Sábado, 23 de Fevereiro de 2013
Grândola Vila Morena …
Que nunca esmoreça!

Faz hoje 26 anos que o Zeca partiu… só fisicamente.
Ele continua, entre os seus amigos e o verdadeiro povo, bem vivo!
Dia dois e todos os dias
Porque saio à rua no dia 2 de Março
Os efeitos das políticas que têm vindo a ser seguidas são conhecidos: o
número de suicídios aumentou nos últimos dois anos* em mais de uma centena; o
desemprego, agora de 16,9%,
voltou a ultrapassar o máximo histórico; a
mortalidade infantil aumentou 24%;
65 mil jovens abandonaram o país no último ano tantas vezes
forçados pela falta de oportunidades; o
número de falências aumentou 62%; nunca o
crédito malparado das famílias foi tão elevado; a
fome tem aumentado, e
tem atingido também a classe média, em
particular as crianças. E
muito mais poderia ser dito.
Longe de terem sido sufragadas, estas políticas acontecem ao arrepio daquilo que foi
uma campanha eleitoral em que os partidos vencedores se bateram contra os «sacrifícios» impostos aos portugueses, alegando
intenções de fazer o contrário daquilo que hoje praticam. Fizeram pouco da
Democracia, desrespeitaram impunemente o eleitorado.
Estas políticas também constituem
ataque permanente (e irreversível), não só
contra a Constituição, mas contra as conquistas mais importantes da Revolução dos Cravos.
Perfilham um regime onde os direitos fundamentais são subalternizados a uma visão autoritarista do poder político, como se tem verificado na forma como são
ameaçados e
agredidos jornalistas,
perseguidos os movimentos sociais recorrendo a
detenções ilegais,
acusações infundadas,
práticas intimidatórias, vexatórias,
recusa ilegal de assistência de advogado, e de
muitas outras formas.
Estes
ataques à Liberdade acontecem num
clima de corrupção, despesismo, nepotismo.
Entre quem pratica estas
políticas criminosas e quem as aceita passivamente, existe uma cumplicidade que
destrói o país, destrói as
nossas vidas, e contribui para um mundo pior.
Dia 2 de Março é uma oportunidade para
mostrar que não queremos fazer parte deste silêncio cúmplice. Vou aproveitá-la.
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(e levarei familiares e amigos mais novos, que não chegaram a viver/sentir a DITADURA antes de 25Abril'74 e ainda não interiorizaram a riqueza imaterial de Participar em grandes manifestações cívico-políticas ... será, espero, uma lição de História ao Vivo de que se poderão orgulhar Futuro ! e dizer : EU ESTIVE LÁ ! )
Sexta-feira, 22 de Fevereiro de 2013
Em carta aos líderes da troika, o secretário-geral dos socialistas portugueses recusa a estratégia da “austeridade expansionista” que nos conduziu ao desastre financeiro, económico e social. Mais, e a meu ver bem, insiste na ideia de que sem crescimento económico e emprego não haverá “consolidação orçamental” nem se consegue pagar a dívida à troika. Como diz na carta, é uma questão de realismo.
O que já não é realista é imaginar que juros mais baixos e mais tempo para reduzir o défice e pagar esta dívida, gerando “um ambiente amigo do crescimento económico”, nos tiram do buraco em que caímos. De facto, mesmo que tal fosse admitido pela UE sem outras “condicionalidades”, não bastaria suavizar a austeridade para voltarmos ao crescimento. Infelizmente, esta ideia de que os défices, em si mesmos, são maus foi assimilada pela Terceira Via de Tony Blair, tal como outros princípios centrais da política económica neoliberal centrada na oferta.
Aceitando esta doutrina, aliás instituída nos tratados da UE, os partidos social-democratas europeus têm dificuldade em perceber que estamos perante uma enorme crise de procura agregada, uma crise que os erros da política económica europeia só agravaram. Os mais altos dirigentes socialistas não vêem que a política imposta pelo Tratado Fiscal Europeu impede os estados-membros de adoptar políticas criteriosas de relançamento da procura interna, as únicas que poderiam estimular o crescimento económico nesta conjuntura, como está à vista nos EUA e na América Latina. As elites da social-democracia europeia estão longe de perceber o essencial:
não há saída para a situação em que nos encontramos apenas com medidas de apoio ao investimento privado. Este, muito mais do que ter financiamento facilitado, precisa de encomendas. O essencial é que não há aumento da produção sem procura, muito menos investimento e recrutamento de novos empregados.
Chegou a hora de, finalmente, a sociedade portuguesa perceber que o Tratado Fiscal Europeu, ao travar a política que em escala adequada nos poderia salvar do desastre, fará de Portugal um país de emigrantes, envelhecido, pobre e definitivamente periférico.
Não foi este o projecto europeu a que Portugal aderiu em 1986, mas não é uma alternativa responsável ficar à espera das eleições alemãs de Setembro, ou da quimera de uma Europa federal e democrática, para sabermos se o país pode ser salvo.
Uma alternativa viável e portadora de fundada esperança existe, embora a maioria da população ainda tenha medo dela. À direita e à esquerda, são muitos os que infundem o medo enunciando as calamidades que ocorreriam se deixássemos o euro.
Uns dizem que não haveria dinheiro para salários e pensões na função pública – o que é falso, porque seria possível emitir moeda para cobrir o défice primário (défice sem juros) sem qualquer risco de hiperinflação.
Outros lembram que uma grande desvalorização corresponderia a uma perda equivalente no valor das poupanças – o que é falso, porque elas apenas seriam penalizadas por uma subida dos preços através dos produtos importados, portanto numa escala muito inferior.
Outros ainda dizem que os bancos iriam à falência – o que é falso, porque o estado deveria nacionalizá-los para garantir os depósitos e preservar o seu funcionamento, pelo menos enquanto gere a reestruturação da sua dívida externa.
Os argumentos contra a saída do euro, muitos deles revelando ignorância e má-fé, têm livre curso na comunicação social, enquanto os argumentos a favor são quase um tabu. Para sairmos desta crise vamos ter de vencer o medo que nos paralisa.
( * Economista, co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas)
Conversas sobre o Senso Comum, em Lisboa
Quinta-feira, 21 de Fevereiro de 2013
A unidade socialista de Coimbra não apagou dissidências. Há um grupo organizado que se prepara para marcar posição no PS (e preparam o pós-segurismo, à esquerda). No início dos anos 80, o sótão da casa de Algés de António Guterres funcionou como sede de conspirações do grupo do “ex-secretariado” do PS contra Mário Soares. Nunca se apresentaram com uma alternativa à liderança.
Hoje há um novo grupo de insatisfeitos que não se reúne em nenhum sótão e que até começou pela tentativa de um assalto à liderança, a contar com António Costa. Dentro do partido são conhecidos por “jovens turcos” e, depois de terem ficado órfãos de Costa, vão pelo menos aparecer como “grupo organizado” perante a actual direcção socialista.
Nunca uma situação se desenhou assim para o povo português: não ter futuro, não ter perspetivas de vida social, cultural, económica, e não ter passado porque nem as competências nem a experiência adquiridas contam já para construir uma vida. Se perdemos o tempo da formação e o da esperança foi porque fomos desapossados do nosso presente. Temos apenas, em nós e diante de nós, um buraco negro.
O «empobrecimento» significa não ter aonde construir um fio de vida, porque se nos tirou o solo do presente que sustenta a existência. O passado de nada serve e o futuro entupiu.
O poder destrói o presente individual e coletivo de duas maneiras: sobrecarregando o sujeito de trabalho, de tarefas inadiáveis, preenchendo totalmente o tempo diário com obrigações laborais; ou retirando-lhe todo o trabalho, a capacidade de iniciativa, a possibilidade de investir, empreender, criar. Esmagando-o com horários de trabalho sobre-humanos ou reduzindo a zero o seu trabalho.
O Governo utiliza as duas maneiras com a sua política de austeridade obsessiva: por exemplo, mata os professores com horas suplementares, imperativos burocráticos excessivos e incessantes: stresse, depressões, patologias borderline enchem os gabinetes dos psiquiatras que os acolhem. É o massacre dos professores. Em exemplo contrário, com os aumentos de impostos, do desemprego, das falências, a política do Governo rouba o presente de trabalho (e de vida) aos portugueses (sobretudo jovens).
O presente não é uma dimensão abstrata do tempo, mas o que permite a consistência do movimento no fluir da vida. O que permite o encontro e a intensificação das forças vivas do passado e do futuro - para que possam irradiar no presente em múltiplas direções. Tiraram-nos os meios desse encontro, desapossaram-nos do que torna possível a afirmação da nossa presença no presente do espaço público.
Atualmente, as pessoas escondem-se, exilam-se, desaparecem enquanto seres sociais. O empobrecimento sistemático da sociedade está a produzir uma estranha atomização da população: não é já o «cada um por si», porque nada existe no horizonte do «por si». A sociabilidade esboroa-se aceleradamente, as famílias dispersam-se, fecham-se em si, e para o português o «outro» deixou de povoar os seus sonhos - porque a textura de que são feitos os sonhos está a esfarrapar-se. Não há tempo (real e mental) para o convivio. A solidariedade efetiva não chega para retecer o laço social perdido. O Governo não só está a desmantelar o Estado social, como está a destruir a sociedade civil.
Um fenómeno, propriamente terrível, está a formar-se: enquanto o buraco negro do presente engole vidas e se quebram os laços que nos ligam às coisas e aos seres, estes continuam lá, os prédios, os carros, as instituições, a sociedade. Apenas as correntes de vida que a eles nos uniam se romperam. Não pertenço já a esse mundo que permanece, mas sem uma parte de mim. O português foi expulso do seu próprio espaço continuando, paradoxalmente, a ocupá-lo. Como um zombie: deixei de ter substância, vida, estou no limite das minhas forças - em vias de me transformar num ser espetral. Sou dois: o que cumpre as ordens automaticamente e o que busca ainda uma réstia de vida para os seus, para os filhos, para si.
Sem presente, os portugueses estão a tornar-se os fantasmas de si mesmos, à procura de reaver a pura vida biológica ameaçada, de que se ausentou toda a dimensão espiritual. É a maior humilhação, a fantomatização em massa do povo português. Este Governo transforma-nos em espantalhos, humilha-nos, paralisa-nos, desapropria-nos do nosso poder de ação. É este que devemos, antes de tudo, recuperar, se queremos conquistar a nossa potência própria e o nosso país.
Por José Gil, na Revista Visão
Custe o que custar nunca direi a verdade aos portugueses.
Há quem lhe chame de "mentiroso compulsivo". Na verdade o homem não acerta uma. tem feito, em tudo, o contrario do que prometeu aos portugueses.
O ultimo "desmentido", feito por Gaspar (o que significa que Passos mentiu), é sobre a afirmação "nem mais tempo nem mais dinheiro".
Finalmente a juventude deste país começa a afirmar-se e a afirmar que não quer que Portugal continue a ser governado por mentirosos. É preciso engrossar o protesto!
"Relvas foi vítima de actos inaceitáveis"
[Económico]
Francisco Assis diz que "a rapaziada usou de uma violência incompatível com a afirmação do primado da liberdade".
O deputado do PS, Francisco Assis, saiu hoje em defesa de Miguel Relvas, afirmando que os protestos que obrigaram o ministro dos Assuntos Parlamentares a sair da conferência da TVI sem discursar foram protagonizados por "um pequeno grupo de estudantes ululantes", com um "comportamento arrogante e intolerante".
Num artigo de opinião hoje publicado no jornal 'Público', Assis escreve que "essa rapaziada, com a minúscula desculpa de uma certa inconsciência, usou de uma violência incompatível com a afirmação do primado da liberdade".
Para este responsável, "Relvas foi vítima de actos civicamente inaceitáveis e, por isso mesmo, condenáveis. Ponto final".
Nota pessoal: A «política» só pode mesmo estar de «pernas para o ar»! Ou então o «rapaz» dito de «assis» está a candidatar-se ao elenco dos Gato Fedorento, digo eu, não sei.
Uma questão de tempo (-por Sérgio Lavos, Arrastão)
Não surpreende que o PSD e os
seus avençados mediáticos tenham escolhido a via da vitimização para tratar o caso do inimputável Dr. Relvas. Os piores
crápulas gostam sempre de fingir indignação quando são despidos em público. O que surpreende é a reacção de algumas pessoas de esquerda e uma ou outra luminária do regime que já veio botar faladura sobre o assunto.
Vamos lá ver as coisas como elas são: esta gente saberá o que é censura? O que é liberdade de expressão? Não saberão que a censura é sempre um acto de poder exercido pelo mais forte sobre o mais fraco? Uma limitação de expressão que visa calar opiniões contrárias, prévia ou posteriormente? Ontem, quando o Dr. Relvas entrou no ISCTE, rodeado de seguranças, e subiu para um palanque posto à disposição pela estação com mais audiências do país, quem detinha o poder? O ministro dos Assuntos Parlamentares, que tutela a comunicação social e decide os destinos do país, que tem o controle directo sobre os instrumentos que podem exercer a violência de Estado (a polícia e as forças armadas), ou um grupo de estudantes que diariamente sofre as consequências das políticas implementadas pelo Governo a que o Dr. Relvas pertence?
É de facto inacreditável que haja quem esteja, por ignorância ou pura má fé, a confundir censura com o que aconteceu ontem. Durante três minutos, os assobios, os insultos e os apupos ao Dr. Miguel Relvas sobrepuseram-se à propaganda ministerial. Os outros quinhentos e vinte e cinco mil e seiscentos minutos do ano são usados pelo Dr. Relvas para sobrepujar, humilhar e empobrecer os estudantes que ontem não o deixaram falar e deram voz à raiva e à humilhação sentida por milhões de portugueses. Confundir um direito em democracia - o direito à manifestação - com um instrumento das ditaduras - a censura - não é, não pode ser, sério.
O que muita gente parece não perceber é que a democracia não são aqueles breves dois segundos em que depositamos o nosso voto na urna. Os quatro anos (dois milhões, cento e dois mil e quatrocentos minutos) a que cada Governo tem direito não são um cheque em branco. Cada minuto passado no poder por cada um dos governantes tem de ser um minuto a prestar contas, não só ao seu eleitorado mas a todos os cidadãos. Um mandato de quatro anos não é uma ditadura provisória, durante a qual tudo pode ser legítimo, mesmo (e sobretudo) quando todas as promessas eleitorais ou o que está no programa do Governo não é cumprido.
O que o Dr. Relvas sentiu ontem foi a consequência imediata de um ano e meio de desvario, prepotência e desrespeito pelo povo que ele era suposto servir. Três minutos em que a democracia se sobrepôs à ditadura de quatro anos, que parece ser o modo como este Governo olha para o seu mandato. Não se perceber isto é não se perceber nada de nada. Um regime que ataca um grupo de estudantes contestatários (e não-violentos) para defender uma figura sinistra como o Dr. Relvas precisa urgentemente de repensar a sua natureza e existência.
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- Falemos de corrupção (11) (- títulos do CM: «Amigas de Portas colocadas em Londres, ganham concurso diplomático»; «Passos e Relvas investigados») . “Há jogos atrás da cortina, habilidades e corrupção. Este Governo é profundamente corrupto nestas atitudes a que estamos a assistir” - D. Januário Torgal Ferreira, 16/07/2012.
- No ISCTE não lhe deram equivalência : (e Relvas teve de abandonar a sala, protegido pelos seguranças... ficando sem sabermos 'como será o jornalismo daqui a 20 anos?').
- "Isto é um sítio privado, não tens direitos!" : Não se fiquem pela canção. Vale a pena tomar atenção ao estilo do moderador do 'clube dos "pensadores". (em defesa do seu convidado Relvas perante a 'Grândola...' e os insultos que lhe foram dirigidos da assistência ...)
- " Cada vez que um português encontre um ministro, um secretário de Estado ou um banqueiro ... cante-lhe a 'Grândola, Vila Morena'."- Paulo Raposo, do movimento "Que se lixe a troika".
- Pedro Rosa Mendes: « ... encontramo-nos na Rua. » também a 2 Março 2013.
Quarta-feira, 20 de Fevereiro de 2013
O poder do burocrata está em não se fazer entender (-por Daniel Oliveira)

Ia escrever sobre o caso da senhora de 79 anos que vive num bairro social do Porto. Tem as rendas em dia, não tem segunda habitação e não é rica. Tudo em ordem. Mas foi despejada por não ter respondido a notificações exigindo a apresentação nos serviços de declaração de IRS, recibos de vencimento, prova efetiva de ocupação do fogo e prova de inexistência de uma segunda habitação. O filho, que deveria ter entregue tudo isto, disse ao JN: " não sei se entreguei ou não, porque
ia lá e faltava uma coisa e depois outra...".
Henrique Monteiro antecipou-se. Como sobre o despejo, a frieza burocrática, a insensibilidade social e a incapacidade de resolver os problemas junto das pessoas disse tudo o que havia para dizer, quero aproveitar o mote que aqui deixou: "eu também me farto de receber papelada do Estado em casa e, muitas vezes, não percebo o que querem. É papelada com palavras a mais, citações de leis a mais e língua portuguesa a menos. Muitas vezes desespero e vou lá e não percebo que raio mais eles querem." Ou seja, quero falar aqui da complexidade da burocracia como forma de (abuso de) poder. Em coisas graves como estas e em coisas simples como uma multa de trânsito.
Acho que posso contar pelos dedos de uma mão as vezes que recebi uma notificação das finanças e percebi se devia alguma coisa, quanto devia e porque é que devia. E considero-me uma pessoa razoavelmente informada, que domina moderadamente a lei e a língua portuguesa.
Em alguns casos, trata-se de uma incapacidade. A mesma que leva a escreverem-se leis de interpretação duvidosa.Quem não sabe escrever ou falar não se sabe fazer entender. E quem não se sabe fazer entender não está capacitado para estipular as regras da vida social e de as aplicar. Porque leis e normas escritas, assim como a sua aplicação, se fazem através de palavras. E é tão doloroso ler algumas leis. Não tão doloroso como ler alguns acórdãos assinados por meritíssimos juízes.
Mas, em muitos casos, é bem mais do que isto que está em causa. Na minha infância, os meus avós, quando me queriam esconder uma coisa, falavam francês entre si. Aquilo, aos meus ouvidos infantis, fazia deles pessoas portadoras de segredos extraordinários. Coisas que me estavam vedadas e que deveriam ser ou sórdidas ou maravilhosas. E isso dava-lhes um poder absurdo. Até que aprendi francês e tive uma das maiores desilusão da minha vida. Desconhecedores que eram, como são todos os avós (e quase todos os pais), do que as crianças já sabem mas não dizem à sua frente, as suas conversas eram, na realidade, bastante desinteressantes para mim. Por vezes falavam mal, de forma inofensiva, de alguém. Outras trocavam piropos de outros tempos, que, na década em que eu cresci, já eram quase pueris. Quando percebi finalmente as suas conversas mais secretas o seu poder desvaneceu-se. Deixaram de ser adultos sábios e passaram a ser velhinhos inocentes. É que as palavras, mesmo quando são ditas na nossa língua materna, não se limitam a revelar. Também escondem. Não exibem apenas o poder que se tem, simulam o poder que se queria ter. E ao simulá-lo, esse fingimento torna-se em poder real.
O jargão académico, por exemplo, pode ser necessário. Por resultar de um acordo entre especialistas, que se traduz numa maior economia descritiva e num maior rigor na utilização de conceitos estabilizados. Mas muitas vezes tem apenas duas funções.
A primeira: selecionar quem é e quem não é da tribo, não por ser capaz de compreender ideias que por vezes são simples para todos, mas por poder desencriptar os códigos daquele grupo. O mesmo que fazem os jovens ou determinados grupos sociais quando usam calão em público. Não ser entendido por todos, mas apenas por alguns, é uma forma de selecionar. E quem seleciona dá poder a si e aos que seleciona.
A segunda: fazer parecer complexo o que é simples. Fazer parecer inteligente o que é básico. Fazer parecer que é novo o que é banal.
É desse mesmo poder que usa o burocrata. Na complexificação de procedimentos, que nos põe à sua mercê, incapazes de perceber onde acabam as regras e começa o abuso. Que lhe dá o poder de travar, de forma discricionária, os nossos direitos, bastando para isso mais algum zelo. Ou de nos fazer um favor, simplificando o que já podia ser simples. E no uso de uma linguagem codificada, que apenas os próprios e aqueles que se especializam em traduzi-la para nós podem entender. Estas duas armas do burocrata dão um poder extraordinário aos detentores do poder de Estado e aos que têm recursos culturais ou financeiros (contratando advogados ou contabilistas, por exemplo) para lidar com o Estado. São antidemocráticos porque aumentam a desigualdade na relação com o Estado.
Partimos sempre do princípio que a simplificação da linguagem a empobrece. Antes de mais, não é verdade. Escrever e falar de forma simples, clara e rigorosa é mais difícil do que usar jargão. Seja ele académico, profissional, burocrático ou geracional. Explicar ideias complicadas através de uma linguagem simples exige mais talento do que explicar ideias simples de uma forma complicada. Mas no caso do Estado a coisa é mais grave: a complexificação da linguagem e dos procedimentos permite a opacidade e a arbitrariedade, reduz o acesso democrático de todos aos seus direitos e afasta o Estado daqueles que o Estado deve servir.
Se eu, que tive acesso a uma educação razoável, sinto isto sempre que me relaciono com os serviços públicos, não é difícil imaginar o que sente uma senhora de 79 anos que viva num bairro social. Não, não foi a frieza burocrática dos serviços que despejou esta senhora. Foi o autoritarismo antidemocrático de uma determinada forma de ver o Estado e o seu papel na sociedade. Que se exibe em todos os momentos. É um Estado que "notifica" mas é incapaz de falar com os cidadãos com palavras que a generalidade das pessoas entenda. Porque é na incapacidade de se fazer entender que está o seu poder. Tanto maior quanto mais frágil for a sua vítima.
Terça-feira, 19 de Fevereiro de 2013
Consumo excessivo significa um nível de consumo acima do que deviam ser as necessidades normais de consumo sustentáveis de uma população e de um planeta.
Estas imagens são do filme Samsara: Samsara é uma palavra tibetana que significa roda da vida, num conceito íntimo e vasto e que devia definir a alma de todos nós.