Entrevista (de Elísio Estanque) ao jornal Público, 9-03-2010, por Andreia Marques Pereira
1 – Qual o valor actual de um diploma universitário?
Elísio Estanque - Claro que, hoje em dia, um diploma universitário de "licenciatura" não tem naturalmente o mesmo valor que possuiu no passado. Os títulos (sejam quais forem) valem tanto mais quanto sejam escassos e restritivos.
Hoje, com a expansão do ensino superior houve uma certa "vulgarização" desse grau e do correspondente – e tão invocado em Portugal – titulo de "Dr". Por outro lado, estamos actualmente em processo de rápido crescimento dos diplomas de pós-graduação (Mestrado e Doutoramento).
Se no caso das licenciaturas se pode até falar em "massificação", no caso destes últimos trata-se de um deslocamento ou subida para um patamar superior da credencial académica que hoje pode fazer a diferença. Em suma, se os diplomas universitários já não garantem, por si sós, um estatuto (e mesmo um emprego) de elevado prestígio, o certo é que eles continuam a fazer a diferença. São sobretudo importantes para quem não os possui. E quem tem algum, precisa de fazer cada vez mais "upgrades" para que o mesmo possa abrir portas e responder às expectativas criadas.
2 – Portugal é dos países com menos licenciados na EU e cada vez mais se ouve falar da necessidade de formar mais. No entanto, o desemprego entre estes tem aumentado. Como se explica essa situação?
EE - Explica-se pelo facto de termos uma economia pouco inovadora e pouco competitiva em termos de inovação tecnológica. Até recentemente a nossa escassa competitividade fundava-se nos baixos custos salariais. Nos últimos 20 anos a concorrência dos mercados globais (e o crescimento das economias asiáticas) tornaram esse modelo obsoleto.
Entretanto o mercado de trabalho tem vindo a reestruturar-se. Mas, embora haja sectores emergentes que já incorporam tecnologias de ponta e força de trabalho altamente qualificada, isso ainda não concorre em volume suficiente para absorver uma quantidade crescente de jovens que saem das universidades e politécnicos. Porque entretanto -- e muito por necessidade de mostrar bons indicadores aos nossos parceiros europeus -- a aposta no crescimento do ensino superior tem tido resultados muito mais rápidos do que a renovação do tecido empresarial. Nos últimos anos, a estagnação da economia e a intensificação da crise agravaram ainda mais os problemas que tais processos foram gerando, entre eles o ritmo de crescimento do desemprego (e dos empregos precários e mal pagos) entre as camadas jovens e mais qualificadas.
O desemprego de licenciados é resultado de tudo disso.
3 – Nesse contexto, o que podem esperar os recém-licenciados?
EE - Ou organizam-se e protestam, ou enveredam por caminhos arriscados (como a droga) ou emigram em busca de melhores oportunidades no estrangeiro. Talvez esteja a acontecer um pouco dessas três coisas.
4 – A expressão usada por responsáveis ingleses, “geração perdida”, é ajustada ao contexto português actual?
EE - Sim muitos analistas e activistas vêm usando essa expressão para definir as perplexidades com que hoje a juventude se confronta no plano do emprego. Se a juventude significa (ou significava) a geração do futuro, a justificar os fortes investimentos nas politicas de juventude e de educação, na actualidade a generalidade dos jovens não vê à sua frente grandes perspectivas que conseguirem um emprego qualificado e minimamente seguro e estável.
Esse horizonte parece ter colapsado: o que tem efeitos marcantes na vida dos jovens e suas famílias (no plano económico), mas também no campo das subjectividades, conduzindo a bloqueios, sentimentos de grande frustração, e crescente revolta. E essa revolta, começa por ser interior (do foro psicológico), mas pode rapidamente ser revertida em explosão e conflitualidade social, como acontece recorrentemente por esse mundo. O caso recente da Grécia aí está para sinalizar o que pode ocorrer em Portugal.
5 – O ensino superior – os cursos, as universidades e institutos – está ajustado ao mercado de trabalho? E as universidades poderiam fazer mais para garantir a empregabilidade dos seus alunos?
EE - As universidades poderiam ter feito mais para se renovarem a adaptarem às tendências não só do mercado de trabalho mas da sociedade em geral. A força crescente do mercado, incluindo as pressões internacionais, e também as pressões dos alunos e suas famílias, obrigou as universidades a orientarem-se mais numa lógica profissionalizante. Hoje os programas de pós-graduação (Mestrados) incluem, regra geral, uma via que prevê a realização de estágios profissionais, que pode constituir uma possível saída profissional. Mas as universidades não podem nem devem perder o seu tradicional sentido de missão nos planos científico e de prestação de serviços á sociedade. A componente científica é fundamental para o desenvolvimento social e económico das sociedades.
6 – É possível falar-se em universidades “de elite” em Portugal?
EE - Os rankings internacionais fazem por vezes referência a uma ou outra instituição portuguesa. Na escala nacional, as universidades públicas (e também a Católica, por exemplo) são ainda relativamente elitistas, no sentido em que não são facilmente acessíveis a todos os jovens. Mas na escala internacional ou global, as universidades portuguesas têm poucas condições de competir com as escolas verdadeiramente "de elite".
7 – Um fenómeno cada vez mais recorrente entre recém-licenciados sem emprego é o de voltar à escola – investir em mestrados, doutoramentos. Essa é uma boa opção? E o facto de as licenciaturas terem só três anos, que papel tem no mercado de trabalho?
EE - (Ver atrás, pergunta 1). A tendência é de facto para que a formação pós-graduada seja cada vez mais importante. Pode fazer a diferença.
E em certos segmentos profissionais o prestígio da Universidade onde o diploma foi obtido, também é importante. As licenciaturas só com 3 anos têm, obviamente, menos condições para fornecerem uma formação avançada e aprofundada. Tornaram-se mais generalistas, o que condiz com a actual designação de "1º ciclo" do ensino superior. Além disso, o modelo de Bolonha prometeu muito, no que toca a uma mais estreita e flexível ligação á sociedade e ao mercado de trabalho, mas não há sinais de que a realidade traduza essa conexão.
E isto, a meu ver, porque houve uma "agenda escondida" em todo esse processo, isto é: a questão do financiamento público das universidades, com a poupança que o Estado pode obter, obrigando as instituições usar as propinas (dos 3 ciclos) para responder às suas necessidades de gestão corrente e não tanto para reforçar a qualidade dos serviços. Por isso temos hoje professores e investigadores a ocuparem larga parte do seu tempo em trabalho administrativo e burocrático por falta de verba para contratação de funcionários qualificados. Nós produzimo-los, mas depois não os temos nem para o próprio funcionamento da Universidade.
8 – Na situação actual é necessário tomarem-se “precauções” extra na escolha de um curso? Por exemplo, justifica-se secundarizar a chamada “vocação” em benefício dos cursos supostamente com mais empregabilidade?
EE - Não. O acesso ao emprego está difícil em todas as áreas. Por isso, como eu costumo dizer aos meus estudantes, não compensam os investimentos "calculistas" dessa natureza. Se alguém tem de facto capacidades, deve potenciá-las. E isso faz-se apostando nos cursos e áreas de que se gosta. Se um jovem estiver motivado para um curso de "Artes", por exemplo, não adianta optar por um curso de "Gestão de empresas" ou de "Engenharia", nos quais não se sente realizado. Claro que as "vocações" não são congénitas, antes vão sendo moldadas ao longo do percurso escolar. No entanto, acho que vale a pena recorrer aos psicólogos escolares sempre que o jovem (ou a família) não sabe por que curso deve optar.
- por Elísio Estanque em http://boasociedade.blogspot.com/ 2010.3.13
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