Terça-feira, 12 de Janeiro de 2010

"Acabou-se a troca de couves por armas",  disse há dias o Ministro da Defesa, Augusto Santos Silva.  Disse bem. Eu, de couves por armas, nunca tinha ouvido falar. Mas de carrinhos-de-bébé por armas, sim – um estranho negócio, contratado pelo Estado português à pala das chamadas “contrapartidas”.

 

          O Ministro disse o que precisava de ser dito, sobretudo depois de ter sido emitida pela Comissão Europeia uma Declaracão Interpretativa restringindo o (ab)uso do art. 296º do Tratado CE para subtrair os contratos de Defesa às regras do Mercado Interno. E depois de ter sido aprovado pelo PE, em Janeiro de 2009, um pacote legislativo sobre aquisições de equipamentos de Defesa, incluindo a Directiva 2009/81/EC. E uma vez que a própria NATO desaconselha aquisições na base de contratos de contrapartidas.

 

         A Directiva 2009/81/EC  estabelece regras comunitárias para os contratos de aprovisionamento de armas, munições e material de guerra (incluindo materiais e servicos relacionados), mas também para a aquisição de equipamentos sensíveis, materiais e serviços para fins de segurança não militares.

 

         Trata-se esta de matéria em que muito trabalhei ao longo da última legislatura no PE, como membro da Subcomissão de Segurança e Defesa, em articulação com o meu Camarada Joel Hasse Ferreira, membro da Comissão do Mercado Interno. Logo a 4 de Novembro de 2005 organizei em Lisboa uma  Audição Pública, com especialistas europeus e nacionais, justamente sobre a legislação europeia em preparação relativamente à aquisição de equipamento de Defesa.

 

            E trabalhei (e continuarei a trabalhar) nesta matéria por estar ciente da desastrosa experiência de opacidade, irracionalidade, desperdicio e corrupção inerente aos contratos de aquisição material de defesa e segurança feitos por Portugal na última década . Com especiais responsabilidades do governo Barroso-Portas (mas também do PS) e contando com o amén acrítico de todos (chefias militares e policiais, altos funcionários públicos e direcções empresariais incluidas).

 

            Recorde-se que há meses atrás foi admitido que as percentagens de implementação dos programas de contrapartidas de alguns dos maiores contratos de aquisição de material de defesa feitos por Portugal nesta década – os dois  submarinos (€1210 milhões), as viaturas blindadas Pandur (€516 milhões) e os helicópteros EH-101 (€403 milhões) – são de 25%, 12% e 24%, respectivamente...  Um baixissimo grau de cumprimento, a sugerir que as empresas envolvidas partem do princípio de que, em Portugal, o Estado é “flexível” na defesa dos interesses nacionais, mesmo os contratualizados...

 

             A Directiva 2009/81/EC foi publicada no Jornal Oficial da UE a 20 Agosto de 2009. A partir desse dia os Estados Membros têm dois anos para a transpôr para a legislação nacional. Mas não precisam de esperar pelo fim do prazo, obviamente.

 

             O  «PÚBLICO», de 21 de Dezembro, diz que  esta Directiva só vai ser transposta para a lei portuguesa em 2011.  Espero que haja engano. Sendo o procedimento destes últimos anos tão desastroso para o erário público, para equipar adequadamente as nossas Forças Armadas e para a confiança dos cidadãos no Estado e nas instituições políticas (partidos políticos incluidos), porquê esperar mais um ano para o mudar e passar a fazer respeitar nacionalmente a nova Directiva comunitária?

[publicado por Ana Gomes, Causa Nossa, 28.12.2009]



Publicado por Xa2 às 00:07 | link do post | comentar

2 comentários:
De comprar ou 'industriar' armas e equip. ? a 14 de Janeiro de 2010 às 10:03
Forças armadas
Portugal não pode ser só comprador

O ministro da Defesa disse hoje que a "grande aposta" de Portugal, nos próximos programas de modernização das Forças Armadas, passa por "deixar de se colocar apenas na posição de comprador".

Augusto Santos Silva, que hoje deu posse aos responsáveis pela nova e poderosa Direcção-Geral do Armamento e Infra-Estruturas de Defesa, explicou que essa política - que se enquadra na estratégia europeia para o sector, em que os actuais regimes de contrapartidas vão acabar - pressupõe a participação de empresas e "capacidades próprias" portuguesas no fabrico e manutenção desses equipamentos e sistemas de armas.
Como armas principais para privilegiar a participação em programas cooperativos - como foi o caso do avião de transporte europeu A400M e é o do helicóptero NH90 (no âmbito da NATO) - já existem os 'clusters' aeronáutico e naval e, ainda, as empresas ligadas aos sistemas de comunicações e de tecnologias de informação, sublinhou Santos Silva, as quais vão ser a base da "constituição de uma base tecnológica e industrial de Defesa" em Portugal.
Neste tipo de programas, um país investe nas fases iniciais de estudo e construção dos equipamentos (incorporando tecnologias nacionais), adquirindo depois alguns deles a preços significativamente mais baixos e participando ainda na manutenção do programa.
Outra prioridade dessa política, assinalou o ministro da Defesa, é a de adquirir equipamentos de "duplo uso" para os mercados militar e civil.
Quanto à nova e poderosa direcção-geral, Santos Silva explicou que essa super-estrutura do Ministério tem como prioridades a revisão da Lei de Programação Militar (LPM), o acompanhamento e revisão da Lei de Programação de Infra-estruturas Militares (LPIM) e o envolvimento da constituição da referida base tecnológica e industrial de defesa.
DN, 14.1.2010


De 'armas civis' a 14 de Janeiro de 2010 às 10:06
oprosaico
13 Jan 2010, às 23:08 - Portugal - Porto

Porque não potenciar os Estaleiros de Viana na construção naval militar?
Pelo que se vê os "patrulhões" não saem do sítio e o país não sabe porquê!
A seguir aos patrulhas poderia avançar-se para a construção de fragatas.
Isto é que seria um grande choque tecnológico.

ajpestana
13 Jan 2010, às 21:41 - Belgium

É uma oportunidade para Portugal marcar a diferença num Mundo em Mudança.
Em vez de armas para destruir e matar, que tal criarmos uma indústria de "armas para construir e salvar vidas"?
Em vez de armas de fogo, instrumentos médicos.
Em vez de fragatas de guerra, navios hospitais especializados, etc e etc.
Serão estes os "exércitos" do futuro.

telmovieira
13 Jan 2010, às 19:40 - Portugal - Lisboa

Portugal nem sequer deveria comprar material de guerra. Este país não precisa de um M.Defesa.
Precisa de um M.Segurança para travar a criminalidade diária que assola o país.
A Defesa do país deve ser a defesa da UE e assim deixar de 'derreter' milhões inutilmente.
Ou será que vamos invadir Espanha se nos cortarem a água do Tejo?....


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