sexta-feira passada, sem que nada transpirasse para os meios de comunicação social. Um segredo bem guardado - o que é raro em Portugal - que evitou especulações.
É um Governo bem diferente do anterior, ao contrário do que dizem, com mudanças judiciosas e muito significativas. Com oito "repetentes", dois dos quais mudaram de pasta: Vieira da Silva (que passou para a Economia, Inovação e Desenvolvimento) e Augusto Santos Silva (para a Defesa Nacional). E oito novos ministros, um dos quais, Jorge Lacão, passa de secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros para ministro dos Assuntos Parlamentares, com uma enorme experiência política, de Governo e de oposição.
É um Governo minoritário, como se sabe, mas equilibrado, que procura evitar conflitos do passado, sem ceder, espero, no essencial, e disposto a criar um relacionamento mais dialogante com as oposições, os sindicatos e as corporações de interesses. Nesse aspecto, a nomeação da sindicalista Helena André, com uma grande experiência internacional e da OIT, para ministra do Trabalho e da Solidariedade Social, é uma escolha particularmente feliz.
O núcleo duro do Governo, com dois ministros de Estado: Luís Amado (Negócios Estrangeiros), Teixeira dos Santos (Finanças) e o ministro da Presidência, Pedro Silva Pereira, dá garantias de estabilidade de uma certa continuidade política criativa, a par de uma ampla experiência, quer no plano internacional quer no plano interno, o que é muito importante na actual situação de crise. Há ainda quatro veteranos do Governo e do Parlamento: Augusto Santos Silva (que, como disse, transita para a Defesa Nacional), Alberto Martins (na Justiça), Rui Pereira (na Administração Interna) e Mariano Gago (Ciência, Tecnologia e Ensino Superior) que são próximos e experimentados colaboradores do primeiro-ministro, de longa data.
Há ainda oito caras novas - e algumas inesperadas - no Governo. Resultam de escolhas pessoais do primeiro-ministro e, creio, dada a experiência que hoje possui, que terá tido razões fundamentadas para as ter designado. Entre elas, Isabel Alçada, que tem uma enorme experiência das questões de ensino, uma obra literária infantil, considerável e reconhecida, e uma cultura excepcional, assume talvez a pasta mais delicada, problemática e difícil. Mas há outras pastas - igualmente problemáticas - de grande importância e responsabilidade: a das Obras Públicas, Transportes e Comunicações; a da Agricultura e Desenvolvimento Rural; a do Ambiente e, sobretudo, o Ordenamento do Território; e, finalmente, a Cultura que, espero, o novo Orçamento possa dotar (como está prometido) de mais meios financeiros…
Resta-me desejar ao novo Governo os melhores votos de sucesso. Bem precisos são, dada a situação de crise global aguda que Portugal atravessa, como o resto da Europa e do mundo. E, repito, está longe de ter sido vencida.
Apesar de se tratar de um Governo minoritário, que corajosamente se assume como tal, não penso que seja um Governo de curta duração. Pelo contrário. Tem condições de calendário para durar toda a legislatura, a menos que surjam grandes acidentes de percurso, imprevisíveis. Dada a obrigatoriedade de eleições presidenciais, a um ano e poucos meses de vista, as fundas divisões da oposição, principalmente, a crise política de liderança que atravessa o PSD, o maior partido da oposição.
As oposições de direita e de esquerda não se entendem, minimamente, umas com as outras, para se atreverem a deitar o Governo abaixo, numa fase tão complexa e difícil de crise. Seria para elas, suicidário. O eleitorado pronunciou-se inequivocamente, tanto nas eleições legislativas como nas autárquicas, e, espero, agora, que os partidos respeitem a sua vontade. Se alguns o não fizerem - e são precisos dois ou mais para que isso aconteça - seriam gravemente penalizados. Com a agravante de não terem definido uma alternativa programática concertada e com credibilidade para propor ao País…
Vão, portanto, ser mais vivos - e interessantes - os debates no Parlamento. Seguramente. Espera-se isso, também, da nova composição da Assembleia, que tem muitas caras novas e jovens. A reeleição do presidente da Assembleia, Jaime Gama, com uma maioria tão expressiva, foi um excelente sinal de bom-senso. Depois de um período eleitoral tão longo, cortado por polémicas tão agressivas e personalizadas (o que em democracia é sempre uma má coisa), a febre desceu e o bom-senso - esperemos - irá regressar, como é próprio da maturidade democrática de uma democracia consolidada, como a nossa.
A comunicação social que temos - e que está em crise grave, como no resto do mundo - também, seguramente, vai cair em si e perceber que a intriga pela intriga, o fait-divers, desmentido no dia seguinte, a busca do sensacionalismo a qualquer preço, os ataques pessoais e as insinuações sem fundamento, a irresponsabilidade de tantos comentadores e a parcialidade das escolhas, não fazem vender mais jornais nem ter mais audiências. Antes pelo contrário. Desacreditam os meios de comunicação social, que é o pior que lhes pode acontecer, numa fase de tão grande incerteza. O que paga, realmente, é a ponderação das notícias dadas, a isenção dos órgãos de comunicação, a qualidade dos jornalistas, que respeitem a deontologia profissional estrita e a elevação do nível cultural e cívico dos noticiários e dos debates.
Contudo, donde podem surgir maiores dificuldades para o novo Governo, nesta nova legislatura, não é dos partidos, do Parlamento, nem da comunicação social. É - e isso não é de estranhar - do aperto da crise que vivemos, do desemprego, das desigualdades, da situação social em crise e das corporações que têm interesses sectoriais a defender e, algumas vezes, o fazem sem ter em conta o interesse geral ou nacional. Os parceiros sociais (sindicatos, associações patronais ou outras e as ordens profissionais), bem como as associações que facilmente se criam e estruturam, numa democracia participativa, para explorar e pseudodefender, certos sectores com dificuldades específicas, têm de ponderar as críticas e as formas utilizadas de contestação. Para não se desacreditarem também. Por outro lado, o Governo deve estabelecer canais discretos de diálogo, para que a informação circule e o eventual descontentamento lhe chegue em tempo oportuno.
José Sócrates é, a meu ver, o melhor primeiro-ministro que Portugal poderia ter, na actual situação. O mais competente, o mais determinado e corajoso, o mais conhecedor das realidades que temos à nossa frente para vencer. Provou-o nos debates e nas campanhas. Os eleitores, apesar dos motivos de queixa, tantas vezes invocados, não se enganaram ao votar no PS. Aprendeu muito nestes anos de Governo e, principalmente, nos últimos anos de crise aguda. É hoje um homem diferente, mais moderado e contido. Mas o pior está ainda para vir. Não tenhamos ilusões. Esperemos que haja bom-senso e decoro, que terminem os ataques pessoais e as insinuações sem provas, que só serviram para vitimizar o primeiro-ministro e tentar desacreditar a democracia, o nosso principal bem. Sócrates merece ser ajudado. Digo-o com isenção, por ser a expressão do que penso, desinteressadamente, e tendo em vista o melhor para Portugal.
[Diário de Notícias, Mário Soares]
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