Euro: entre o destino de Sísifo e a saída isolacionista
O Primeiro-Ministro diz em Bruxelas que a política orçamental será expansionista enquanto a retoma não estiver assegurada. Porém, o Ministro das Finanças avisa que o próximo orçamento já reduzirá o défice orçamental (Público, 12 Dez.). Estas declarações do Ministro entendem-se como tentativa de apaziguamento das agências de notação financeira que têm Portugal sob mira, sobretudo no caso de a Grécia entrar em incumprimento.
Em Portugal, a receita já foi passada por Eduardo Catroga: “Congelar a despesa durante dois ou três anos ao nível em que estava na previsão inicial de 2009”, em particular os salários dos funcionários públicos.
Ainda assim, não tenho a certeza de que a Moody’s e a Standard & Poor’s achem que basta. Estas agências, que foram agentes co-responsáveis pela crise, continuam a ser um pilar do sistema financeiro global e, com a cumplicidade de Bruxelas, continuam a definir as políticas públicas europeias (ver aqui).
E se a economia crescer menos que o défice? Ou nem sequer vier a crescer? Um denominador que aumenta menos que o numerador fará aumentar o rácio (Défice/PIB), o que significa que a política falhou o seu objectivo. Ao mesmo tempo, com o novo défice, a Dívida Pública terá de aumentar.
Nesse caso, veremos a procura interna estagnar por via do congelamento dos salários, subida do desemprego, racionamento do crédito ao investimento.
Quanto à procura externa, se nem os EUA vão sair da crise em 2010 e correm riscos de mergulhar em novo ciclo descendente (ver aqui), muito menos crescerá a Espanha, o Reino Unido e os outros países da UE que são nossos clientes tradicionais. Assim, não é credível que possamos fazer crescer a nossa economia nos próximos anos apenas à custa das exportações, ainda por cima com um euro sobrevalorizado. Muito menos se todos os países da Zona Euro seguirem as recomendações destas agências. Mergulharíamos na espiral deflacionista que mal conseguimos travar em 2009.
Em suma, os economistas neo-liberais propõem uma espiral descendente para 2010: menos despesa – menos Produto – menos receita fiscal e mais desemprego (mais despesa social) – aprofundamento do défice; para o orçamento de 2011, dada a previsível ineficácia destas políticas de austeridade, apresentarão propostas de maior agressividade tomando como modelo os cortes na despesa pública da Irlanda, selvagens e sucessivos.
Em vez da redução de despesa pública que sacrifica os estratos mais baixos da classe média, talvez se possa subir os impostos aos ricos, tributar mais os rendimentos do capital, as operações financeiras especulativas, os bónus das administrações, reforçar a eficácia do combate à evasão fiscal, etc. Em suma, distribuir de uma forma mais equitativa os sacrifícios que nos impõem. Mas será que chega? E, ainda assim, não continua a ser uma política recessiva, embora mais justa? E podemos continuar eternamente nesta tarefa de Sísifo?
Por outro lado, importa perceber que se as esquerdas se limitarem a fazer propostas neste sentido (distribuição mais justa dos sacrifícios) acabam por aceitar o terreno escolhido pela direita para o combate político. A estratégia das esquerdas tem de ser outra. Têm de demarcar o terreno do seu discurso e das suas propostas começando por rejeitar com clareza a doutrina pré-Keynesiana dominante em Bruxelas e Frankfurt. Sem deixar de reivindicar mais justiça nos sacrifícios, devem avançar com propostas estruturantes: a) uma iniciativa diplomática e de mobilização da opinião pública que convoque o maior número possível de países da Zona Euro em torno da rejeição de políticas recessivas em período de crise; b) criação de uma agência de notação das finanças públicas dependente da ONU; c) a reivindicação da criação imediata de um fundo europeu emissor de obrigações em euros para, sem imposição de condições contraproducentes, ajudar no curto prazo a Grécia e outros países com dificuldades em financiar-se.
Há certamente quem pense que esta solução não tem apoio político para vingar. Antes de mais, deve lutar-se por uma ideia em que se acredita mesmo que de momento não tenha apoio maioritário (a taxa Tobin é um exemplo). Pela minha parte, tenho dúvidas se, numa situação de colapso da Grécia acompanhado de repercussões em cadeia nos países da Zona Euro financeiramente mais frágeis, a Alemanha, Holanda e outros países (pressionados por uma coligação fracturante) não acabaria por abandonar o seu actual isolacionismo. A própria Alemanha também está dividida quanto ao que quer para o futuro da UE.
Os ortodoxos das finanças públicas deveriam pelo menos ter a lucidez de Martin Feldstein: “em dado momento, a incapacidade de lidar com os problemas económicos domésticos [nos países menos desenvolvidos da Zona Euro] no quadro da UEM poderá levar um ou mais países a concluir que os custos [de permanência no euro] são simplesmente insuportáveis.”
Em minha opinião, uma saída intempestiva teria consequências imprevisíveis, não apenas para o(s) país(es) em causa, mas também para o próprio euro. Uma saída organizada, negociada no quadro de uma revisão dos tratados, acompanhada de restrições adequadas quanto aos movimentos de capitais especulativos, seria uma solução desejável. Mas o futuro está mais do que nunca volátil.
[Ladrões de Bicicletas, Jorge Bateira]
BLOGS
Ass. Moradores Bª. Cruz Vermelha
Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos
MIC-Movimento de Intervenção e Cidadania
Um ecossistema político-empresarial
COMUNICAÇÃO SOCIAL
SERVIÇO PÚBLICO
Base - Contratos Públicos Online
Diário da República Electrónico
SERVIÇO CÍVICO