Passou, na RTP2, um maravilhoso documentário com um monólogo de Vandana Shiva.org. São pessoas assim que às vezes me levam a acreditar na humanidade. Abordou : - a apropriação de sementes pelas grandes corporações/multinacionais; - a impossibilidade do modelo de crescimento/consumismo ocidental; - a necessidade de a humanidade se assumir como parte integrante do planeta.
No Correio da Manhã, Paulo Morais escreve com muito acerto a respeito daquilo que deveria ser feito quanto às rendas excessivas das PPPs (destaques meus): «Parcerias? Extinção! Os contratos de parceria público-privada constituem acordos calamitosos. Neste modelo de negócio, os riscos correm sempre por conta do Estado, mas os lucros estão inevitavelmente garantidos aos privados. Quando a troika chegou a Portugal, há já mais de um ano, exigiu a sua renegociação, e, ao tomar posse, Passos Coelho prometeu a redução drástica das rendas a pagar aos concessionários. Volvido um ano, parece que afinal o governo já desistiu desta redução. Em legislação recente, de 23 de Maio, que regulamenta esta matéria, Vítor Gaspar garante aos privados que "da aplicação do presente diploma não podem resultar alterações aos contratos de parcerias já celebrados, ou derrogações das regras neles estabelecidas, nem modificações a procedimentos de parceria lançados até à data da sua entrada em vigor." Com esta legislação, o governo coloca-se numa posição frágil e à mercê duma improvável generosidade dos concessionários.
Já não vai haver renegociações. De forma sintomática, o primeiro-ministro veio ao Parlamento prometer uma redução de trinta por cento em rendas que orçam em 40 mil milhões de euros, o que significaria uma poupança de 12 mil milhões. Mas, no mesmo discurso, admitiu que a diminuição será apenas de 4 mil milhões, uns míseros 10%. De novo, os "parceiros" foram poupados… Já que esgotou a possibilidade da renegociação, o governo deverá agora extinguir as parcerias. Deve proceder à expropriação por utilidade pública dos equipamentos ou até, em alternativa, modificar o modelo de contrato. A determinação do valor de expropriação obtém-se através duma avaliação independente do valor das infra-estruturas. As rendas pagas aos financiadores da nova operação serão certamente da ordem de metade das que hoje são pagas aos concessionários. Outra opção, a alteração do modelo de contratação, consistiria em converter as concessões em contratos de exploração. Sem quaisquer garantias para os privados, estes deverão partilhar as receitas, de forma justa, a troco do alargamento do período de concessão. Desta forma, o Estado ainda teria lucro. Há pois alternativas incontestáveis que defendem o interesse público. Só falta agora que a negociação em nome do Estado seja competente e séria.» Tomar tal acção pressuporia que os responsáveis políticos estão dispostos a usar estas e outras ferramentas políticas e jurídicas («contrato leonino») para defender o interesse público. Devo notar que para que o Estado saia beneficiado elas nem precisam de ser utilizadas: a própria disposição de a elas recorrer, se genuína, corresponde a uma ameaça credível que pode ser usada para que as coisas sejam resolvidas por simples renegociação, com o acordo de ambas as partes. Isso não acontece porque existe uma enorme promiscuidade entre o poder político e os interesses privados - afinal, foi essa a razão pela qual muitos destes contratos perniciosos foram realizados em primeiro lugar. A este respeito o PS teve uma enorme culpa, mas existem fortesindícios de que o PSD e o PP conseguem fazer muito pior. A promiscuidadeentre o poder políticoe os interesses privadostem sidoexcessiva, e hoje mesmo surgiu mais uma notícia a este respeito no jornal i, da qual cito: «O escritório de advogados CSM Rui Pena & Arnaut – de que é sócio José Luís Arnaut – tem como cliente a Rede Eléctrica Nacional (REN), ou seja, a mesma empresa onde o ex-secretário-geral do PSD ocupará o cargo de membro não executivo do conselho de administração. Contactado pelo i, José Luís Arnaut não quis fazer qualquer comentário sobre esta situação. Além da ligação que existe entre a sociedade de advogados de Arnaut e a REN, há ainda um outro factor que deixa dúvidas à deputada Catarina Martins, do Bloco de Esquerda: a influência que o mesmo escritório tem na legislaçãoestruturante do sector energético. A situação foi admitida pelo próprio sócio principal, Rui Pena, numa newsletter daquela sociedade: “Temos tido, desde os anos 90 do século passado, uma intervençãoprivilegiada na construção do edifício legislativo do sector energético.”» Uma vergonha.
Deixando de fora o Euro 2012 e o disputado encontro de Varsóvia, ontem, e simultaneamente com o desenrolar do 'match', no Conselho Europeu em Bruxelas, viveram-se - segundo se depreende - momentos de exigente e animado debate político.
Tratou-se do reavivar de um problema recorrente que tem sido sistematicamente agendado (adiado) para o médio prazo. Isto é, a regulação dos mercados de obrigações através da intervenção dos fundos de socorro europeus (FEEF e SEM).
Tal intervenção foi exigida - para já e com urgência - por Mario Monti e apoiada por Mariano Rajoy. link
Perante as constantes indecisões e ziguezagues sobre agendas de crescimento, project bonds e eurobonds e face à eminência de novos (mega)resgates (Espanha e Itália... e Chipre...), o enfrentar das progressivas pressões dos mercados tornou-se uma questão central e prioritária que determina a tomada imediata de decisões para a defesa da moeda única.
O Conselho Europeu terá dificuldades em delinear uma inflexão tão profunda no enfrentar da ‘crise das dívidas soberanas’ tornando equilibrado e transparente o acesso aos mercados de financiamento. Existem - dentro da UE - muitos e poderosos interesses em jogo, nomeadamente, questões de âmbito nacional e, a curto prazo, eleitoral. Todavia, o crescente número de países europeus 'encurralados' pelo desmesurado apetite dos mercados, algum dia (terá sido ontem?), teriam de'bater o pé' e apostar na Europa e no futuro comum.
Sendo assim, quando na próxima semana se disputar, no futebol, mais uma final europeia, seria bom que, neste caso, os dois países latinos envolvidos, estejam sob a pressão emotiva dos seus adeptos mas livres do silencioso cerco (garrote) dos mercados e das cíclicas indecisões de Bruxelas.
E, regressando à alegoria futebolística, em Kiev, na próxima final, que ganhe o melhor!
A diferença entre os antigos e atuais governantes de Portugal é que os primeiros honravam e defendiam o país e o seu povo contra os invasores e os de hoje são como «capachos» dos interesses das potências estrangeiras.
Se D. João I e o seu Condestável D. Nuno Ávares Pereira tivessem tido a mesma postura dos atuais governantes do nosso país, a Batalha de Aljubarrota e a lendária Padeira que defendeu o que era seu, matando com a sua pá vários dos invasores, nunca teria acontecido.
Com as políticas de agora a solução do nosso D. Cavaco e do seu condestável D. Coelho, seria a venda «padaria» aos «castelhanos», não nos permitindo ir à luta pela nossa soberania e honrar Portugal.
«Seguro quer eleição directa da Comissão Europeia para resolver crise política» Esta ideia é hoje defendida em vários quadrantes como via para aprofundar a legitimidade democrática da União, reforçar a Comissão Europeia e o "método comunitário" face ao intergovernamentalismo do Conselho e avançar na senda do federalismo europeu. Há porém pelo menos duas contra-indicações nessa proposta (de Seguro):
(i) a escolha do presidente da Comissão Europeia em eleição directa requer mudança dos Tratados da UE, e não se afigura ser possível unanimidade nessa matéria, o que inviabiliza à partida a solução;
(ii) a eleição directa conferiria um enorme peso aos países mais populosos da União (Alemanha, França, Reino Unido, Itália, etc.) na escolha do presidente da Comissão Europeia, maior do que o que têm no Parlamento e no Conselho. Sucede que há uma alternativa mais ortodoxa e mais praticável, explorando o que já consta dos actuais Tratados, quando estabelecem que o presidente da Comissão é escolhido pelo Conselho tendo em conta os resultados das eleições para o Parlamento Europeu. Desse modo, para que ele fosse escolhido em eleições bastaria que:
(i) os partidos políticos europeus se comprometessem a apresentar os seus candidatos a presidente da Comissão nas eleições para o Parlamento Europeu;
(ii) que os partidos políticos nacionais se comprometessem a seguir a indicação dos partidos políticos europeus a que pertencem e a apoiar a candidatura apresentada;
(iii) que o Conselho Europeu indicasse automaticamente para presidente da Comissão o candidato do partido europeu mais votado nas eleições europeias.
Não seriam precisas muitas eleições, para elas passarem a ser vistas como eleição do presidente da Comissão, como sucede ao nível nacional. Esta eleição "indirecta" do chefe do Governo é o sistema vigente nas democracias parlamentares, dominantes na Europa. A escolha directa do chefe do executivo só se verifica nos regimes presidencialistas ou aparentados. O federalismo não requer um regime presidencialista (veja-se o caso da Alemanha e da Suíça na Europa).
Na tradição parlamentar prevalecente na Europa, o presidente do "governo" europeu (a Comissão Europeia) deve ser escolhido através das eleições parlamentares e não em eleições nominais próprias, à maneira presidencialista. O que é preciso é aprofundar e completar a democraia parlamentar ao nível da UE.
[É preciso que o Parlamento Europeu tenha a plenitude de um verdadeiro órgão legislativo e fiscalizador da U.E. !; é preciso que a Comissão Europeia seja um verdadeiro Governo federal da U.E. e deixe de ser o "secretariado do Conselho" (de PMs nacionais) ou, pior, sejam 'frouxospaus mandados' dum directório (de 3 ou 2 ou um 1 ditatorial governante 'nacional') sem legitimidade democrática europeia !!e sujeitos/vergados a fortes pressões (com tráfico de influências, corrupção, cartelismo e nepotismo) de poderosos políticos nacionais/ internacionais ou de poderosíssimos lóbis financeiros e de grandes empresas multinacionais !!! ]
Mais do que assinar mais um manifesto, envolvi-me, com a minha assinatura e com o empenho que pretendo emprestar a esta iniciativa, na convocatória para a realização (em Outubro 2012) de um Congresso Democrático das Alternativas. Alternativas à austeridade, ao saque ao Estado Social, à receita criminosa da troika e às políticas de um governo extremista. Por agora, deixo-vos do texto da convocatória (apresentado hoje à imprensa) e o nome das primeiras 280 pessoas que a assinaram.
Resgatar Portugal para um futuro decente
“Só vamos sair da crise empobrecendo”. Este é o programa de quem governa Portugal. Sem que a saída da crise se vislumbre, é já evidente o rasto de empobrecimento que as políticas de austeridade, em nome do cumprimento do acordo com a troika e do serviço da dívida, estão a deixar à sua passagem. Franceses e gregos expressaram, através do voto democrático, o seu repúdio por este caminho e a necessidade de outras políticas. Em Portugal, o discurso da desistência e das “inevitabilidades” continua a impor-se contra a busca responsável de alternativas.
Portugal continua amarrado a um memorando de entendimento que não é do seu interesse. Que nos rouba a dignidade, a democracia e a capacidade de coletivamente decidirmos o nosso futuro. O Estado e o trabalho estão reféns dos que, enfraquecendo-os, ampliam o seu domínio sobre a vida de todos nós. Estamos a assistir ao mais poderoso processo de transferência de recursos e de poderes para os grandes interesses económico-financeiros registado nas últimas décadas.
Tudo isto entregue à gestão de uma direita obsessivamente ideológica que substituiu a Constituição da República Portuguesa pelo memorando de entendimento com a troika. E que quer amarrar o País a um pacto orçamental arbitrário, recessivo e impraticável, à margem dos portugueses. Uma direita que visa consolidar o poder de uma oligarquia, desmantelar direitos, atingir os rendimentos do trabalho (que não sabe encarar como mais do que um custo), privatizar serviços e bens públicos, esvaziar a democracia, desfazer o Estado e as suas capacidades para organizar a sociedade em bases coletivas, empobrecer o país e os portugueses não privilegiados.
Num dos países mais desiguais da Europa, o resultado deste processo é uma sociedade ainda mais pobre e injusta. Que subestima os recursos que a fortalecem, a começar pelo trabalho. Que hostiliza a coesão social. Que degrada os principais instrumentos de inclusão em que assentou o desenvolvimento do País nas últimas quatro décadas: Escola Pública, Serviço Nacional de Saúde, direito laboral, segurança social.
Este é um caminho sem saída. O que está à vista é um novo programa de endividamento, com austeridade reforçada. Sendo cada vez mais evidente que as políticas impostas pela troika não fazem parte da solução. São o problema. Repudiá-las sem tibiezas e adotar outras prioridades e outras visões da economia e da sociedade é um imperativo nacional.
Este é o tempo para juntar forças e assumir a responsabilidade de resgatar o País. É urgente convocar a cidadania ativa, as vontades progressistas, as ideias generosas, as propostas alternativas e a mobilização democrática para resistir à iniquidade e lançar bases para um futuro justo e inclusivo que devolva às pessoas e ao País a dignidade que merecem.
São objetivos de qualquer alternativa séria: a defesa da democracia, da soberania popular, da transparência e da integridade, contra a captura da política por interesses alheios aos da comunidade; a prioridade ao combate ao desemprego, à pobreza e à desigualdade; a defesa do Estado Social e da dignidade do trabalho com direitos.
É preciso mobilizar as energias e procurar os denominadores comuns entre todos os que estão disponíveis para prosseguir estes objetivos. Realinhar as alianças na União Europeia, reforçando a frente dos que se opõem à austeridade e pugnam pela solidariedade, pela coesão social, pelo Estado de Bem-Estar e pela efetiva democratização das instituições europeias.
É fundamental fazer escolhas difíceis: denunciar o memorando com a troika e as suas revisões, e abrir uma negociação com todos os credores para a reestruturação da dívida pública. Uma negociação que não pode deixar de ser dura, mas que é imprescindível para evitar o afundamento do país.
Para que esta alternativa ganhe corpo e triunfe politicamente, é urgente trabalhar para uma plataforma de entendimento o mais clara e ampla possível em torno de objetivos, prioridades e formas de intervenção. Para isso, apelamos à realização, a 5 Outubro deste ano, de um congresso de cidadãos e cidadãs que, no respeito pela autonomia dos partidos políticos e de outros movimentos e organizações, reúna todos os que sentem a necessidade e têm a vontade de debater e construir em conjunto uma alternativa à política de desastre nacional consagrada no memorando da troika e de convergir na ação política para o verdadeiro resgate democrático de Portugal. Propomo-nos, em concreto, reunindo os subscritores deste apelo, iniciar de imediato o processo de convocatória de um Congresso Democrático das Alternativas. Em defesa da liberdade, da igualdade, da democracia e do futuro de Portugal e do seu papel na Europa. E apelamos a todos os que não se resignam com a destruição do nosso futuro para que contribuam, com a sua imaginação e mobilização, para a restituição da esperança ao povo português.
Entre os mais de 300 subscritores desta convocatória (que podem ver na lista em baixo, apesar de lhe faltarem alguns nomes, que acrescentarei), há sindicalistas, deputados, militares de abril, jornalistas, académicos, dirigentes associativos, escritores, músicos, cineastas e cidadãos que se destacam pelo seu empenhamento cívico, com uma enorme abrangência política, social, etária e regional, com partido (do PCP, do BE e do PS) e independentes. Juntaram-se para organizar este congresso das oposições ao trágico caminho que a troika e o governo que quer ir para além dela impõem ao nosso país. Esperemos que o dia 5 de Outubro seja o começo de um processo que ajude a juntar pessoas em torno da construção de alternativas à austeridade. Em baixo, estão apenas os primeiros 280 promotores deste congresso. Espero que muito mais gente se envolva nesta tentativa de criar pontes entre pessoas que concordam em muito mais coisas do que por vezes julgam. (LISTA COMPLETA DE SUBSCRITORES )
«Em nome da crise e do combate ao défice e à dívida, promovem-se hoje, em Portugal e na Europa, políticas públicas que agravam dramaticamente as desigualdades e a pobreza e desvalorizam o trabalho. Estas políticas ameaçam o contrato social na base do qual foram estabelecidos os compromissos políticos e sociais que são o alicerce das relações de trabalho, dos direitos sociais e da provisão de serviços públicos que caracterizaram a configuração das democracias liberais europeias a partir da segunda metade do século XX e, mais tardiamente, em Portugal, após o 25 de Abril de 1974. Defender o Estado de Bem-Estar, o Estado Social consagrado na nossa Constituição, representa hoje defender a responsabilidade central do Estado na provisão e garantia pública de serviços e direitos essenciais dos cidadãos, como são o direito à saúde, à segurança social, à educação, à habitação, ao trabalho decente e com direitos. Significa assumir a solidariedade e a universalidade como valores intrínsecos do Estado Social. (...) Significa recusar uma política de austeridade que, em Portugal como na Europa, está submetida à lógica dos grandes interesses privados e dos mercados financeiros e que olha para o Estado Social como um fardo incómodo a eliminar em nome de uma pretensa competitividade económica. Significa debater, propor e defender alternativas que coloquem no centro das políticas públicas as pessoas e que assegurem um Estado Social robusto, sustentável e adequado aos nossos tempos, assim contribuindo para uma mobilização cidadã maior, mais determinada e mais esclarecida em sua defesa.»
Do texto de convocatória do Fórum cidadania pelo Estado Social, promovido pela Associação 25 de Abril, pelo Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações (SOCIUS/ISEG), pelo Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT/UL), pelo Centro de Estudos Sociais (CES/UC) e pelo Centro de Investigação em Ciências Sociais (CICS/UM), que terá lugar a 10 de Novembro na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Antecedido por debates preparatórios realizados em diferentes cidades do país, o fórum constitui um projecto de mobilização social e de aprofundamento do debate sobre políticas públicas capazes de assegurar a viabilidade e futuro do Estado Social, tendo em vista formular respostas alternativas às actuais políticas de austeridade, desigualdade e empobrecimento.
A cada nova revelação dos números da execução orçamental, confirma-se a ideia: o país está cada vez mais pobre, mas nem assim o défice de 4.5% irá ser atingido.
Passos Coelho e Vítor Gaspar prometeram-nos: a cura de austeridade - "além da troika", disse o primeiro-ministro várias vezes - era necessária ao abrigo do programa da troika. E fundamental para se atingir a meta do défice e assim voltar aos mercados em 2013. Mas Vítor Gaspar falhou. Redondamente, criminosamente.
A meta não irá ser atingida, como muita gente previu, tanto à esquerda como à direita. E ninguém poderá levar a sério o ar de surpresa de Gaspar. As consequências de uma política de empobrecimento seriam sempre estas. Aqui no Arrastão inúmeras vezes escrevemos: a austeridade leva a uma contracção da economia, o que significa mais desemprego, aumento das despesas com as prestações sociais, quebra das receitas fiscais, tantos os impostos sobre o consumo como sobre os rendimentos. Os aumentos sobre o IRS, IRC e IVA redundaram num contraproducente fracasso. O que o Governo esperava obter a mais esfumou-se com a crise.
E bem pode Vítor Gaspar culpar a conjuntura económica: é mentira. O resgate internacional levou a que os juros da dívida baixassem ao longo do tempo. A injecção de capital feita pelo BCE em Novembro passado permitiu que Portugal respirasse um pouco mais. Mas nem esta descida nos juros se deve a políticas do Governo: se o BCE não tivesse actuado, ainda estaríamos nos mesmos níveis que estávamos em Janeiro. E o crescimento das exportações - a menina dos olhos que também não se deve a políticas deste Governo - abrandou no mês passado.
Em dia de vitória da selecção, Vítor Gaspar confessou o seu falhanço. Mas a cada novo falhanço, o Governo aponta na mesma direcção - o abismo. No final do conselho de ministros extraordinário, Paulo Portas - quem terá obrigado o ministro dos submarinos a, por uma vez, dar a cara pelo Governo? - disse que a melhor notícia é terem já passado seis meses. Sem nada de bom para dizer, Portas refugiou-se na vulgaridade insultuosa. Os cálculos eleitorais do Governo deixam de fora o milhão de desempregados, os milhares de empresas em processo de insolvência ou a passar por dificuldades, os pobres cada vez mais pobres. O ideal seria, sabemos bem, que todos emigrassem. Para que o fardo das prestações sociais fosse um pouco reduzido e para que continuassem a crescer as remessas em dinheiro entradas no país.
E enquanto isto, os boys continuam a ocupar lugares no Governo e na administração pública. Enquanto isso, privatiza-se as empresas que dão lucro e guarda-se lugares na administração para as pantanosas criaturas que brotam do aparelho dos partidos. E enquanto isso, pressiona-se jornalistas, mente-se com todos os dentes e trafica-se influências a favor de amigos, confrades de avental e membros do partido.
"Tolerámos cumplicidades entre a esfera pública e a esfera dos negócios".- Vítor Gaspar, há minutos no debate da moção de censura do PCP. Tem toda a razão:
Fernando Lugo, um ex-bispo relativamente moderado mas apoiado pela esquerda na sua eleição, foi deposto do lugar de Presidente do Paraguai. Apesar de se terem cumprido, formalmente, todos os requisitos legais, a deposição-relâmpago do presidente eleito, em apenas 30 horas, por causa de 17 mortes num conflito entre a polícia e sem-terra, foi considerada, na generalidade dos países latino-americanos, como um golpe de Estado. E o novo governo tenta agora romper o quase completo isolamento internacional.
A esquerda latino-americana (e não só) que pretenda transformar uma realidade social injusta de forma mais radical está consciente de uma coisa: não tendo o apoio das elites económicas e das elites políticas tradicionais, nunca lhe chega uma vitória eleitoral. Independentemente do que se pense sobre cada um dos presidentes eleitos, as tentativas de golpes de Estado na Venezuela e na Bolívia e os golpes nas Honduras e, há mais de três décadas, no Chile, são um aviso de que nunca se podem esquecer: aqueles que se lhes opõem não desistem de os derrubar por todos os meios.
Mas não é apenas isto. As transformações a que se propõem exigem um apoio popular organizado. São terrivelmente difíceis e para as conquistar não chega deter um poder formal que será subvertido - como foi nas Honduras e no Paraguai - à primeira oportunidade. Nem chega o carisma dos seus líderes. Não chega ser, como Lugo era chamado antes das últimas eleições, "o bispo do povo". É preciso que esse poder esteja apoiado numa forte base social, organizada e combativa. E para ela existir são precisos resultados concretos.
Claro que Lugo, como Zelaya, Allende, Chavez ou Evo Morales, tiveram do seu lado, ao contrário de Fidel e Raul Castro, a legitimidade do voto. Mas quem quer ir mais longe tem de ter do seu lado a democracia em ação. E a democracia, pelo menos para governos desta natureza, passa por iniciar a democratização real das sociedades dos seus países.
Lugo caiu e não teve, nesse dia, mais de 500 pessoas a manifestar-se por ele. Caiu e apenas 4 senadores votaram contra este golpe. Caiu e teve de aceitar a sua queda sem resistência. Caiu e nem o partido que o apoiava, o Partido Liberal Radical Autêntico, uma força tradicional paraguaia sem qualquer história de combate social, esteve do seu lado. Isto porque a vitória de Lugo não resultou de um movimento político estruturado e com implantação popular. Lugo venceu por causa de Lugo. E Lugo não chega para defender Lugo.
Para vencer eleições e tudo ficar na mesma basta um homem que vença uma eleição. O resto já lá estará, nas elites económicas e políticas, para o defender. Para mudar um país um homem não chega. E esta, entre muitas outras, é a razão porque desconfio de movimentos personalistas de esquerda, como, por exemplo, o "chavismo". Há uma grande diferença entre um movimento social e político e um movimento carismático. Um depende do poder que as pessoas conquistam para si próprias, o outro depende do poder que um homem providencial momentaneamente lhes ofereça. E o personalismo tem sido um dos maiores pecados da esquerda latino-americana.
Fernando Lugo caiu por causa de um confronto entre as forças policiais e camponeses sem-terra. Ou pelo menos esta foi a razão que a oposição, maioritariamente de direita, apontou para a sua queda. A verdade é que, em quatro anos de poder, a realidade agrária do Paraguai não mudou. 1% dos proprietários continua a deter 77% das terras - 351 proprietários detêm 9,7 milhões de hectares (i.e. cada latifundiário tem em média 27.000 ha de terra !! ) -, enquanto 40% dos pequenos proprietários rurais, camponeses, tem apenas 1%. 350 mil famílias rurais vivem em acampamentos de barracas.
Quando venceu as eleições, Lugo prometeu nacionalizar 8 milhões de hectares para depois os distribuir entre as 300 mil famílias sem-terra. Não cumpriu e a situação até piorou. Como muito bem escreveu o jornalista Clóvis Rossi, da Folha de São Paulo, "se Lugo alguma culpa tem nessa história, não é a de ter ordenado ou provocado o incidente, mas o de não ter conseguido fazer a reforma agrária que prometeu ao assumir em 2008". Assim como não conseguiu inverter a situação relativa ao Tratado de Itaipu, assinado com o Brasil, que permite ao Paraguai usar metade da energia produzida por aquela central eléctrica, que garante 20% das necessidades energéticas do Brasil. Continua, tal como antes, a usar apenas 5% (que garantem 95% das suas necessidades) e a vender o resto a preço de custo.
Se tivesse feito a reforma agrária e mudado a política energética não teria contado com a oposição que contou? Seria bem pior. Mas seguramente estariam, do seu lado, bem mais do que 500 manifestantes. E sua destituição administrativa teria sido bem mais difícil. É esta a lição: a quem queira governar pelos mais fracos é indispensável o voto dos mais fracos. Mas ele não chega. Precisa do apoio ativo e organizado dos mais fracos. Quem nada quer mudar pode desiludir quem nele vota. É quase da natureza das coisas. Mas quem se prepara para um combate tão difícil, como o de destruir as estruturas que garantem uma pornográfica desigualdade, precisa de contar com o apoio comprometido dos destinatários das suas políticas.