Segunda-feira, 23 de Novembro de 2009

Na discussão gerada pelo caso ‘Face Oculta’ surgiu a dúvida sobre se o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República e o primeiro--ministro podem ser objecto de escutas não-autorizadas pelo presidente do Supremo. O artigo 11º do Código de Processo Penal atribui a esse magistrado competência para autorizar a intercepção, a gravação e a transcrição de conversações em que intervenham tais entidades e determinar a sua destruição.

A questão coloca-se quando o alvo das escutas – seja suspeito ou arguido – é uma qualquer pessoa com quem os titulares daqueles cargos por acaso comunicam. O problema tem duas faces: a face visível é saber se a lei, pela sua letra, abrange conversas em que as referidas entidades são apenas interlocutores de suspeitos e arguidos; a face oculta, que condiciona a resposta, é saber qual é a justificação do regime previsto no artigo 11º do CPP.

A separação de poderes permitiria, sem inconstitucionalidade, que todos os juízes autorizassem quaisquer escutas. Mas há razões de Estado, realçadas pelos contínuos escândalos de violação do segredo de Justiça, que aconselham a que estas sejam autorizadas pelo mais alto representante do poder judicial. Não se trata de um privilégio para proteger a vida privada destas figuras, que podem ser escutadas. Está em causa a protecção do Estado de Direito.

A competência do presidente do Supremo abrange os casos em que as referidas entidades são só parceiros de conversa. Não há nenhuma razão para outra solução. A única particularidade resulta da impossibilidade de autorização prévia do presidente do Supremo quanto a escutas fortuitas. Mas persiste a sua competência para determinar a transcrição ou a destruição dos elementos que lhe devem remeter, à luz de uma norma especial que prevalece sobre as restantes.

Em teoria, subsiste o problema de saber se, durante uma escuta ilegal, surgirem indícios da prática de um crime, eles podem ser utilizados como prova. Esse é um problema comum a qualquer escuta ilegal, ao qual se dá sempre uma resposta negativa, sob pena de se pactuar com atropelos de direitos fundamentais. Por isso, o artigo 125º do CPP determina que as provas que impliquem violação desses direitos sejam nulas e não possam ser utilizadas.

Este regime vale para crimes que podem ser, em abstracto, objecto de escutas. Os conhecimentos fortuitos só podem ser utilizados se a escuta for legal, o crime a investigar a admitir e for indispensável para a prova, como dispõe o artigo 187º do CPP. Nada disto significa uma ponte para a impunidade, porque é sempre possível desencadear uma investigação contra quem é suspeito.

Validar escutas ilegais e não controlar o segredo de Justiça, isso sim, compromete a investigação.

[Correio da Manhã, Fernanda Palma]


MARCADORES:

Publicado por JL às 00:03 | link do post | comentar

2 comentários:
De Presunção de inocência e hipocrisias a 23 de Novembro de 2009 às 08:44
As circunstâncias, verdadeiras e falsas, de como os meandros da justiça têm percorrido os mais variados processos acabaram por alterar o sentido de “presunção de inocência” para “presunção de culpado” quer na opinião pública como na publicada.

Daí que só haverá uma maneira de se saber e sossegar as ditas opiniões de que as declarações de Assis não são hipócritas e reafirmar a “presunção de inocência”. É o Partido Socialista defender que sejam tornadas públicas, as malfadadas gravações.


De O mata processos a 23 de Novembro de 2009 às 08:57
Com o andar da carruagem não tarda nada que alguém arranje um cognome ao actual Primeiro-ministro e lhe passe a chamar “o mata processos”.

É que, dora avante, qualquer concidadão que se sinta escutado, num qualquer processo de natureza criminal, se não tiver, pede a um amigo que lhe ceda o numero de telemóvel de José Pinto de Sousa para quem faz uma ou duas ligações a falar da politica da beterraba açucareira e pronto, lá vão por águia abaixo todos os esforços desenvolvidos pelos investigadores e juízes do processo.


Comentar post

MARCADORES

administração pública

alternativas

ambiente

análise

austeridade

autarquias

banca

bancocracia

bancos

bangsters

capitalismo

cavaco silva

cidadania

classe média

comunicação social

corrupção

crime

crise

crise?

cultura

democracia

desemprego

desgoverno

desigualdade

direita

direitos

direitos humanos

ditadura

dívida

economia

educação

eleições

empresas

esquerda

estado

estado social

estado-capturado

euro

europa

exploração

fascismo

finança

fisco

globalização

governo

grécia

humor

impostos

interesses obscuros

internacional

jornalismo

justiça

legislação

legislativas

liberdade

lisboa

lobbies

manifestação

manipulação

medo

mercados

mfl

mídia

multinacionais

neoliberal

offshores

oligarquia

orçamento

parlamento

partido socialista

partidos

pobreza

poder

política

politica

políticos

portugal

precariedade

presidente da república

privados

privatização

privatizações

propaganda

ps

psd

público

saúde

segurança

sindicalismo

soberania

sociedade

sócrates

solidariedade

trabalhadores

trabalho

transnacionais

transparência

troika

união europeia

valores

todas as tags

ARQUIVO

Janeiro 2022

Novembro 2019

Junho 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

RSS