Uns dias depois das eleições ia o Passos Coelho e a sua esposa a passar no Rossio onde estava um cego, a tocar acordeão.
Então, a Esposa de Passos Coelho puxou de uma nota de 50 Euros e deu ao cego. Este, contente com o gesto da Senhora, agradeceu-lhe. Prontamente, Passos Coelho disse para a mulher:
- Foste logo dar 50 Euros ao cego?
Responde a mulher:
- Cala-te! Se não fossem os "cegos", tu não eras primeiro Ministro!!!
Presos políticos: Há 38 anos, a partir das últimas horas de dia 26 e durante o dia 27 de Abril de 1974, foram, finalmente!, libertados os 116 homens e mulheres que o fascismo encarcerou... por motivos políticos! A não esquecer !
Ativista do Movimento Sem Trabalho foi constituída arguida e acusada de crime de desobediência por ter participado numa suposta manifestação/ "convocado uma manifestação sem autorização". A PSP agiu e diz que "não tem de justificar a sua atuação".
Resta dizer que a dita manifestação se compunha de 4 pessoas e consistiu numa acção de divulgação do movimento frente ao Centro de Emprego do Conde de Redondo.
Um caso verídico do ponto de vista de uma mulher qualquer
Os nomes dos protagonistas desta história verdadeira pouco importam. O essencial é tomarmos consciência do que se passa. E pelo andar da carruagem não faltará muito para se começarem a registar as primeiras prisões políticas do séc. XXI nesta "Europa civilizada" (pobre Zeca, que a esta hora estará a dar voltas na tumba...)
Primeiro, foi um elemento da Plataforma 15 de Outubro constituído arguido por alegada 'desobediência'. Tendo sido ele a convocar para a (primeira) manifestação em dia de Greve Geral em Portugal - e a informar as autoridades da realização da mesma (no passado dia 24 de novembro), foi interrogado e intimidado pela polícia e o seu acto classificado como criminoso por violar uma lei decrépita, anterior à Constituição da República, e segundo a qual não se pode efectuar manifestações em Portugal aos dias de semana antes das 19h00. Para os mais puristas, recorde-se que a dita lei é, no mínimo, contraditória em relação ao artigo 45º da CRP que garante o direito de manifestação, assim como à prática de 38 anos de democracia durante os quais se realizaram dezenas de manifestações aos dias de semana antes das 19h00.
Estava-se então a poucos dias da Greve Geral de 22 de março, data ainda suficientemente fresca nas nossas memórias para que não seja necessário recordar as famigeradas cargas policiais sobre manifestantes e não só. A manobra posterior do governo, que consistia em instruir os jornalistas no sentido de doravante se colocarem apenas de um dos lados dos acontecimentos, é tão-só uma anedota no panorama mais lato da estratégia do poder que, pouco a pouco, se vai desenhando perante as nossas vistas incrédulas: trata-se - as dúvidas esbatem-se a cada dia que passa - de um caminho já calcorreado antes e os sinais do déjà-vu multiplicam-se a tal velocidade que, mal temos tempo para reagir a um, já mais três ou quatro se impuseram entretanto. O lugar para onde nos dirigimos tem um nome, e para ele não vamos sós. O lugar chama-se fascismo e temos connosco nesta caminhada os outros países do sul da Europa. Escusado será talvez lembrar que há poucos - pouquíssimos - dias, o governo dos nossos vizinhos espanhóis (governo de direita do PP) anunciava com pompa e circunstância que os protestos "violentos" - seja lá o que isso possa querer significar - serão reprimidos e aqueles que os convocarem através desse tenebroso instrumento de terrorismo que são as redes sociais poderão ser punidos com pena de prisão até dois anos.
Mais alguns dias passaram e eis senão quando numa manhã qualquer de um dia qualquer toca a campainha de uma qualquer casa num qualquer bairro de Lisboa. A mulher que ali se encontra está de pijama. Há semanas que só sai à rua para levar os filhos à escola e fazer as compras - enquanto ainda lhe sobram uns euros que conseguiu poupar do último biscate que fez, seis meses atrás. Volta e meia também se força a sair da letargia para se encontrar com outras pessoas quaisquer que com ela partilham a condição de alguém que um dia teve um futuro brilhante à sua frente e mais tarde percebeu que, afinal, não se tratava de um futuro mas antes de um horizonte: sempre à vista mas de todo inatingível. Encontrar os seus pares, perceber que não está só, tentar incutir noutros a motivação que lhe vai faltando tornou-se para ela uma questão vital. Uma forma de sobrevivência mental como outra qualquer.
Toca a campaínha e não lhe apetece responder. Faz de conta que não está ninguém em casa. Até podia estar a trabalhar, como as pessoas normais. Mas do outro lado, o visitante insiste. Ocorre então à mulher qualquer que talvez no hall de entrada do prédio ao qual qualquer um acede sem dificuldade - a fechadura está avariada e quem não paga o condomínio não se pode queixar - esteja um subcontratado qualquer pronto a cortar-lhe a água ou o gás sem apelo nem agravo. Enfia um roupão e vai à porta. "Quem é?"
- Notificações - responde uma voz qualquer. - Notificações? - repete, como se o eco lhe revelasse o segredo escondido atrás daquelas cinco sílabas.
Entreabre a porta.
- Notificações do quê? - Ah, desculpe, não disse. É da PSP, Divisão de Investigação Criminal.
A mulher qualquer enquarquilha os olhos. "Então?"
- Tem aqui uma intimação para responder nesta divisão no próximo dia tantos do tal, na qualidade de denunciada. - Denunciada? - repete a mulher qualquer, incrédula - Denunciada do quê? - Ah isso não sei - responde o homem - Tem de assinar aqui, se faz favor.
A mulher assina, numa página, noutra, agora considera-se notificada, de quê não sabe, vai puxando pela cabeça tentando em vão lembrar-se do que terá feito, de quem terá feito queixa contra ela e porquê. Terá insultado algum taxista no trânsito? Discutido com algum vizinho? Quem? Porquê? Lê atentamente o papel que tem na mão buscando sem achar uma luz que lhe indique o que terá feito desta vez. Quando se passa 15 anos na precariedade o superego torna-se hiperactivo e por vezes algo irracional. Tortura-nos de forma nem sempre justa. É como diz o velho provérbio:
"Bate-lhes, bate-lhes, porque mesmo que não saibas porque é que lhes estás a bater eles sabem sempre porque é que estão a levar".
Mas ela não sabe e por mais que pense não se consegue lembrar de nada. Na notificação há um contacto telefónico. Liga. "O investigador fulano de tal não está, saíu à uma, agora só amanhã..... Não, é só mesmo ele que lhe pode dizer".
A mulher qualquer tenta não pensar no assunto. É dificil. Nunca tal lhe aconteceu antes. Não está habituada. Não que seja santa.
O resto da história já é do domínio público. Contemo-la do ponto de vista da mulher qualquer.No passado dia 6 de marçoa mulher qualquer dirigiu-se a um centro de emprego qualquer. Neste caso o do Conde de Redondo, em Lisboa. À sua espera estavam três ou quatro activistas com quem tinha urdido uma acção altamente subversiva: inscreverem-se no dito centro com o objectivo de passarem a fazer parte das estatísticas. Distribuir uns panfletos. Dar a conhecer um movimento de cidadãos recém-nascido visando a organização das pessoas sem emprego. Mas à sua espera estavam também alguns agentes da Polícia de Segurança Pública. Que prontamente perguntaram o que estavam ali a fazer aquelas pessoas quaisquer e quem se responsabilizava por aquela manifestação não autorizada. Pasmada, a mulher qualquer foi identificada enquanto tentava explicar que aquilo não era uma manifestação (como se tal não fosse evidente), mas um acto de inscrição simbólico. "Temos ordem para não os deixar entrar", disse um dos agentes. "Como assim, não nos deixar entrar? - questiona a mulher - Um cidadão não pode entrar num centro de emprego?"
Visivelmente incomodado, o agente afasta-se e faz uma chamada. Regressa. Que afinal os cidadãos podem entrar, mas separados. E sem panfletos. A mulher obedece, embora contrariada. Os outros também. Distribuem os seus panfletos e vão-se embora. No dia 26 de abril, a mulher qualquer é constituida arguida na Divisão de Investigação Criminal da PSP de Lisboa. É-lhe imputado o crime de desobediência, por ter alegadamente violado o Decreto-Lei n.º 406/74 ao "convocar uma manifestação sem a devida autorização". É-lhe aplicada uma medida de coacção: Termo de Identidade e Residência. Não se pode ausentar de casa durante mais de 5 dias sem dar conhecimento às autoridades.
O investigador encarregado do caso - que mobiliza recursos públicos, pagos com os impostos de todos os cidadãos quaisquer, incluíndo os dos desempregados não contemplados nas estatísticas - faz questão de informar a mulher qualquer que tem o direito de não prestar declarações já que o caso, à semelhança de outros anteriores, "é para arquivar".
Acontece que a mulher qualquer não quer que o caso seja arquivado. Porque os casos anteriores o foram, mas não deixaram de mobilizar recursos, energia e tempo de ambas as partes e porque a esquizofrenia punitiva só tem crescido. Porque pessoas quaisquer estão sem emprego e sem perspectivas de sair do buraco e todos os dias estão a ser levadas ao desespero. Porque o desespero, por sua vez, chega a conduzir algumas delas ao suicídio. Porque há quem queira que estas pessoas quaisquer tenham medo de sair à rua ou de abrir a boca para dizerem que estão fartas e que merecem uma vida digna. Porque agora, além de serem "preguiçosas", "parasitas", "inúteis" e "desordeiras", as pessoas quaisquer tornaram-se também "criminosas". Alvo de interrogatórios policiais. O que faltará para serem encarceradas?
Acontece que, como toda a gente já percebeu, a mulher qualquer sou eu mas podia ser qualquer outra. Acontece que esta mulher qualquer há algum tempo que se cansou de estar calada. Acontece que esta mulher cresceu a ouvir histórias do tempo da outra senhora mas nunca julgou vir a conhecê-la pessoalmente. Já tinha percebido que a liberdade de expressão era uma falácia, pois quem diz o que pensa não raras vezes paga cara a audácia. A esta mulher já custou 15 anos de precariedade. Acontece que esta mulher tem muito pouco a perder.
Claro que haverá sempre quem diga que esta mulher é precária porque não tem iniciativa. Porque é desajustada. Porque não é empreendedora, proactiva. Porque não veste a camisola. Porque tirou um curso sem saída no mercado de trabalho. Porque não se adapta às novas realidades. E porque fala demais mas trabalho que é bom, tá quieto...
Claro que haverá sempre quem diga que é um exagero tremendo falar-se em fascismo porque, afinal de contas, temos eleições livres, temos liberdade de expressão, de reunião, de manifestação. Desde que, claro, devidamente autorizadas. Sem dúvida. É um tremendo exagero. É que no tempo da outra senhora um ajuntamento de três pessoas já era considerado uma manifestação.
Hoje, no jornal Público, o economista e investigador Domingos Ferreira termina com estas perguntas o seu artigo intitulado "A desvalorização interna": Outro erro histórico será o de privatizar a Segurança Social e o Sistema Nacional de Saúde.
Estes senhores não sabem que nos EUA milhões de americanos perderam as suas poupanças e foram lançados na pobreza em resultado da falência de algumas companhias de seguros e de bancos?
Será que não sabem que uma em cada três famílias fica insolvente em resultado das elevadíssimas despesas do sistema de saúde privado americano?
Então não sabem que as despesas de saúde do tão "eficiente" sistema privado americano é duas vezes superior ao sistema de saúde público alemão ou sueco e três vezes superior ao Sistema Nacional de Saúde?
Porque insistem no erro?
Porque não reformam o cancro nacional que são as PPP?
Onde estão as reformas fundamentais para a modernização e revitalização da economia nacional?
Porque não abrem a economia fortemente oligopolizada e cartelizada à concorrência?
Porque não baixam os impostos às depauperadas pequenas e médias empresas?
Porque não introduzem moralidade no sistema e põem fim aos indevidos privilégios de alguns influentes?
Porque são sempre os mais vulneráveis a pagar?
Pois, disto nem se ouve falar.(-por Jorge Bateira , Ladrões de B.)
Mas estas políticas de austeridade, com a baixa de salários, a diminuição da proteção social e os cortes do gasto público, estão a criar um problema gravíssimo que se chama Grande Recessão, causada pela enorme queda da procura interna e pela escassez de crédito, e que é a causa da diminuição da atividade económica e com isso da descida das receitas do Estado (e o consequente aumento do défice e da dívida pública). Vicenç Navarro sobre as causas reais da crise. Quem quiser saber mais sobre a frente espanhola da crise e da austeridade e sobre as alternativas para as superar deve ler o livro Hay alternativas, que está disponível gratuitamente. De resto, e para escapar às vulgaridades quotidianas da sabedoria económica convencional em Espanha, é acompanhar os sítios de Navarro e de Torres López. (-por João Rodrigues )
Só senti vontade de vos contar um pouco - muito pouco - da complexa situação islandesa - quase incompreensível para nós - quando li este título: "Deco recebe 15 pedidos de famílias aflitas com dívidas". O exemplo extremo da Islândia, onde as coisas atingiram, graças à deriva ultraliberal do anterior governo, proporções dantescas, e as feridas profundas que isso deixou na pacata sociedade islandesa, são uma excelente lição. A dívida tem uma natureza absolutamente diferente de todos os problemas sociais. Até em países que há muito não conhecem a pobreza e que, sejamos francos, continuam a nem a cheirar. Ela cria um ambiente de ansiedade insuportável. Mesmo quando não está a ser paga. E, mais importante do ponto de vista da saúde democrática, criam uma asfixiante sensação - a maioria das vezes é mais do que uma sensação - de perda de liberdade. É como viver com um cutelo sobre o pescoço. E ninguém é autónomo nas suas escolhas se passar uma vida à beira da morte.
A dívida e o desemprego são as duas mais eficazes armas sociais de destruição de uma democracia. Provocam, como a violência arbitrária e incontrolável, uma constante sensação de insegurança. Por uma questão de auto-preservação, têm de ser as duas principais prioridades de uma democracia.
O endividamento das famílias, das empresas e dos Estados tem servido para discursos simplistas, que ignoram a mutação que se operou no capitalismo desde os anos 80. Hoje, toda a economia e toda a sociedade vive para financiar a banca e os mercados financeiros em vez de acontecer o oposto. O que tem de acontecer para voltar a pôr as instituições financeiras no lugar que lhes tem de caber é global e exige uma extraordinária coragem política - aquela que nem aos islandeses está a chegar.
A dividocracia - socorro-me do título de um documentário sobre a Grécia - é, depois das ideologias totalitárias dos anos 30, o mais poderoso instrumento de subjugação dos cidadãos e dos Estados a poderes não eleitos. Vencer a chantagem do poder financeiro - que alimenta a dívida e se alimenta da dívida - é, neste momento, a primeira de todas as batalhas de quem se considere democrata. É aqui que se fará a trincheira de todos os combates políticos deste início de século.
(- Maiakovski, início do séc. XX, poeta russo “suicidado” após a revolução)
Um dia vieram e levaram meu vizinho
Que era judeu
Como não sou judeu, não me incomodei.
No dia seguinte, vieram e levaram meu
Outro vizinho que era comunista.
Como não sou comunista, não me incomodei.
No terceiro dia vieram e levaram
Meu vizinho católico.
Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e me levaram;
Já não havia mais ninguém para reclamar …
(- Martin Niemõller, 1933, símbolo da resistência aos nazis)
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
(- Bertold Brecht, 1898-1956)
Primeiro eles roubaram nos sinais, mas não fui eu a vítima;
Depois incendiaram os ônibus, mas eu não estava neles;
Depois fecharam as ruas, onde não moro;
Fecharam então o portão da favela, que não habito;
Em seguida arrastaram até a morte uma criança, que não era meu filho…
(-Cláudio Humberto, em 9.02.2007 )
O que os outros disseram foi depois de ler Maiakovski.
Incrível é que, após mais de cem anos, ainda nos encontremos tão desamparados, egoístas, inertes e submetidos aos caprichos da ruína moral dos governantes e poderosos, que vampirizam o erário e o salário, aniquilam as famílias e instituições, e deixam aos cidadãos o Medo e o Silêncio …
Mas, talvez pior que a Escalada do mal, é o silêncio dos justos e a não-acção dos cidadãos. «O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons.»- Martin Luther King.
- Até quando ? …
Para reflectir, neste Abril-Maio em que a grande maioria de nós já baixou os braços...
Acordemos antes que nos tirem a Dignidade e a Vida.
Acordemos todos... Acordemo-nos uns aos outros... e tragam mais cinco…
«Nós desejamos contribuir para a formação de um poderoso movimento de cidadania, para uma insurreição de consciências que possa engendrar uma política à altura das exigências» - Stéphane Hessel, Edgar Morin - 'O caminho da esperança'
Um exemplo de justiça que se torna necessário seguir!
Até agora, sobretudo nas últimas duas décadas, não tem acompanhado ainda que se exija sempre que “o direito tem de estar atento à realidade” e que “o respeito e obediência à Lei e à constituição hão-de sempre exigir do juiz a consciência da atualidade dos novos desafios com que se defronta a realidade judicial, a consciência da mudança dos tempos e a consciência do papel garantístico da magistratura, como reduto intemporal”.
A sentença(www.asjp.pt: Despacho Crédito Hipotecário) feita jurisprudência, como é mister que venha a ser, convém, é cultural e eticamente necessário que seja, lida e divulgada, para bem de uma cidadania que tem andado, demasiadamente, ausente em todos nos e a todos os níveis.
Um presidente hipócrita, tendencioso, leviano, desconfiado, mentiroso, inculto e que chega ao insulto demagógico.
Não havia necessidade de um qualquer Estado ser assim tão enganado!
"Vemos, ouvimos e lemos não podemos ignorar ..." como diria a Sofia.
O que não há qualquer duvida é que a actual situação se deve, a diferentes niveis de responsabilidade, às atitudes e omissões de todos nós (bons e maus, em simultâneo) portugueses.
A vitória de François Hollande nas eleições francesas, com 28,8% dos votos, e uma possível vitória na segunda volta (não vale a pena fazer contas de somar, porque a extrema-direita nunca esteve, longe disso, no papo de Sarko - as sondagens indicam uma vitória do candidato socialista com 54%), abrem a porta para uma mudança na Europa.
Não me engano. Se vencer, Hollande não romperá com o consenso austeritário europeu. Talvez em França. Mesmo Sarkozy já tinha deixado claro que a austeridade, que é boa para os outros, não chegaria a Paris. Mas, como solução para os países periféricos, tudo indica que as coisas não mudarão radicalmente na Europa com estas eleições. Elas têm, no entanto, um valor simbólico indiscutível. A punição de Nicolas Sarkozy (26,1%), depois de se ter entregue, em grande parte do seu último mandato, ao triste papel de marioneta da senhora Merkel, pode ajudar a romper o eixo Berlim-Paris que durante anos garantiu a construção europeia e agora garantia a sua destruição.
Não é irrelevante o resultado de Jean-Luc Mélenchon, candidato da Front de Gauche - coligação entre comunistas e dissidentes de esquerda do PSF. Apesar de não ter chegado aos sonhados 15%, conseguiu uns reconfortantes 11,7%. Hollande vai precisar dos seus votos, o que pode implicar um referendo ao novo tratado. Um chumbo francês ao tratado pode ser o travão que tem faltado ao desvario autoritário alemão, que pretende não apenas impor limites burocráticos aos défices das Nações, mas um autêntico programa de governo vitalício, que destrói todo o sentido da própria democracia.
A alternativa a um governo que dependa da esquerda para governar ficou em terceiro lugar nas eleições. É o populismo xenófobo de Marine Le Pen, com uns assustadores 18,5%, o melhor resultado de sempre da extrema-direita francesa. Já muitos tinham avisado: a decadência das lideranças europeias traria os velhos fantasmas de volta.
Como um candidato centrista François Bayrou se ficou pelos 8,8%, Sarkozy depende dos votos da extrema-direita para ser eleito. E é a esse eleitorado que vai dirigir o seu discurso. Todos conhecemos a face mais sinistra de Sarko. Não hesitará em mostrá-la. Tem apenas um problema: para tapar a cabeça com o cobertor ficam os pés de fora. O eleitorado de centro não o seguirá se se dirigir à França mais racista. A segunda volta pode ser incerta, mas será mais fácil para Hollande contar com o voto certo dos eleitores mais à esquerda do que a Sarkozy fazer o pleno da direita.
Como última nota, ficou um aviso para duas estratégias falhadas à esquerda: a da fraqueza de uma pré-coligação com os socialistas sem qualquer condição prévia e sem a força dos votos - a ecologista Eva Joly teve apenas 2,3% dos votos -, como se as alianças futuras não exigissem nem votos nem conteúdo; e a do isolamento auto-satisfeito da extrema esquerda - o candidato Philippe Poutou, do Partido Anticapitalista, teve apenas 1,2%. A unidade exige votos e ideias, os votos e as ideias conseguem-se combatendo o sectarismo.
E em Françaapela-se à união e resistência da esquerda (-por Miguel Cardina)
... Lendo alguma coisa sobre as tendências de voto dos eleitores das candidaturas que não vão à segunda volta - e ouvindo já os apelos de Eva Joly e Mélenchon para que a 6 de Maio se derrote o "sarkozysmo" - não me parece claro que o actual presidente tenha a reeleição assegurada. Já seria uma pequena vitória. A juntar ao facto destas eleições terem visto emergir uma candidatura ampla de esquerda que soube resgatar um discurso como o que se pode ler nesta mensagem de agradecimento de Mélenchon:
A Escola da Fontinha era um edifício abandonado durante cinco anos, usado por toxicodependentes. Como é num bairro pobre, nunca Rui Rio se preocupou com isso. Um dia, um grupo de cidadãos resolveu fazer o que a Câmara não fazia: dar um uso àquele espaço. Arranjaram, limparam, pintaram.
E durante um ano aquele edifício abandonado foi usado pela comunidade: atividades culturais, acompanhamento escolar para os miúdos, aulas. As pessoas que ali trabalharamfaziam-no de graça. E isso Rui Rio nunca entenderá.
Muito menos a ideia de um grupo de cidadãos se juntar, na "sua" cidade, sem a sua superior autorização, para fazer alguma coisa pelos outros. Muito menos para desenvolver qualquer tipo de atividade cultural que não passe pelo seu crivo provinciano. Rui Rio matou a vida cultural do Porto, transformando uma das mais vibrantes cidades portuguesas numa pequena cidade de província. Porquê? Porque Rui Rio é um verdadeiro autoritário. Abomina a liberdade dos outros, a criatividade dos outros, a opinião dos outros.
Mas a Escola da Fontinha carregava outro perigo: ao usarem uma ruina da incúria do poder local para fazerem qualquer coisa de útil para os outros, coisa que todos os vizinhos agradecem e aplaudem, aquelas pessoas exibiam, sem terem de abrir a boca, a negligência do presidente da Câmara. E passavam uma mensagem que Rio não aguenta: se quem te governa não cumpre, faz tu. Muito menos quando quem o faz não procura o lucro.
O despejo violento de gente que usa um espaço abandonado, ao qual o Estado se recusa a dar uso, para ajudar a comunidade, é um excelente retrato da cultura política e cívica o poder Estado português. Não serve para servir a comunidade.
Serve para impor a vontade do governante. E para exibir o seu poder, não se importa de deixar um edifício emparedado no lugar onde alguém fazia alguma coisa de útil. O gesto autoritário do Presidente da Câmara, injustificável aos olhos de qualquer pessoa com o mínimo de sentido cívico, faz todo o sentido: não é Rui Rio que serve o Estado para este servir os cidadãos. É o Estado que serve Rui Rio para os cidadãos se vergarem ao seu poder.
Querem saber porque somos um país atrasado e subdesenvolvido? Porque admiramos a autoridade de homens como Rui Rio. Como se a força bruta fosse a única forma de poder que entendemos.
Do meu lado, aqueles que fizeram a Escola da Fontinha só podem merecer o respeito, admiração e solidariedade. Eles são, com a sua vontade e generosidade, quem pode fazer deste país uma sociedade decente. Rio, na sua soberba autoritária, é apenas um reflexo da estupidez arrogante do poder que nos atrasa há séculos. E não encontro melhor data para escrever este artigo do que o dia 24 de Abril.