Domingo, 31 de Agosto de 2014
O que é o Ébola?
O Ébola é um dos dois vírus pertencentes à família Filoviridae (o outro é o vírus Marburgo) e que tem por característica a ocorrência de febre hemorrágica. Os surtos surgem normalmente em aldeias remotas da África central e ocidental, junto a florestas tropicais. Neste momento, o vírus do Ébola existe no continente africano, mas já houve casos nas Filipinas e na China.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a infeção pelo vírus Ébola pode assumir diversos sintomas: febre, dores musculares, dores de cabeça e de garganta, fraqueza e vómitos. No seu estágio inicial, pode ser difícil diferenciar o diagnóstico da doença, já que alguns dos sintomas iniciais são semelhantes aos da malária, febre tifóide e disenteria. A estes sucedem-se a insuficiência renal e hepática e as hemorragias internas e externas.
O período de incubação da doença varia entre os dois e os 21 dias e o grau de sobrevivência é muito baixo, variando entre os 10% e os 30% nos surtos verificados no continente africano.

A OMS e o Centro para a Prevenção e Controlo de Doenças (CPCD) disponibilizam fichas sobre a doença. No site do CPCD é possível ainda consultar relatórios sobre os anos posteriores a 2000 em que se registaram surtos de Ébola, bem como uma cronologia onde são apresentados todos os surtos desde que a doença foi descoberta. É possível ainda acompanhar os relatórios publicados semanalmente sobre a evolução do atual surto.
O vírus do Ébola foi descoberto em 1976, depois de se registarem dois surtos da doença na cidade de Nzara, no Sudão, e em Yambuku, na República Democrática do Congo, junto ao rio Ébola, que deu nome à doença. Supõe-se que o vírus já exista há muito tempo noutras espécies — sendo conhecida a sua prevalência em várias espécies de macacos e morcegos, tendo apenas sido registada a sua migração para o homem na década de setenta.
Os surtos que fizeram mais vítimas mortais registaram-se na República Democrática do Congo, em 1976 (280 mortos), 1995 (250 mortos), 2002 (128 mortos) e 2007 (187 mortos), no Sudão (151 mortos), em 1976, e no Uganda em 2000 (224 mortos). De acordo com os dados da Organização Mundial de Saúde, desde que o vírus foi descoberto, já morreram 1548 pessoas (não contando com o número de mortos já resultante do atual surto).

O vírus do Ébola é transmitido através do contacto direto com sangue, urina ou fluidos corporais de pessoas infetadas, como o suor ou saliva. No caso dos homens que sobrevivem à fase aguda da doença, esta pode ser transmitida através do sémen até sete semanas após a recuperação. Os rituais fúnebres das vítimas podem representar também um risco elevado, pelo contacto com o cadáver, o que é comum nas comunidades africanas.
Animais infetados também podem transmitir o vírus aos seres humanos, em particular os macacos e os morcegos da fruta, já que são espécies portadoras do vírus. A OMS recomenda que se evite o consumo da carne crua desses animais.
Nos hospitais e nos centros de saúde o risco de transmissão também é elevado, especialmente se não forem tomadas as devidas precauções como a utilização de máscaras, óculos de proteção, batas e luvas.
Existe, mas por enquanto apenas para chimpanzés. Em maio deste ano foi publicado um artigo na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences, onde uma equipa de cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, testou com sucesso em seis chimpanzés uma vacina que tinha sido desenvolvida primeiro para humanos, mas sem autorização para ser testada em pessoas.
A vacina fez com que os chimpanzés produzissem anticorpos contra o vírus Ébola. Esses anticorpos foram depois testados em ratinhos que tinham sido previamente infetados e verificou-se que os anticorpos evitaram a morte de 30% a 60% dos ratos.
Poderá estar disponível em 2015 um vacina preventiva contra o ébola, que deverá passar à fase de ensaios clínicos em setembro. De acordo com as declarações do diretor do Departamento de Vacinas e Imunização da Organização Mundial de Saúde à rádio francesa RFI, em setembro devem avançar os ensaios clínico da vacina que está a ser desenvolvida no laboratório britânico GSK, primeiro nos Estados Unidos e depois num país africano, uma vez que é em países do continente Africano que têm surgido casos.
Oficialmente, não. Mas um “tratamento milagroso” aplicado em dois doentes infetados pelo vírus Ébola veio trazer dar uma nova esperança à ciência. Kent Brantly, de 33 anos, e Nancy Writebol, de 59, dois missionários norte-americanos receberam um tratamento, nunca antes aplicado em seres humanos, e já saíram do hospital. Foi testado apenas em macacos e os resultados obtidos foram surpreendentes: dos oito animais testados, seis sobreviveram à infeção.
O medicamento chama-se ZMapp e consiste numa solução de anticorpos. Estes foram obtidos da seguinte forma: o sistema imunitário de cobaias expostas a um vírus desenvolve anticorpos específicos contra ele. Os glóbulos brancos que os produzem (linfócitos) são isolados em laboratório e multiplicados por processos de cultura celular. Neste caso, foram separadas três linhas celulares (clones ou “famílias” de células) que produziram anticorpos específicos muito eficazes contra o Ébola. Estes três anticorpos, reunidos numa solução única, são a base deste “super medicamento”.
Apesar de Kent e Nancy terem recebido alta, ainda existem muitas dúvidas sobre o ZMapp, o fármaco que constitui agora uma esperança para a cura do surto do Ébola. E também sobre o que agora acontece aos que recuperaram. Aqui poderá encontrar algumas questões, levantadas pela CNN, que o Observador decidiu recuperar.
Enquanto não se encontra uma cura “oficial”, o tratamento limita-se à manutenção dos níveis de oxigénio no sangue, do controlo da pressão arterial e dos níveis de hidratação, seja através da ingestão de bebidas ricas em sódio e potássio, seja pela via intravenosa.
Ainda que não seja uma tarefa fácil, o diagnóstico precoce é fundamental para evitar a propagação da doença. Caso se suspeite de uma infeção pelo Ébola, o paciente deve informar as autoridades oficiais (no caso português, a linha Saúde 24) mas sem sair de casa. Este pormenor é muito importante para evitar a propagação do vírus. Depois, o doente será transportado para um hospital e mantido em isolamento.
Os especialistas aconselham que não se toque em nada que possa ter estado em contacto com um portador do vírus e que se lavem as mãos várias vezes ao dia. Na manipulação direta de objetos e doentes suspeitos é necessária a utilização luvas, bata, máscara e óculos de proteção.
Nos hospitais é imprescindível a esterilização do equipamento médico, nos casos em que o mesmo não é descartável. As superfícies devem ser desinfetadas regularmente. Caso um paciente morra, deve evitar-se ao máximo o contacto com o cadáver. Os agentes sanitários devem tomar as medidas de proteção adequadas.
O atual surto de Ébola é o pior de sempre. Começou no final de 2013 e já matou 1350 pessoas: 396 na Guiné Conacri, 374 na Serra Leoa, 576 na Libéria e 4 na Nigéria (dados de 21 de agosto do Centro para a Prevenção e Controlo de Doenças).
A Organização Mundial de Saúde declarou o surto uma “emergência de saúde pública internacional” e que uma “resposta coordenada é essencial para parar e fazer recuar a propagação mundial do Ébola”. A organização Médicos Sem Fronteiras, que tem várias equipas a trabalhar no terreno, também lançou um alerta: a epidemia de Ébola está totalmente fora de controlo na zona oeste de África e há o risco de a doença se conseguir espalhar para mais países.

No Centro para a Prevenção e Controlo de Doenças (CPCD) é ainda possível acompanhar os relatóriospublicados semanalmente sobre a evolução do atual surto.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, as práticas culturais e as crenças tradicionais em alguns países africanos têm dificultado a aplicação de medidas preventivas no âmbito da saúde pública, contribuindo para a propagação da doença.
No início de julho realizou-se um encontro de emergência no Gana, organizado pela OMS e no qual participaram ministros de Saúde de 11 países da África ocidental. Todos os participantes na reunião acordaram que a estratégia a adotar passa pela melhoria das políticas de educação e não pelo encerramento das fronteiras dos países.

...
como no Inferno quando se entra pela porta maldita e se deixa a dita esperança à entrada. Agosto é um bom mês para percebermos tudo. Milhares e milhares de
jovens que não lêem um livro, passam o mês em festivais no meio do lixo, do pó, da cerveja e dos charros. Milhares e milhares de
adultos vão meter o corpo na água e na areia, sem verdadeira alegria nem descanso. Outros muitos milhares de
jovens e adultos nem isto podem fazer porque não tem dinheiro.
No interior, já que não há correios, nem centros médicos, nem tribunais, proliferam as capitais, da chanfana, do caracol, do marisco, do bacalhau, dos enchidos, da açorda, as "feiras medievais" de chave na mão, as feiras de tudo e mais alguma coisa desde que não sejam muito sofisticadas. Não é uma Feira da Ciência, nem Silicon Valley.
As televisões, RTP, SIC e TVI “descentralizam-se” e fazem arraiais com umas estrelas pimba aos saltos no palco, mais umas “bailarinas”, nem sequer para um grande público. Incêndios este ano há pouco, pelo que não há imagens fortes, ficamos pelo balde de água. Crimes violentos “aterrorizam” umas aldeias de nomes entre o ridículo e o muito antigo, que os jornalistas que apresentam telejornais com tudo isto gostam de repetir mil vezes. Felizmente que já começa outra vez a haver futebol, cada vez mais cedo. O governo, com excepção das finanças e dos cortes contra os do costume, não governa, mas isso é o habitual.
A fina película do nosso progresso, cada vez mais fina com a crise das classes ascendentes, revela à transparência todo o nosso ancestral atraso, ignorância, brutalidade, boçalidade, mistura de manha e inveja social. No tempo de Salazar falava-se do embrutecimento dos três f: futebol, Fátima e fado. Se houvesse Internet acrescentar-se-ia o Facebook como o quarto f. Agora não se pode falar disso porque parece elitismo. Áreas decisivas do nosso quotidiano hoje não são sujeitas à crítica, porque se convencionou que em democracia não se critica o "povo".
Agosto é um grande revelador e um balde de água fria em cima da cabeça para aparecer na televisão ou no You Tube. Participar num rebanho, mesmo que por uma boa causa, podia pelo menos despertar alguma coisa. Nem isso, passará a moda e esquecer-se-á a doença. Pode ser que para o ano a moda seja meter a cabeça numa fossa séptica, a favor da cura do Ebola.
Assim não vamos a lado nenhum. Como muito bem sabem os que não querem que vamos a qualquer lado.
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(-JPP, Abrupto, 17/8/2014)
(As duas primeiras cartas
aqui, a terceira
aqui, a quarta
aqui, a quinta
aqui.)

Caro Pan, portador do maior nome que conheço, onde cabe tudo
Foste mordido pelas formigas dos antípodas porque lhes perturbaste um carreiro? Deixa lá, aqui estamos cheios de formigueiros e de formigas, só que tem outro nome. Mas que mordem, mordem.
O meu país está doente e, como me custa dizer-te isto, meu bom Ludwig, que procuras boas novas como o ouro que te escapa nesses rios secos de Queensland. Quem é que vai para uma terra chamada de Sturt Stony Desert? Eu conheço a resposta clássica: cães malucos e ingleses, mad dogs and englishmen. Mas tu és alemão, gostas da prussiana ordem durante meia semana e de nevoeiro místico levantando-se das florestas na outra metade. Não foste fadado para esses desertos, não ser pelo “trabalho”, pela “obrigação”, pela “disciplina”. Deixa lá mesmo assim, derretendo no deserto a revirar pedras, estás melhor do que eu.
O meu país está doente. O que se fez no meu país foi uma guerra moral aos de baixo, aos mais fracos e que não tem defesa, aos que são velhos e não tem mais saída, aos que tinham pouco e aos que ainda tinham alguma coisa, tratando-os de ricos, e essa guerra moral passou por lhes incutir uma culpa que não tinham e assim impedi-los de responder ao ataque que lhes foi feito. Esta guerra moral teve sucesso (porque o poder - aliado ao dinheiro, aos mídia, à 'inteligentsia'...- dividiu, atacou, dividiu, propandeou, dividiu, amedrontou, ... e), até porque as pessoas nesta era de psicologismo, absorvem culpa como uma esponja. São culpados pelos desmandos dos filhos, são culpados por não terem emprego, são culpados por serem velhos, são culpados por terem casado com “aquela” pessoa, são culpados por se terem divorciado, são culpados porque tem pouco dinheiro e, num país de “sucesso”, isso é uma fraqueza, são culpados por “viverem acima das suas posses”.
Atiram-lhes culpa misturada com o cola-tudo da crise, e ao mesmo tempo dão-lhes uma gigantesca martelada na vida para ficarem meio tontos, sem perceberem o que lhes aconteceu. Mudam-lhes a vida para muito pior, de um mês para o outro, de repente, sem aviso, recebiam 1000 e passam a receber 700, recebiam 700 passam a receber 650, tinham um apoio para comprar óculos, para estudar, para viver, para comprar medicamentos, para descansarem na velhice, e tudo acaba. Confiança, não dizem eles. A confiança acabou com a crise.
Os cínicos que nos governam, amorais até á sua essência, que aprendem nas carreiras partidárias uma espécie de realpolitik de bar da moda, acham que dizer isto é miserabilismo. Têm uma aptidão natural, e uma ainda maior desfaçatez, em encontrar nos outros, os bodes expiatórios que justifiquem a sua peculiar mistura de ignorância do país, incompetência e ideologia colada a cuspo, ressentimento e subserviência com os poderosos, capacidade de engolirem tudo, aquilo a que os portugueses chamam falta de vergonha.
Meu bom germano Ludwig, já foi o tempo em que nós mediterrâneos de proximidade, tínhamos como nossa a dicotomia da honra e da vergonha. Vergonha? O que é isso. Já para não falar da honra.
A ironia disto tudo é que sobrepor a moral à hierarquia social deu muito torto. Para acusar os de baixo de se portarem mal com o seu “consumismo” de plasmas e sofás, era suposto os de cima, os modelos da livre “economia”, darem o exemplo. Ora, os ricos não deram o exemplo (ou dão mau exemplo!!), os convidados de honra dos seminários pagos a peso de ouro da imprensa económica, os modelos intangíveis de muitos blogues que passam por ser liberais e que se babavam com as virtudes do “velho dinheiro”, aqueles que defenderam com unhas e dentes a senhora que “brincava aos pobrezinhos” na Comporta, esses vêem agora a “reputada” família Espírito Santo, modelo do empreendorismo, do “velho dinheiro”, que andava de braço dado com o Dr. Salazar e os reis caídos de Cascais, tratada como criminosa. E também vão lá deitar a sua pedra, porque é de sua natureza bater nos que estão caídos.
No outro dia, um jornalista dizia na televisão que a prisão de Ricardo Salgado por um dia mostrava como o país estava a “mudar”. A palavrinha “mudar” é mágica, tanto mais que acaba por deixar sempre uma impressão positiva. Ele queria dizer que o “antigo regime”, o Portugal de antes de 2011, o “regime”, o “sistema”, o “poder corporativo”, estava a desaparecer por uma qualquer destruição criadora. É uma linguagem muito comum nos blogues, no Twitter e no Facebook pró-governamental. É um linguagem de que o poder gosta, porque legitima a “crise”, traz virtudes á “crise”, torna-a num instrumento daquela mesma guerra moral que tão importante foi para tornar impotente o protesto.
Engano. Não mudamos nada. Estamos é mais pobres, e por isso, num sentido perverso mais iguais, mesmo quando mais desiguais. Estamos cada vez mais iguais no sentido em que os de cima já não tem o pedestal da reputação, do “velho dinheiro”, do bom nome “familiar”, e os que estão a subir para o mesmo lugar hierárquico já não querem saber disso para nada até porque nesses bens simbólicos não podem competir. Estamos no reino dos middle men. A mediocridade dos que nos mandam, mais do que nos governam, é tal que tende a igualizar. Por baixo, claro. Quem anda como peixe na água são os facilitadores, os intermediários, os confiáveis, os que abrem todas as portas. São como um fluido, passam por todas as frestas. Como as formigas que te apoquentam.
Estás ver no que isto deu? Estas cartas parecem o Muro das Lamentações. Mas não é queixa, é fúria. Custa viver no meio disto tudo, no meio desta doença social, desta, - e uso a palavra complicada, a palavra gasta, a palavra que se diz sempre, a palavra lugar-comum, - decadência. Abstieg, Niedergang, não sei qual a melhor palavra na tua excelente língua para estas coisas catastróficas.
Um abraço do teu amigo
Sábado, 30 de Agosto de 2014
A DIREITA DEIXOU DE SER PATRIÓTICA (1) (-por J.P.Pereira, Abrupto, 13/7/2014) ...
A direita deixou de ser patriótica (2)
Mesmo falando de Pátria na sua forma mais minimalista – quase só a defesa dos interesses dos portugueses como portugueses e não como cidadãos da Europa, a defesa da comunidade nacional com história, língua e cultura –, provoca uma enorme irritação nos círculos do poder, PSD e CDS e também no PS.
Este nervoso é, em muitos casos, sentimento de culpa, noutros medo de que uma certa desfaçatez no que se está a fazer não seja aceite pela maioria dos portugueses, se for apresentado sem disfarces, usando os nomes que as coisas têm e falando delas sem as vestes do engano. Querem os portugueses ser uma região da Europa com menos poderes que os länder alemães, com uma política externa, uma política de defesa (Portugal aceitou que aspectos da sua política das Forças Armadas viessem no memorando), e a sua política interna, a começar pelo orçamento e a continuar por uma governação que pouco mais faz do que aplicar “directivas” europeias, seja definida em Bruxelas e em Berlim? Uma parte importante da direita portuguesa que antes enchia o peito com o patriotismo responde sim, nalguns casos por necessidade, noutras por vontade, noutras por serviço.
Há dois aspectos em que este abandono do patriotismo por parte do actual poder político é muito evidente. Um, é o modo como se actua em relação às Forças Armadas, que é mais um sintoma do que uma causa; outra, a política tão deliberada como dolosa de cedência de soberania a instâncias internacionais em que Portugal não tem nenhuma voz, entra mudo e sai calado, como o primeiro-ministro em muitos Conselhos Europeus.
Não vou perder tempo com duas questões que aparecem sempre como justificações, mas que não estão no cerne daquilo que quero discutir. Uma, no que concerne às Forças Armadas, é a denúncia do corporativismo dos militares, que os leva a quererem manter privilégios e estatuto, inaceitáveis no actual (des)equilíbrio social. Sim, é verdade, há corporativismo nas Forças Armadas, mas isso não legitima o que o actual poder está a fazer com elas, independentemente daquilo que possam ser resistências corporativas. A outra é a combinação de uma espécie de realismo cínico, que diz que Portugal nunca foi independente nos últimos quatrocentos anos (as datas variam) e por isso é hipocrisia estar agora a achar anormal aquilo que sempre existiu.
É o argumento de que se Portugal é dependente de facto, por que razão se preocupar por o ser de jure? Até é mais “verdade”, mais transparente que se assuma que os portugueses não mandam nada e que por isso qual é problema que o Parlamento português perca poderes para a Europa? Um subproduto deste raciocínio é que hoje a natureza das nações europeias é partilharem soberania nas instituições da União Europeia, pelo que é um modo de pensar arcaizante, para não dizer antiquado, considerar que as “velhas” ideias de soberania possam ter qualquer papel nos dias de hoje. Seriam, aliás, apenas manifestações de um nacionalismo vulgar e perigoso.
A questão das Forças Armadas é que, estando como estão e como vão estar daqui a uns anos da mesma política, elas não servem mesmo para nada. Não será difícil então apontá-las a dedo como um peso inútil no orçamento. Já o escrevi e repito: os actuais governantes, a começar pelo ministro da Defesa, fechariam o exército, a marinha e a aviação, amanhã se pudessem e iria o Conselho de Ministros vangloriar-se da grande reforma que fez e do dinheiro que poupou. Mas como não pode fazer isso, estraga.
O PSD e o PS têm grande responsabilidade no caminho de progressiva destruição das nossas Forças Armadas. Foi por pressão das “jotas”, com relevo para a JSD, que acabou o Serviço Militar Obrigatório, abrindo caminho para umas Forças Armadas profissionais, que eram mais caras e que rapidamente se tornaram a primeira vítima de cortes, sempre que havia necessidade. As Forças Armadas eram e são, para o actual poder, expendable mesmo quando os governantes se passeiam de peito cheio nas paradas e se dizem umas fases muito patrióticas nos discursos.
No fundo, a questão da Pátria resume-se a uma posição simples: o que não fizermos por nós, ninguém o fará. Podem ajudar-nos, como é suposto ajudarmos os nossos vizinhos, mas o zelo e a dedicação que vem daquele “nós” só nós o temos, ou deveríamos ter. Basta um exemplo. Num falso arroubo de patriotismo, o Governo patrocinou um mapa de Portugal que enchia meio mundo no hemisfério Norte, dominando o Oceano Atlântico a enorme área ocupada pelas ilhas e a sua zona económica exclusiva (ZEE). Portugal seria assim a grande potência do Atlântico Norte, da costa africana junto de Marrocos, passando pelo pequeno enclave das Canárias, até junto da costa americana. E, na verdade, esse é o nosso território, mas a outra verdade é que só a muito custo conseguimos manter responsabilidades internacionais pela busca e salvamento, pela segurança das importantes rotas marítimas que o atravessam, ou proteger os nossos bens. Estamos por um fio no quadro dos mínimos dos mínimos das nossas obrigações. Uma avaria num helicóptero, uma avaria num avião, um problema de tripulação e um salvamento pode não ser feito, já para não falar do controlo eficaz dessa parte de mar que enche o mapa oficial, em termos de segurança, em termos de exploração de recursos, em termos de defesa do nosso património estratégico. Talvez se pudesse vender, como as praias e as ilhas gregas?
Mas o desprezo pelas Forças Armadas é apenas um sintoma, onde se centra a verdadeira doença, a perda efectiva da Pátria e com ela do autogoverno e da democracia, é no actual curso europeu que está a mudar um projecto comunitário e de coesão, por um império imperfeito, incoerente, desigual e hierárquico, em que Portugal ocupa o downstairs. Serve para passar férias e está em prisão domiciliária por dívida. Portugal é hoje uma província desse império, por submissão dos nossos governantes, que aceitaram tudo o que lhes exigiram e fugiram e fogem de obter legitimação popular e democrática, para a transformação de Portugal numa região falida e com má fama que é necessário governar com mão de ferro, sem dar veleidade aos súbditos de escolherem ou decidirem alguma coisa, dada sua propensão para viver do dinheiro alheio.
A ideologia desta submissão é múltipla. Há um aspecto de progressismo e de engenharia utópica, modernista e modernaço, e há a vontade de usar um poder exógeno para impor uma tutela endógena a favor de interesses de uma pequena minoria de portuguesas, como diriam os marxistas um “poder de classe”. Comecemos pela primeira: o nosso actual europeísmo não é muito diferente do iberismo do passado. Representa uma ideia progressista, iluminista, cosmopolita, contra os pacóvios das fronteiras. Trará o reino da razão aos ignaros rurais que pensam à dimensão da sua quinta e só se preocupam em manter os marcos no sítio, ou até, aos escondidos, em movê-los um pouco mais para dentro do terreno do vizinho. Para eles, só há ou nacionalismo identitário, ou internacionalismo europeísta.
A isto se junta a ideia de que quem não tem dinheiro não tem vícios, logo, um país em bancarrota não pode queixar-se dos credores mandarem nele. Coisa aliás que até não é má de todo, porque a pressão externa “impõe” políticas “responsáveis” aos portugueses irresponsáveis, obrigando-os a viver de acordo com as suas necessidades. Quero lá saber da Pátria, dizem alguns, se a troika (com a prestimosa e dedicada ajuda do Governo) está a fazer aquilo que nenhum governante português seria capaz: baixar salários, reformas e pensões, acabar com o Estado como instrumento social, correr com os funcionários públicos, e destruir os direitos do trabalho. O colaboracionismo com o poder de fora faz-se por afinidade ideológica e, claro, com vantagem própria.
É na direita que estas ideias hoje fazem mais estragos porque encontrou nas posições da troika e dos “protectores” alemães um instrumento precioso para obter ganhos “sociais” em Portugal. Porém, ainda há um pequeno problema, ainda há eleições. Por isso, mesmo que se deixe de falar em Pátria e patriotismo, pode-se sempre colocar a questão em termos democráticos: que sentido tem a democracia portuguesa se os eleitores portugueses vão deixar de poder escolher quase tudo que é decisivo para o seu país e para as suas vidas?
MARCADORES: democracia,
desgoverno,
direita,
estado-capturado,
estado-mínimo,
internacional,
patriotismo,
poder,
política,
portugal,
português,
pátria,
troika,
união europeia
Quinta-feira, 28 de Agosto de 2014
Social-democracia ? (-por Joana Lopes, 28/8/2014)
Onde é que ela já vai ! E não volta – digo eu e há muito tempo. O que se passa em França é paradigmático. O passado já foi, para a frente é que é o caminho, mesmo que ainda não se veja claramente como será.
A propósito do caso francês (remodelação de governo "pragmático"), Fernando Sobral, no
Negócios de hoje: «A
social-democracia europeia perdeu-se entre a globalização e o projecto europeu e nunca mais conseguiu encontrar um caminho próprio.
Não entendeu que estes dois factos, em conjunto, enfraqueceram o controle do Estado sobre os mercados e privilegiaram a economia face aos factores políticos e sociais. O seu castelo encantado, o Estado social, ficou assim refém de decisões alheias. Perdendo-se nesse novo mundo, a social-democracia foi incapaz de descobrir um sonho que atraísse os cidadãos.
Aquilo que se está a passar em França, com o catavento François Hollande, que de tanto andar à roda há-de cair estatelado no chão, evidencia esta falência. Há pouco mais de um mês, Manuel Valls, explicava a quem o queria ouvir o que era esta "nova social-democracia" que está agora reflectida no novo governo francês: "os franceses não estão interessados se é um programa das esquerdas ou das direitas. Querem pragmatismo. A esquerda pode morrer se não se reinventa, se renuncia ao progresso". Ou seja, a "nova social-democracia" não é de esquerda ou de direita: de manhã pode ser Jekyll e à tarde Hyde. Desde que conquiste e permaneça no poder. E que seja pragmática. Valores? Esqueçamos. Sendo assim, a esquerda passa a ser idêntica à direita.
A escolha dos cidadãos passa a ser sobre quem acham mais competente para CEO e para CFO. Essa insolvência ideológica torna a social-democracia incapaz de perceber porque os Estados estão hoje reféns dos mercados, e a Argentina é incapaz de pagar as dívidas porque um juiz americano (ou uma estranha arbitragem...) decide como e quando elas devem ser pagas.
É neste pântano que António José Seguro e António Costa brigam pelo poder no PS. Amarrados ao Tratado Orçamental e à política de austeridade a ele inerente, que não permitirá baixar impostos (como diz Seguro) e onde tudo se centra na fulanização (como quando Costa pede que Rio faça uma revolta popular no PSD), mostram porque François Hollande é um fiasco.
MARCADORES: des-globalização,
desgoverno,
deslocalização,
direita,
economia,
esquerda,
estado,
estado social,
estado-capturado,
frança,
globalização,
ideologias,
mercados,
multinacionais,
neoliberal,
oligopólio,
política,
pragmatismo,
social-democracia,
união europeia
Quarta-feira, 27 de Agosto de 2014
MARCADORES: bancarrotocracia,
bancos,
bes,
capitalismo selvagem,
desgoverno,
economia,
estado,
estado-capturado,
estratégicos,
globalização,
justiça,
mercados,
multinacionais,
neoliberal,
nepotismo,
oligarquia,
política,
república,
soberania
Sábado, 16 de Agosto de 2014
Uma (grande) lição!
Há uns anos alguns ladrões entraram num banco numa pequena cidade. Um deles gritou: "Não se mexam! O dinheiro pertence ao banco mas as vidas são vossas". Imediatamente todas as pessoas deitaram-se no chão em silêncio e sem pânico.
LIÇÃO 1: Este é um exemplo de como uma frase dita corretamente e na altura certa pode fazer toda a gente mudar a sua visão do mundo.
Uma das mulheres estava deitada no chão de uma maneira provocante. Um dos assaltantes aproximou-se dela e disse: "Minha senhora, isto é um roubo e não uma violação. Por favor, procure agir em conformidade.
LIÇÃO 2: Este é um exemplo de como comportar-se de uma maneira profissional concentrar-se apenas no objetivo.
No decorrer do assalto, o ladrão mais jovem (que tinha um curso superior) disse para o assaltante mais velho (que tinha apenas o ensino secundário completo): "Olha lá, se calhar devíamos contar quanto é que vai render o assalto, não achas?". O homem mais velho respondeu: "Não sejas estúpido! É uma data de dinheiro e por isso vamos esperar o Telejornal para descobrir exatamente quanto dinheiro conseguimos roubar".
LIÇÃO 3: Este é um exemplo de como a experiência de vida é mais importante do que uma educação superior.
Após o assalto, o gerente do banco disse ao seu caixa: "Vamos chamar a polícia e dizer-lhes o montante que foi roubado". "Espere", disse o caixa "antes de fazermos isso vamos juntar os 800 mil € nós tirámos há alguns meses e dissemos que também esse valor foi roubado no assalto de hoje”.
LIÇÃO 4: Este é um exemplo de como se deve tirar proveito de uma oportunidade que surja.
No dia seguinte foi relatado nas notícias que o banco tinha sido roubado em 3 Mio €. Os ladrões contaram o dinheiro mas encontraram apenas 1 M €. Um deles começou a resmungar: "Nós arriscamos as nossas vidas por 1 M € enquanto a administração do banco rouba 2 M € sem pestanejar e sem correr riscos? Talvez o melhor seja aprender a trabalhar dentro do sistema bancário em vez de ser um simples ladrão".
LIÇÃO 5: Este é um exemplo de como o conhecimento pode ser mais útil do que o poder.
Moral da história:
Dá uma arma a alguém e ele pode roubar um banco.
Dá um banco a alguém e ele pode roubar toda a gente.
Terça-feira, 12 de Agosto de 2014

O sítio onde se insere este vasto trabalho sobre os VENCIMENTOS DOS CARGOS POLÍTICOS é uma fonte inesgotável de informações úteis para qualquer académico, político, jornalista ou cidadão comum.
Parabéns aos autores pelo seu excelente, longo e permanente trabalho de sapa que a toda a hora disponibilizam ao grande público para consulta sobre
diversos temas, se navegarem pela coluna da esquerda de cada página consultada.
Puro exercício de Cidadania.....
Excelente trabalho de pesquisa.
Segunda-feira, 4 de Agosto de 2014
1. Como garantidamente não votarei nas próximas primárias do Partido Socialista, dispenso-me da missão (quase impossível) que é a de encontrar as diferenças programáticas entre os dois candidatos. É que, apesar das notórias distâncias no "estilo" e na "forma", no conteúdo, por muitas voltas que se dê, o programa do Partido Socialista resume-se a generalidades e a uma proposição (contrária, aliás, à da canção da nossa cultura pop): "vamos desfazer tudo aquilo que foi feito".
Voltemos ao início:
Outubro de 2012, António José Seguro garante: "Quando merecer a confiança dos portugueses para governar Portugal tomarei a decisão de propor que o dia 5 de Outubro, o dia da república, volte a ser feriado nacional".
Junho de 2013, António José Seguro afirma, "Discordo da lei de reorganização das freguesias e vou mudar a lei."
Fevereiro de 2014, António José Seguro promete: "Quando o PS for Governo, todos os tribunais que o actual Executivo encerrou serão reabertos".
Abril de 2014, António José Seguro assume o compromisso de, caso seja primeiro-ministro, "criar condições" para acabar com os sem-abrigo do país numa legislatura.
Maio 2014, António José Seguro promete revogar "a TSU dos pensionistas" e "devolver as reformas e as pensões que são devidas aos reformados e pensionistas"
Maio de 2014, António José Seguro garante que não aumentará carga fiscal quando estiver no Governo.
Julho 2014, António Costa defende que é necessário "estabilizar de uma vez por todas as pensões já formadas acabando com os cortes" e promete que irá "travar a austeridade".
Julho de 2014, António Costa promete aumento do salário mínimo nacional superior à proposta das duas centrais sindicais.
Julho de 2014, o secretário geral do Partido Socialista garante que não mudará uma vírgula à legislação laboral, se chegar à chefia de um governo.
Julho 2014, António José seguro promete: "Um governo por mim liderado [...] reporá o corte das pensões e nas reformas que foi feito[...]. Não desistiremos de repor as pensões e as reformas, tal como foram definidas antes dos cortes aplicados por este Governo".
Julho de 2014, António Costa afirma que é necessário implementar um plano de recuperação económica e social que consiste em "travar a austeridade para dar confiança"
Efectivamente, "nada é tão admidável em política quanto uma memória curta" (John Galbraith), e nisso este Partido Socialista dá cartas.
2. Chega a ser caricato que o maior partido da oposição organize uma "corrida para primeiros-ministros" com propostas que não chegam a ser dignas de líderes do mais pequeno partido da oposição. Este PS só tem uma forma de estar na política: "estar do contra". Contra a abolição dos feriados, contra o encerramento de tribunais, contra a austeridade, contra a reorganização das freguesias, contra os cortes nas pensões, contra a nova legislação laboral, contra a contribuição extraordinária de solidariedade. Esqueceu-se, pois, de dizer se está a favor de alguma coisa e, já agora, de quê. Porque fazer política pelo boicote não custa nada e é até popular. O desafio está em encontrar a alternativa.
Durante todo o processo de ajustamento o PS mais não fez do que contestar as inevitáveis medidas difíceis - algumas, para mais, impostas pelo Memorando de Entendimento por si negociado - e prometer reverte-las à primeira oportunidade. Mas ficou em silêncio quanto a essa alternativa. E assim permanece.
Claro que agora, instado por uma disputa eleitoral, António José Seguro apresenta um pretenso programa a que decidiu chamar "Contrato de Confiança com os Portugueses". Mas é mais do mesmo. 80 propostas entre generalidades e promessas do tipo "Não despedir funcionários públicos" ou "Renegociar a Dívida Pública por forma a promover a extensão de maturidades e a revisão dos custos de financiamento" ou mesmo "Recusar o plafonamento das contribuições para a Segurança Social." Do lado de António Costa o projecto - a avaliar pelo nome - vem carregado de ambição. A agenda é "para uma década", mas o conteúdo não enche, afinal, uma meia dúzia de de páginas.
3. Quando do que se trata é de fazer política, podem escolher-se essencialmente dois caminhos: a) propor e implementar políticas públicas geradoras de progresso e de inclusão, alinhadas com as expectativas dos cidadãos; ou b) orientar a acção política para responder aos imperativos da agenda imediata e de curto alcance, as mais das vezes sustentada em ilusões e num equilíbrio delicado entre aquilo que os cidadãos querem ouvir e as responsabilidades do passado. Para infortúnio do PS, dos socialistas e dos portugueses em geral, durante os últimos três anos o principal partido da oposição trilhou o caminho mais fácil: respondeu aos imperativos de agenda e procurou (sem sucesso) não tropeçar no passado.
Se é praticamente consensual que António Costa conduziu de forma algo "exótica" o seu processo de candidatura a líder do Partido Socialista, a verdade é que o país estaria à espera que este "challenger" recuperasse algum crédito no exercício da na acção política da oposição, a exemplo de antigos secretários gerais como Jorge Sampaio ou António Guterres (independentemente dos resultados práticos das respectivas lideranças). Mas o tempo veio mostrar que não é disso - de nada disso - que se trata nas primárias do PS. António Costa e António José Seguro pensam no eleitor e não no cidadão. Escolhem a boa notícia, quando os portugueses querem ouvir a verdade. Ambicionam o "soundbyte" em "prime time", em vez da profundidade das ideias. Ocupam o tempo com intrigas áulicas, quando o país aguarda por perceber a visão estratégica do partido para o crescimento e para o emprego. Porque não basta dizer que se tem uma e depois apelar a jargões e a generalidades inconsequentes.
As primárias do PS não são - como nos quiseram fazer crer - umas verdadeiras primárias. Daquelas ao estilo americano, em que dois líderes se apresentam com dois projectos. As primárias do PS não são um duelo de candidatos a primeiro-ministro. As primárias do PS são, afinal, uma luta de galos!
Nota: Uma luta de galos? De galarós, digo eu!
Porque é que não podemos usar a mesma metodologia aplicada para o BES na governação político partidária do nosso país?
Os governantes e os partidos do governo assumiam os custos da sua má governação (SWAPS, PPP’s, etc…, só para exemplificar) e o país ficava com a parte boa e rentável do setor produtivo nacional?