Terça-feira, 15 de Dezembro de 2009

O número e a gravidade dos casos de violência contra as mulheres evidenciam algo que, na história da vida privada, sempre existiu mas não era anteriormente assumido e relatado. Quando eu era criança, conheci ainda algumas mulheres que se sentiam privilegiadas por os maridos nunca lhes baterem, nem baterem aos filhos do casal.

Na verdade, os comportamentos violentos e agressivos, mais frequentes nas famílias humildes, não eram vistos como criminosos e eram mesmo tolerados pela sociedade. E talvez os homicídios no âmbito familiar fossem então menos frequentes do que hoje, porque a violência quotidiana alimentava e satisfazia o poder dos "donos da família".

No entanto, convém distinguir dois tipos de agressões. Há a agressão quase psicopática, que utiliza a violência como meio de satisfação e conservação do domínio tirânico sobre a família, mas há também uma agressão neurótica, de outra natureza, que pode revelar uma perturbação psíquica ou emocional gerada por diferentes factores.

Em ambos os casos as vítimas têm de ser protegidas, mas as respostas do Direito devem ser diversas. No primeiro caso, há que afirmar uma censura forte ao agente e aos valores que o motivam, através da aplicação de penas severas. No segundo caso, para além da aplicação de penas, importa pensar em medidas complementares de terapia.

De todo o modo, há alguns anos que se iniciou, em Portugal, uma crítica sistemática e profunda à violência contra as mulheres. No plano legislativo, a Revisão de 2007 do Código Penal culminou esse movimento, com a consagração, em termos consideravelmente amplos, do crime autónomo de violência doméstica, a par do crime de maus tratos.

Mas já antes, em 2000, fora mudada, no Código de Processo Penal, a natureza jurídica do crime de maus tratos, que passou a ser um crime público. Desde então, pode – e deve – ser instaurado procedimento criminal se as autoridades judiciárias ou os órgãos de polícia criminal tomarem conhecimento do crime, independentemente da apresentação de queixa.

Existe hoje, por conseguinte, uma consciência crescente de que os crimes de violência doméstica são intoleráveis. Mas importa reforçar a repulsa social contra as formas de opressão familiar. Com ilhas de violência não há democracia, pois esta implica a igual dignidade de todas as pessoas, na sociedade e na família. Os poderes privados nunca são legítimos. Várias notícias recentes demonstram que há muito por fazer para prevenir estes crimes.

Falta ainda transformar a luta contra a violência doméstica numa verdadeira paixão política, com utilização dos meios de intervenção social mais eficazes e campanhas mediáticas intensas, apelativas e de grande impacto, como tem acontecido em Espanha.

[Correio da Manhã, Fernanda Palma]



Publicado por JL às 00:03 | link do post | comentar

MARCADORES

administração pública

alternativas

ambiente

análise

austeridade

autarquias

banca

bancocracia

bancos

bangsters

capitalismo

cavaco silva

cidadania

classe média

comunicação social

corrupção

crime

crise

crise?

cultura

democracia

desemprego

desgoverno

desigualdade

direita

direitos

direitos humanos

ditadura

dívida

economia

educação

eleições

empresas

esquerda

estado

estado social

estado-capturado

euro

europa

exploração

fascismo

finança

fisco

globalização

governo

grécia

humor

impostos

interesses obscuros

internacional

jornalismo

justiça

legislação

legislativas

liberdade

lisboa

lobbies

manifestação

manipulação

medo

mercados

mfl

mídia

multinacionais

neoliberal

offshores

oligarquia

orçamento

parlamento

partido socialista

partidos

pobreza

poder

política

politica

políticos

portugal

precariedade

presidente da república

privados

privatização

privatizações

propaganda

ps

psd

público

saúde

segurança

sindicalismo

soberania

sociedade

sócrates

solidariedade

trabalhadores

trabalho

transnacionais

transparência

troika

união europeia

valores

todas as tags

ARQUIVO

Janeiro 2022

Novembro 2019

Junho 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

RSS