Costumo passar com alguma frequência pela Rua José Estêvão, na zona da Estefânia, pois trabalho ali perto. A rua está cheia de prédios modernos à excepção dos números 12 e 14, dois pequenos e lindíssimos edifícios de andares com fachadas de azulejos bem conservados, varandas antigas com grades rendilhadas de ferro. Estão já no fim da rua, perto da entrada para o Quartel da GNR do Cabeço de Bola.
Ao passar olho sempre com muita tristeza para o número 14, ainda sem qualquer placa a recordar o trágico evento da noite do 19 de Outubro de 1921. Em especial olho para o segundo andar do prédio. Não sei quem lá mora agora, mas sei que naquela noite trágica há 89 anos atrás, residia lá o almirante António Maria de Azevedo Machado dos Santos, o herói da Rotunda, o homem que após o suicídio do almirante Reis aguentou valentemente uma pequena força de revoltados militares e civis da carbonária que conseguiram, por fim, a vitória do 5 de Outubro de 1910, implantando o regime republicano em Portugal.
Eram duas da madrugada daquele dia 19. A Camioneta Fantasma parou à porta do 14, um grupo de marinheiros dirigidos pelo primeiro-cabo Abel Olímpio, o sinistro assassino conhecido pelo Dente de Ouro, saltaram e obrigaram o guarda nocturno a abrir a porta do prédio para subiram as escadas, batendo com as coronhas das espingardas nas paredes. Acordaram todo o prédio. Batem com força à porta do almirante, a esposa de Machado dos Santos pergunta quem é, marinheiros, respondem. Queremos o Machado dos Santos, tem de ir falar com o capitão Procópio de Freitas – ou abrem ou bombardeamos o prédio.
Logo de seguida disparam para a porta do almirante. Machado dos Santos abre a porta, decidido a enfrentar os energúmenos e pergunta –O que querem? Os energúmenos apontam-lhe as espingardas engatilhadas e dizem ao que vêm.
É de mais – protesta o almirante – vocês esquecem-se que sou vosso superior! Almirante!
O Dente de Ouro, sem respeito por nada e arrogante bate com a coronha da espingarda no chão e diz que vai a bem ou a mal.
O almirante veste-se e mete algum tabaco no bolso, enquanto a esposa, temendo o pior, grita: Ai que mo vão matar! Qual matar! Olha que ideia! – diz cinicamente o sinistro primeiro-cabo. – Nós lavamo-lo ao Arsenal a trazemo-lo já, comenta outro dos marinheiros.
O almirante desce e entra para a camioneta, ficando ao lado do Dente de Ouro. Esta arranca e passa pela porta de armas do quartel da GNR, cujas sentinelas assistem a tudo sem intervirem. Lá dentro estavam duas companhias de infantaria e um esquadrão de cavalaria bem armados.
A Camioneta Fantasma leva o terceiro membro do Governo de António Granjo para o assassinar. Governo que se tinha demitido ao fim da manhã do dia anterior, entregado o poder ao então presidente da República António José de Almeida. António Granjo e José Carlos da Maio eram já cadáveres. Ali perto, no Largo do Intendente, o veículo dos assassinos pára por avaria no motor.
O Dente de Ouro ordena então ao almirante – desça almirante, vai ser fuzilado. A ideia era fazerem o trabalho no Arsenal da Marinha e trazerem-no para a morgue, ali perto, junto ao Hospital de São José. Os facínoras decidem que o herói da República tinha de ser liquidado ali mesmo. Dão-lhe alguns tiros que não o matam logo. Passa um carro com o empresário de teatro Augusto Gomes, ou já lá estava. Anos depois Augusto Gomes foi envolvido no estrangulamento da sua amante, a actriz Maria Alves.
Os facínoras metem o moribundo no carro do Gomes e ordenam ao condutor para o levar para a morgue, seguindo alguns facínoras no mesmo. O carro pára e aparecem os maqueiros da morgue, mas o almirante ainda estrebuchava. Logo ali. Frente aos maqueiros, acabam com a vida do herói com coronhadas na cabeça e mais uns tiros.
Hoje, as autoridades do País discursam sobre a primeira revolta da República, o 31 de Janeiro, mas será que Cavaco e Sócrates sabiam que o assassinato de um governo inteiro e demitido foi feita na sequência de um golpe de estado dirigido por uma dos heróis do 31 de Janeiro, o então tenente Manuel Maria Coelho e, a 18 de Outubro de 1919, auto-nomeado presidente de da Junta Dirigente do Movimento Revolucionário Nacional. Nessa altura era coronel e estava em Belém na tentativa de depor o presidente da República António José de Almeida.
Não há provas que o coronel Coelho tenha ordenado o assassinato do ex-presidente do ministério António Grano e dos ministros comandante José Carlos da Maia e almirante Machado dos Santos, além de outros atentados, em que num deles foi ferido o Capitão Cunha Leal que não fazia parte daquele governo. Tinha ido ao Arsenal ver se salvava o Dr. António Granjo.
O industrial Alfredo da Silva estava na lista das pessoas a liquidar; fugiu para a Leiria, mas não deixou de ser aí alvejado a tiro, recolhendo em estado grave ao hospital. O ex-ministro de Sidónio e ex-chefe de Governo, o jornalista Tamagnini Barbosa, também esteve na lista. Um grupo de três polícias e um cabo marinheiro foi a Santo Amaro de Oeiras para assassinar o familiar de um dos nossos camaradas actuais, mas em longa discussão com o chefe da Estação foram dissuadidos de seguirem para vila, a fim de eliminarem o político. Ainda foi morto o intelectual Carlos Gentil num café do Chiado e um modesto motorista porque entrou em discussão com um dos grupos de facínoras.
O Ministro da Marinha, Ricardo Pais Gomes, foi procurado para ser assassinado, mas como estava em Viseu, sem que alguém soubesse, apanharam o seu chefe-de-gabinete, capitão-de-fragata Freitas da Silva conhecido pelo Coca. A ideia do o matar partiu do Palmela Arrebenta, um segundo-sargento da marinha. Com o sinaleiro da Armada José Maria Félix foi à casa do comandante Freitas da Silva que residia perto do Arsenal e trouxeram-no a pé pela Baixa, mas foram interpelados por uma viatura com soldados da GNR armados de metralhadoras, comandados pelo capitão Camilo de Oliveira que perguntou quem levavam preso. Responderam que era um oficial da marinha por ordem da Junta Revolucionária. É mentira – diz o capitão – a Junta não mandou prender ninguém. Tiveram que largar o comandante que deveria seguir no carro da GNR que o queria entregar no Arsenal, julgando que aí estaria a salvo. Antes de arrancar, o Arrebenta e o Félix gritam para os guardas que levam o Coca, enquanto aparecem outros marinheiros armados.
Cercada por dezenas de espingardas, o capitão Oliveira ouve a ameaça de que ou entrega o Cocas ou ficam aí todos mortos. Oliveira manda avançar o carro em direcção ao Arsenal onde julgava haver forças para o proteger, mas chovem os tiros e aos gritos ouve-se: Aí vem o Coca! Olha o Coca! Mata-se! Mata-se já! E de repente, caía no chão mais uma vítima da Noite Sangrenta.
Logo de seguida, os que rodeavam o cadáver do capitão-de-fragata, vêem o sargento Heitor Gilman de pistola em punho a empurrar o velho coronel Carlos António Botelho de Vasconcelos, tendo-o ido buscar à sua residência no 44 da Rua Gonçalves Crespo, em cuja vizinhança imediata residiam dois chefes do Movimento Revolucionário Nacional, Cortês dos Santos e Serrão Machado.
No pátio do Arsenal, o coronel tenta discutir com os seus assassinos e até oferece-lhes uma cigarreira. O sargento Heitor ainda lhe diz: Queres armar ao pingarelho? Pois reza o acto de contrição, entrega a alma ao diabo e mete a cigarreira no cu. Sabendo o que o esperava, o valente coronel dá a ordem de fogo junto ao portão do Arsenal. É trespassado por várias balas, cai no chão, mas não está morto. Da boca jorram golfadas de sangue. Os oficiais de serviço do Arsenal mandam remover o corpo e pedem à Cruz Vermelha para trazer um side-car que o levou para o Hospital de São José. Atiram o corpo do coronel para o veículo e Gilmann ainda aproveita para disparar mais tiro sobre o coronel. Os maqueiros da Cruz Vermelha cobrem-nos com a bandeira de organização humanitária, dizendo que está sobre a protecção da Cruz Vermelha, e levam-no para o Hospital onde chega ainda vivo para morrer dois dias depois num sofrimento atroz.
O então já ex-primeiro ministro, chefe do grupo liberal, António Granjo, demitiu-se na sequência da 25ª revolta em nove anos de República, a fim de evitar derramamento de sangue e procurou refugiar-se em caso do seu adversário política, Dr. Cunha Leal, que nada tinha a ver com o Movimento Revolucionário Nacional do coronel Coelho. Para tal seguiu pelas traseiras do seu prédio na Av. João Crisóstomo para a Av. Miguel Bombarda onde Cunha Leal, em casa, procurava festejar o aniversário da esposa. Cunha Leal recebeu logo o Dr. António Granjo, garantindo-lhe abrigo. Leal tinha amigos juntos dos nacionalistas, pelo que não esperava ser atacado e disse que sentia honrado em dar abrigo ao ex-chefe do Governo, apesar de dias antes ter querido bater-se em duelo com ele. Granjo não quis passar pelo ridículo de entrar pela porta das traseiras, pelo que foi pela porta da frente onde terá sido visto pela porteira que informou os soldados e civis armados que já andavam pelos quintais e ruas à procura do malogrado chefe do Partido Liberal.
Um civil acompanhado por dois GNR tentou entrar na casa de Cunha Leal pelas traseiras para levar o Granjo, mas o capitão Cunha Leal não deixou e disse que a Junta Nacional mandasse um oficial mais graduado que ele mesmo e responderia à pistola se quiser entrar em sua casa. O civil retirou-se.
Depois de vários telefonemas, Cunha Leal foi ao acampamento dos revoltosos na Rotunda tentar convencê-los que não tinha Granjo em sua casa e deveria levantar o respectivo cerco. Trouxe o capitão Guerra e encontrou vários oficiais que queriam levar o Granjo para o chamado couraçado Vasco da Ganha. Cunha Leal resolveu então acompanhar Vasco Granjo ao navio, julgando que a sua presença seria uma protecção suficiente. Granjo ainda deu um nota um escudo ao Zeca, o filho de Cunha Leal.
Cunha Leal e António Granjo sentaram-se ao lado do motorista, enquanto na caixa de carga seguia uma dezena de marinheiros. A camioneta seguiu para o Rato, a fim de não dar nas vistas, e pela Rua da Escola Politécnica, Chiado, Rua Nova do Almada e Arsenal. Ao chegarem ouviram uma vozearia assustadora: Cá vai preso o malandro! Mata-se já!
Cunha Leal quis proteger o corpo de António Granjo e disse que não tinha medo das balas dos marinheiros, pois também não teve das dos alemães na guerra. Separaram Granjo do Leal. Um oficial de nome Benjamim Pereira prometeu levar os dois para o Vasco da Gama onde estariam protegidos, mas meteu só o Cunha Leal com um marinheiro num bote. Ao aproximarem-se do navio, um dos sentinelas perguntou quem era o malandro que ia no bote, como o outro não respondeu, foi Cunha Leal que deu a resposta ao que o sentinela disse: Ah, é o malandro do ex-ministro das Finanças, pois toma lá uns tiros. Cunha Leal foi ferido no peito e acabou por regressar ao arsenal onde coberto de sangue encontra António Granjo que geme ao vê-lo assim e diz, tudo por causa da mim. Não pense nisso que me ofende – responde Cunha Leal. Alguns marinheiros fazem uns pensos a Cunha Leal e clamam: foi por engano, foi por engano, capitão. Levam o fogoso militar e tribuno para o hospital com os pensos desarranjados e a sangrar do pescoço e de outras feridas. O capitão Agatão Lança acompanhou Cunha Leal ao S. José e regressa rapidamente ao Arsenal para ver se salva António Granjo, mas é confrontado com triste notícia: - Mataram-no!
António Granjo tinha sido levado para o refeitório e um criado tentou refugiá-lo num pequeno quarto contíguo. Aí um grupo descobre-o e trá-lo para baixo. Granjo diz: sei que me querem matar!
Soou uma descarga. António Granjo caiu ao comprido, vertendo sangue por inúmeros ferimentos. Estava ainda nas últimas convulsões quando um clarim da GNR sacou da espada e a cravou no estômago com tal violência que atravessou o corpo e penetrou profundamente no chão. O facínora teve de pôr o pé no peito de António Granjo para retirar a espada vermelha de sangue.
Ainda o corpo de Granjo não chegara à morgue e já a Camioneta Fantasma saia do arsenal para no Rossio receber ordens do tenente Mergulhão, filho do proprietário da ourivesaria do mesmo nome, para prender José Carlos da Maia, oficial de marinha que se tinha destacado no 5 de Outubro de 1910. O comando da operação foi dado ao Dente de Ouro, Abel Olimpío, morador na Rua da Bempostinha Nº 11.
A camioneta segue para a Rua das Janelas Verdes onde toma conhecimento que Carlos da Maia mudara-se para a Rua dos Açores. Num primeiro andar, Carlos da Maia com a esposa Berta Maia observavam o seu bebé de poucos meses a dormir. Eram onze horas da noite.
Viemos buscá-lo para prestar umas declarações no Arsenal!, disseram ao prestigiado comandante Carlos da Maia.
À ordem de quem! Pergunta o comandante.
À ordem da Junta Revolucionária Nacional! respondem-lhe.
Então vão dizer ao Sr. Coronel Manuel Maria Coelho que mande um oficial da minha patente para me acompanhar!
Não pode ser! Responde o cabo marinheiro, tem de vir já.
Os marinheiros queriam deixá-lo, mas o Dente de Ouro disse que era o malandro que os tinha deportado para Angola a um pataco por dia, o que era mentira, pois o Dente de Ouro nunca foi para Angola.
Ao chegarem ao Arsenal, o Dente de Ouro grita: cá está o Barbas de Chibo! É preciso liquidar este bandido.
Ao sair da camioneta, Carlos da Maia leva coronhadas de vários marinheiros, enquanto os oficiais se retiram para o interior do edifício. Carlos da Maia procura segui-los e refugiar-se na sala dos oficiais. Alguém do primeiro andar dispara uma bala de pistola que acerta em cheio no cérebro do ex-presidente do Ministério.
O coronel Manuel Maria Coelho governou ainda durante um mês para ser “agraciado” com o posto de administrador da Caixa Geral de Depósitos.
No decurso das sessões do Tribunal Misto Militar que pretendeu julgar os fautores de tão execráveis assassinatos, a revista Seara Nova tomou partido pelos mandantes dos facínoras que, obviamente, não actuaram de moto próprio. Eram todos honestos republicanos, a culpada era a sociedade e os males do país. Os assassinados faziam parte da campanha que a Seara Nova tinha dirigido antes contra certos republicanos.
Os assassinatos resultaram do facto de o Partido Liberal ter ganho as eleições de 1921, embora os Republicanos Democráticos tivessem vencido em Lisboa.
Quando se quis levar os facínoras a tribunal muitas figuras conhecidas recusaram presidir ao Tribunal Militar. Foram o almirante Silveira Moreno, o general Gomes da Costa, o vice-almirante Hipácio de Brion
Após os acontecimentos caiu um véu de silêncio e nada se moveu para prender os culpados. Só o livro de Berta da Maia que interrogou o Dente de Agora é que revelou tudo o que se passou, mas sendo católica, foi muito atacada pelos católicos e pelos homens que fizeram depois o 28 de Maio. O Dente de Ouro chegou a dizer a Berta Maia que reproduziu no seu livro: os responsáveis dos morticínios, os criminosos, não ele (o presidente), não são os homens da camioneta. Não! O responsável, o único responsável, é o governo saído da revolução! O do coronel Manuel Maria coelho – herói do 31 de Janeiro, enquanto jovem tenente e depois aposentado da Caixa Geral de Depósitos.
Escrevo isto porque sei como foi dramática a vida da I. República, tal como a das República Alemã de Weimar, República Espanhola, Monarquia Liberal italiana e Romena, República Polaca e Finlandesa, etc. no pós-guerra de 1914-1918. Comparo este episódio ao assassinato em Berlim de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht em 1919 por um tal major von Pappen.
A Primeira República foi recordista mundial com 45 governos entre o 5 de Outubro de 1910 e o 30 de Maio de 1926.
Não foi muito diferente do liberalismo monárquico com mudanças frequentes de governo e ditaduras intermédias.
Por conhecer a história difícil do estabelecimento das liberdades em muitos países de que só a imensa tragédia da guerra de 1939-1945 conseguiu levar os políticos a aprenderem alguma coisa é que eu não me deixo escandalizar por tantas questiúnculas de reduzido valor que enchem este nosso blogue e esta nossa democracia que gostava que continuasse estável e progressista como tem sido.
Podia ser este ou outro nome.
O que interessa é que hoje ao fim da tarde nasceu em Lisboa um clube de Economia e Prospectiva. Um Think Thank bem preciso.
Entre nós há uma tremenda falta de debate nos diferentes domínios e uma tentativa forte no sentido de sustentar na sociedade o pensamento único.
Os seis fundadores deste clube (João Ferreira do Amaral, Manuel Caldeira Cabral, José Maria Brandão de Brito, João Confraria, António Mendonça e Luis Nazaré) são pessoas conhecidas, com trabalho produzido.que vão em sentido divergente do que se acabou de dizer. Registo, por isso, aqui o meu apreço pela iniciativa, desejando ao Clube (melhor, a Portugal, aos portugueses) um bom futuro.
O documento que acompanhou o seu lançamento, chamado CONSTRUIR O FUTURO, é um documento curto em linguagem simples e vê nas políticas públicas uma ferramenta com um papel especial no desenvolvimento económico e social do País.
Daí que parágrafo final intitulado "o futuro está ao nosso alcance" afirme:
"Portugal tem futuro. É certo que os desafios que temos pela frentes são difíceis de superar. Mas se soubermos explorar novos caminhos, jogando com os nossos recursos distintivos, potenciando o nosso capital humano e valorizando o contributo que todos podem dar numa sociedade mais inclusiva, se soubermos definir e realizar as politicas públicas necessárias, se não ficarmos bloqueados pelo discurso serôdio do imobilismo, se abandonarmos o fatalismo e a descrença e nos concentrarmos na acção, então Portugal poderá prosseguir um caminho de progresso e desenvolvimento."
Quem será sancionado de forma exemplar para que estas situações deixem de existir?
Provavelmente ninguém, como de costume, como quem diz, “continuem que nada de mal vos acontece", vivemos numa república, sim, mas de bananas.
“Bastante bem” vai um país quando um ditador (nas condições de trabalho e remoneratorias nas suas empresas) coloca o mesmo epíteto ao dignitário máximo do Estado.
Conforme divulga o DN de hoje, Carmona responsabiliza Santana
“”PJ fechou investigação, concluindo que a empresa municipal foi usada com fins políticos.
A Polícia Judiciária já entregou ao Ministério Público o relatório final da investigação ao chamado "caso EPUL" - que diz respeito a um negócio entre a empresa municipal de Lisboa e o Sport Lisboa e Benfica (SLB) no âmbito da construção do actual Estádio da Luz para o Euro 2004. Segundo o documento, a que o DN teve acesso, "conclui-se que a participação da EPUL se traduziu num grave prejuízo" para a empresa, "que ainda hoje se reflecte na negativa situação patrimonial". Responsáveis? Os ex-administradores apontam o poder político (executivo municipal). Carmona Rodrigues (arguido no processo) disse que tudo foi tratado por Santana Lopes.
Neste processo estão em causa os acordos celebrados entre a EPUL (Empresa Pública de Urbanização de Lisboa) e o Benfica, os quais se traduziram em milhares de euros de apoios àquele clube de futebol para a construção do Estádio. Isto verificou-se apesar de, como salienta a PJ no relatório, o então presidente da Câmara de Lisboa, Pedro Santana Lopes, ter afirmado publicamente que a autarquia não iria dar nem mais um euro para os clubes.
Há várias verbas em causa: a primeira diz respeito a uma factura de 8,118 milhões de euros apresentada pelo Benfica à EPUL para pagamento das obras dos ramais de acesso, um valor que ultrapassou em 1,296 milhões o estabelecido no contrato programa. Alguns ex-administradores da EPUL justificaram tal desvio com o pagamento de IVA, mas já numa auditoria da Inspecção das Finanças foi referido que "apenas 19% das despesas apresentadas respeitam a ramais e fiscalização de obras", duas componentes a que a empresa municipal estava obrigada através do contrato celebrado com o Benfica.
A EPUL comprou ainda ao SLB uns terrenos à volta do Estádio por 32 milhões de euros. Ora, como referiu no processo Pedro Castel Branco, gestor do projecto Benfica Stadium de 2001 a 2004, a empresa pública adquiriu um terreno que "havia sido cedido em tempos, pela Câmara de Lisboa ao SLB para a construção de equipamentos desportivos".
Por fim, há ainda uma transferência de cerca de 10 milhões de euros da EPUL para o Benfica "a título de participação em lucros na venda de 200 fogos do Vale de Santo António". Como é que foi calculado este valor? Luís Cantante de Matos, gestor do projecto do Vale de Santo António de Novembro de 2002 a Janeiro de 2009, disse à PJ que quer o prazo quer o montante previsto como mais-valia lhe "foram impostos como objectivos a atingir". "Desconhece como terá sido calculado o valor de 9,975 milhões de euros", lê-se no relatório da Judiciária.
Perante o quadro descrito pela Judiciária, a quem imputar responsabilidades? "Os responsáveis da EPUL refutam qualquer responsabilidade ao nível das negociações (...), afirmando que a actuação da EPUL obedeceu às orientações expressas do executivo camarário", diz o relatório final, acrescentando: "Por seu turno, os responsáveis políticos "lavam as suas mãos" relativamente às alegadas irregularidades.
Ouvido como arguido, Carmona Rodrigues (vice-presidente à altura dos factos) remeteu toda a responsabilidade para Santana Lopes, dizendo que "o dossier Benfica era directamente tratado pela Presidência" e que "apenas subscreveu um fax remetido à EPUL na ausência do Presidente e a pedido de um assessor".
Já Santana Lopes referiu (como testemunha) que o acompanhamento do projecto foi feito por ele e por Carmona Rodrigues, aludindo a acordos entre a CML e o Benfica do tempo de João Soares.””
- por José Guilherme Gusmão, em 27.1.10
- por José M. Castro Caldas
[em Ladrões de Bicicletas]
Segundo a maioria dos “opinion makers” da nossa praça, o regime republicano português comemora, este ano, o seu centésimo aniversário.
Convém relembra-lo, segundo o ideário republicano que levou à revolução do 5 de Outubro de 1910, deveriam ser observados, pelo menos, os seguintes Princípios Republicanos, enquanto apanágio destes regimes, como é o caso do português, os quais determinam a base da própria República e são assumidos como inerentes a uma prática política republicana, a saber:
1. Defender o Interesse Colectivo. A palavra "República", significa "coisa" (Rés) "pública (algo que faz parte do património comum). Este é o lema central do republicano: colocar o interesse comum acima dos interesses colectivos (corporativos), velando para que a comunidade saia beneficiada e não apenas alguns. Os interesses particulares são legítimos e devem ser respeitados, mas não se podem sobrepor aos interesses de todos;
2. Prosseguir a Equidade. O ideário republicano, forjado nas lutas contra os regimes absolutistas e ditatoriais, assumiu como matriz a exigência do primado da Lei, perante a qual todos são iguais. Ninguém está acima da Lei. A primeira missão do Estado republicana é garantir a imparcialidade e equidade na aplicação das leis da República; Mais recentemente foram publicadas leis discriminatórias que confundem o desempenho da função com a pessoa que a desempenha o que contradiz este princípio;
3. Respeitar a Legitimidade Democrática. A república, sendo um regime político que a todos pertence, deve assentar na mais ampla participação dos cidadãos na vida comunitária. O exercício do poder tem que ser periodicamente legitimado pelos votos dos cidadãos. Ora, sendo estes beneficiários do Bem Comum, têm igualmente o dever de contribuir com o seu esforço e inteligência para a prosperidade da comunidade de que fazem parte. Nada pior para um regime republicano do que um sistema político que limite a participação dos cidadãos ou favoreça a perpetuação do poder das mesmas pessoas (recusa de cargos vitalícios). Com frequência e conivência dos próprios lesados, os cidadãos, este principio é sonegado;
4. Defender um Projecto Colectivo. Uma comunidade republicana só pode subsistir se os seus membros se sentirem como fazendo parte de uma colectividade que não renega as suas origens, história e símbolos colectivos, mas que também trabalha para que as novas gerações venham a herdar uma comunidade mais próspera em todos os sentidos, dando desta forma continuidade a uma obra de génese colectiva. É necessário respeitar e integrar as minorias qualquer que seja a natureza e origem de tais grupos de pessoas;
5. Preconizar o Laicismo do Estado. A luta contra a intolerância religiosa conduziu os republicanos a defenderem a separação entre a Igreja e o Estado, proclamando a liberdade religiosa.
Contudo, tendo em conta que fomos governados por uma ditadura durante 48 anos e que o respectivo líder se afirmava como “nem monárquico nem republicano” é, pelo menos, de se duvidar se a Republica pode festejar, com tanta pompa e circunstancia, 100 anos de duvidosa existência.
Por ouro lado e, também, tendo em conta o estado em que o Estado e a sociedade se encontram, cujos princípios atrás enunciados ficam muito aquém do seu desiderato, sobretudo para os arredados da cidadania, os excluídos do trabalho, os com pensões tão vergonhosa e miseravelmente atribuídas, deveriam envergonhar os políticos e leva-los a serem mais comedidos com festarolas.
Na semana passada, as negociações com a direita avançaram a "bom ritmo", segundo Teixeira dos Santos. Diz-me com quem negoceias o documento que fixa a orientação da maioria das políticas públicas e dir-te-ei várias coisas: quem vai pagar a crise, os interesses que privilegias e, logo, quem és ideologicamente.
O congelamento dos salários da função pública e a continuação dos cortes no investimento público orçamentado, cujo peso no PIB não cessa de cair, indicarão que a austeridade é tão permanente quanto assimétrica: o fardo do ajustamento deve recair sobre os assalariados.
O aumento do desemprego e a existência de algumas centenas de milhares de desempregados que se arriscam a continuar ou a ficar sem quaisquer apoios, dada a recusa em mexer nas regras do subsídio, contribuem para o aumento do medo, que facilita as tarefas do capitalismo medíocre.
O CDS, claro, está mais preocupado com atacar os beneficiários do chamado rendimento mínimo, um dos menos generosos dos países desenvolvidos, propondo a sua amputação. Nas sociedades desiguais, o escrutínio do Estado tende a dirigir-se prioritariamente aos mais vulneráveis, ao mesmo tempo que os investimentos na segurança social são facilmente substituídos pelos investimentos na segurança pouco social: o CDS propõe mais polícia.
Entretanto, a manutenção de parcerias público-privadas tão opacas quanto ruinosas e a renovada pressão para novas privatizações de infra-estruturas públicas assinalarão que são sobretudo os grandes grupos económicos rentistas que podem estar seguros.
O incremento da justiça fiscal e da autoridade democrática perante os grandes interesses financeiros, também pouco escrutinados e "sacrificados", não são compatíveis com negociações à direita. Não é por isso de admirar que o governo se prepare para meter na gaveta uma das mais importantes recomendações do seu grupo de peritos na área fiscal: taxa de 20%, em sede de IRS, sobre as mais-valias bolsistas.
A perplexidade reina certamente entre os deputados que são socialistas e não conseguem compreender as razões desta violação dos compromissos eleitorais.
Na boa lógica dos efeitos perversos das más escolhas políticas que prolongam a crise, o défice pode nem sequer ser reduzido: no actual contexto, diminuir a procura pública diminui o crescimento e as receitas fiscais. Pouco importa.
O défice não passa de um mau pretexto para a continuidade do enviesamento de direita da política económica. Este enviesamento revela, melhor do que qualquer declaração, o perfil ideológico de quem, no fim de contas, consegue sempre entender-se com o PSD e com o CDS no campo socioeconómico.
Este é, definitivamente, o arco da nossa desgovernação neoliberal.
* Economista e co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas
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