À medida que são divulgados pelos media os nomes dos futuros membros do conselho de administração da CGD (Caixa Geral de Depósitos, banco público), quem conheça a importância desta instituição financeira estratégica para o apoio às PME´s que constituem mais de 97% do tecido empresarial nacional, para a promoção do crescimento económico e desenvolvimento do país, para a independência nacional em relação aos grandes grupos económicos e financeiros, e para a segurança das poupança dos portugueses não pode deixar de ficar bastante preocupado. A CGD não é privatizada, mas os grandes grupos económicos e financeiros, sem gastar um euro, preparam-se para colocar na administração da CGD os seus homens de confiança com a conivência do governo. Segundo o EXPRESSO de 30-Julho, os nomes e as suas ligações a grupos económicos nacionais e estrangeiros dos futuros membros da administração da CGD são os do quadro 1:
O domínio de homens que vêm do grupo BPI/La Caixabank (atualmente La Caixabank, já detém 44,8% do capital e lançou uma OPA sobre o BPI) para ocupar lugares executivos na futura administração da CGD é avassalador (6 em 7 administradores executivos). Nem houve a preocupação de manter uma certa continuidade na gestão através da presença de alguém que fosse da CGD e a conhecesse bem. Mas como isto já não fosse suficiente, os futuros membros não executivos ocuparam ou ocupam lugares na administração de grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros, e vários deles nem têm experiência bancária. Para além disso vão ocupar lugares na futura administração da CGD mantendo as funções que têm nos atuais grupos económicos (SONAE, UNICER, Porto Bay, RENOVA, SOGRAPE, Fundação Champalimaud). É previsível que muitos destes grupos económicos cujos administradores vão ocupar lugares no futuro conselho de administração da CGD, segundo o EXPRESSO, tenham negócios com a CGD.
E isso parece confirmar-se já que o ECONÓMICO Digital de 3 de Agosto de 2016, noticiou: “Alguns dos nomes propostos para administradores não executivos da CGD são administradores executivos de empresas clientes do banco público. É o caso da Sonae, da Renova, da Sogrape, da Partex, do Grupo PSA, do Grupo Porto Bay, e do Fundo Magnum [a CGD tem unidades de participação]). A informação sobre a relação entre estas empresas e o banco português tem estado a ser pedida pela equipe do Banco de Portugal que pertence ao Joint Supervision Team do BCE e que participa na avaliação fit and proper (competência e idoneidade) dos novos administradores da CGD. Os administradores da CGD que têm merecido a especial atenção do BCE (no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão), em nome, por um lado do potencial conflito de interesses, e por outro em nome do risco de, a partir do ‘board’ da CGD, terem acesso a informação bancária de empresas concorrentes às suas, são: Carlos Tavares que é presidente do grupo PSA Peugeot Citroën; Bernardo Trindade, administrador do grupo hoteleiro Porto Bay, e que foi secretário de Estado do Turismo em 2011; Ángel Corcostegui, porque em 2006, fundou o “private equity” Magnum Capital juntamente com João Talone, e a CGD é financiadora desse fundo, detendo unidades de participação; Ângelo Paupério que è Co-CEO da Sonae, repartindo a liderança do grupo com Paulo de Azevedo; Rui Ferreira que é presidente da Unicer desde o ano passado; Paulo Pereira da Silva que é presidente do grupo Renova desde 1993; António da Costa Silva, outro administrador não executivo da CGD que é o presidente da Partex Oil Gas, empresa petrolífera da Fundação Gulbenkian; e Fernando Guedes, presidente da Sogrape, que substituiu o irmão Salvador Guedes na liderança da empresa de vinhos da família em 2012”. O leque é muito numeroso o que é preocupante.
E esta situação é ainda mais preocupante se se tiver presente que a análise do conflito de interesses por parte do BdP/BCE está ser feito tendo como base o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras (RGICSF), que é a lei do setor, e que é extremamente permissiva sobre esta matéria, como rapidamente se conclui da simpes leitura do seu artº 85º sobre “CONFLITOS DE INTERESSES”. O nº1 do seu artº 85º dispõe que “as instituições de crédito não podem conceder crédito, sob qualquer forma ou modalidade, incluindo a prestação de garantias, quer direta quer indiretamente, aos membros dos seus órgãos de administração ou fiscalização, nem a sociedades ou outros entes coletivos por eles direta ou indiretamente dominados”. No entanto, o nº5 do mesmo artº 85º estabelece que “o disposto o disposto nos nº 1 a 4 não se aplica aos membros do conselho geral e de supervisão que não integrem a comissão para as matérias financeiras, aos administradores não executivos das instituições de crédito que não façam parte da comissão de auditoria, nem a sociedades ou outros entes coletivos por eles dominados”. Portanto, os membros do conselho de administração que não sejam executivos, nem pertençam à comissão de auditoria nem a sociedades por eles dominados, as empresas a que pertençam podem ter negócios com a CGD. O conflito de interesses é evidente e real, embora à luz do RGICSF não o seja.
Quem defende o controlo público das empresas estratégicas e, nomeadamente, da banca não pode ficar nem passivo nem alhear-se daquilo que, segundo o EXPRESSO e o ECONOMICO Digital, se está a passar na CGD, pois esta é vital para apoio às PME´s, para o desenvolvimento do país e para a independência nacional. Não se pode em palavras defender uma coisa e, em atos, nada fazer. É uma questão de coerência que não passa despercebida à opinião pública, mesmo que se pense o contrário. Não é certamente colocando na administração da CGD homens dos grupos económicos e financeiros que se defende a CGD e o país, se apoia as PME´s e promove o crescimento económico e o desenvolvimento do país. E não é depois de se tornar um facto consumado que interessa tomar posição pois depois não muda realmente nada. Só atuando antes do facto consumado é que poderia ter algum efeito. E o futuro não deixará de julgar as posições tomadas ou omissões em momentos como este.
A SITUAÇÃO DA CGD SEGUNDO O ATUAL PRESIDENTE DA ADMINISTRAÇÃO
O ainda atual presidente da CGD, José de Matos, esteve na Comissão Parlamentar de Inquérito à CGD, onde prestou declarações e distribuiu aos deputados um documento com informações sobre a CGD que, pela sua importância, interessa analisar.
Segundo esse documento, em 2012, a CGD foi recapitalizada pelo Estado com 750 milhões € mais 900 milhões € de Cocos (instrumentos financeiros híbridos, elegíveis para fundos próprios Core Tier 1, no valor global de 900 milhões €, os quais foram subscritos na sua totalidade pelo Estado Português), pelos quais a CGD teve de pagar uma taxa de juro de 9,5% em 2016 (85,5 milhões €) que, em 2017 aumentará para 10% (90 milhões €), como consta da pág. 238 do Relatório e Contas da CGD de 2015.
Como é referido no mesmo documento, a Comissão Europeia considerou aquela recapitalização como uma ajuda de Estado, tendo aproveitado esse facto para impor um “plano de reestruturação” aprovado pela DG Comp, que foi aceite obedientemente pelo governo PSD/CDS, o qual incluía a venda da maior seguradora portuguesa, assim como da área de saúde da CGD, a redução de balcões e de trabalhadores. O atual presidente da CGD, na informação que distribuiu aos deputados da CIP, gaba-se de ter ido para além do exigido pela DG Comp pois, segundo ele, desde 2012 foram fechadas 108 agencias (mais 49 do que as exigidas pela DGComp) e o numero de trabalhadores em Portugal foi reduzido em 1.348 (mais 598 do que os exigidos pela DGComp), tendo sido vendida a Fidelidade (80% do seu capital) ao grupo chinês FOSUN e a área de saúde (hospitais) ao grupo brasileiro AMIL. Desta forma uma parte importante do grupo Caixa passou para o controlo de grupos económicos estrangeiros, e a CGD sofreu uma amputação importante, o que a enfraqueceu como instrumento do Estado para apoiar as PME´s, promover o crescimento económico e o desenvolvimento do país. O que temos agora é uma CGD muito mais reduzida e fraca.
Segundo o seu Balanço de 2015, cerca de 73% do Ativo da CGD foi financiado, em 2015, com recursos de clientes e outros empréstimos, fundamentalmente depósitos. Apenas 5,4% teve como origem empréstimos obtidos junto do BCE. E o volume de depósitos tem aumentado de uma forma continua (exceto 2013) e o seu custo (juros) tem registado uma forte diminuição, o que tem contribuído para reduzir o impacto negativo verificado a nível do crédito concedido, como revelam os dados do quadro 2 construído com dados da informação distribuída aos deputados da comissão de inquérito parlamentar.
Quadro 2 – Variação do custo dos depósitos e do rendimento obtido pelo credito concedido pela CGD no período 2010 -2015
Em 2010, por cada milhão de euros de depósitos a CGD pagou 43.927€ de juros anuais; em 2014 pagou apenas 33.050€ (-24,8%) e, em 2015, apenas 25.114€ (- 24% do que em 2014). Se a CGD tivesse pago em 2015 a mesma taxa de juros por um milhão de euros de depósitos que pagou em 2014, teria pago mais 582,7 milhões €. Esta redução muito significativa de juros pagos pelos depósitos que recebe (entre Jun.2014 e Dez.2014, a taxa baixou de 1,56% para 0,71% e, entre Dez.2014 e Dez.2015, reduziu-se de 0,71% para apenas 0,32% como consta da informação aos deputados) compensou em 79% a quebra verificada nos juros recebidos pelo crédito concedido (entre 2010 e 2014, os juros pagos diminuíram em 1.129 milhões €, e os juros recebidos reduziram-se em 1.430 milhões €). É de prever que, em 2017, o efeito desta redução significativa da taxa de juros verificada entre 2014 e 2015 (redução em 55%) determine uma redução também significativa dos custos dos depósitos, pois uma parte vencerá nesse ano, sendo substituído por uma taxa muito mais baixa. Só devido a isso estima-se que os custos da CGD se reduzam em mais de 200 milhões € em 2017, cujos louros serão aproveitados pela nova administração sem fazer nada para isso.
SERÁ QUE ESTÁ A SER PREPARADO UM NOVO PLANO DE REESTRUTURAÇÃO DA CGD PARA A REDUZIR AINDA MAIS DE FORMA A QUE BANCA PRIVADA SEJA DOMINANTE?
Um dos grandes objetivos da Comissão Europeia é a diminuição do número de bancos em Portugal, com a consequente concentração em beneficio da banca espanhola (a absorção do BANIF pelo Santander com o apoio da DG Comp é um exemplo comprovativo dessa politica), e a redução da importância do banco público (CGD). A recapitalização da CGD poderá ser o pretexto para que a Comissão Europeia e o BCE imponham mais amputações na CGD, com o objetivo de reduzi-la a um “pequeno banco” a fim de diminuir a sua capacidade para concorrer com a banca privada. E quanto maior for o valor da recapitalização maiores serão as exigências da Comissão Europeia e do BCE.
Segundo o Relatório e Contas de 2015, o Ativo ponderado pelo risco (RWA) é de 60.316 milhões €, o que significa que a transformação dos CoCos (900 milhões €) em capital, e uma recapitalização da CGD com mais 2.500 milhões €, os rácios de capital da CGD, que, no fim do 1º Trim.2016, eram 10,4% para o CET1 e 11,7% para o rácio total, aumentariam em 4,1 pontos percentuais, ou seja, para mais de 14% e 15%, respetivamente. E estes valores parecem ser suficientes até porque o Banco de Portugal publicou um comunicado em 29.7.2016, adiando para Janeiro de 2018 o aumento dos fundos próprios das instituições financeiras com risco sistémico que, no caso da CGD, é de 0,5% em 2018 e 0,5% em 2019 (antes era em 2017 e 2018). A redução dos rácios de capital para os valores que defendemos reduziria o pretexto para a Comissão Europeia, através da DG Comp, e do BCE exigirem grandes cortes na atividade da CGD, nomeadamente redução significativa de balcões e de trabalhadores e venda de ativos. A recapitalização da CGD em 5.000 milhões €, como os media divulgaram, estará naturalmente associada a uma maior destruição da CGD exigida pela Comissão Europeia e BCE. É um aspeto importante que não deverá ser omitido e que é preciso estar atento.
Em conclusão, a transformação dos 900 milhões € de Cocos em capital, eliminará um encargo de 90 milhões € de juros em 2017 pois, como já se referiu, a taxa de juro a pagar pela CGD no próximo ano referente aos Cocos será de 10%. Se somarmos a este valor o redução de custos em 2017 determinada pela redução da taxa de juros dos depósitos que diminuiu, entre 2014 e 2015, de 0,71% para 0,32%, mas que se aplicará a uma parcela dos depósitos só em 2017, pois são depósitos a prazo que só se vencem neste ano e, consequentemente, a nova taxa só se poderá aplicar em 2017, assim como a redução de custos resultantes da aplicação do chamado Plano Horizonte (fecho agencias e redução de trabalhadores), em que alguns dos seus efeitos terão também lugar em 2017; repetindo, a soma destas reduções, deverá determinar uma redução total de custos superior a 300 milhões € em 2017. É um “presente” que a nova administração receberá sem ter feito nada, mas cujos louros naturalmente se apropriará.
No documento distribuído aos deputados há ainda uma informação importante que interessa evidenciar porque ela é sistematicamente silenciada pelos media. A CGD deu, durante muitos anos, muitas centenas de milhões € de lucros ao Estado. Só no período que vai de 2000 a 2010, a CGD entregou ao Estado 2.646 milhões € de dividendos que constituíram receitas do Orçamento do Estado. Só a partir de 2011, com a entrada da “troika” e do governo PSD/CDS que impuseram uma politica de consolidação orçamental violenta e recessiva a qual atirou a economia e o país para uma profunda crise, é que a CGD deixou de entregar dividendos ao Estado e passou a acumular prejuízos.
Eugénio Rosa, edr2@netcabo.pt ,5.8.2016