Se a ideia de introduzir na Constituição limites para défices e dívidas públicas fosse por diante, seria ainda pior para os mais pobres
Nos intervalos do bloco central, o PSD tem andado numa azáfama constitucional. Trata-se, qual plano inclinado, de levar até às últimas consequências políticas, ou seja, até à Constituição, a lógica da erosão do Estado social e da fragilização das classes populares presente na perversa política de austeridade permanente com escala europeia. É isto que está por trás da ideia, que circula por aí, de dar dignidade constitucional a limites totalmente arbitrários, como os que proibiriam um défice orçamental superior a 3% do PIB ou uma dívida pública superior a 60%.
Limites que nenhum governo democrático em tempos de crise aguda do capitalismo maduro poderá cumprir sem gerar ainda mais desemprego e exclusão. Por muito que isto desgoste os moralistas das finanças públicas, os défices e a dívida são a consequência do andamento da economia. Por exemplo, a incensada e muito liberal Irlanda, que tinha uma dívida pública de 25% do PIB em 2007, ultrapassará os 77% em 2010. É o colapso da magia do mercado a gerar os défices que nenhuma Constituição trava.
Para não ficar atrás na utopia liberal, o jurista Diogo Leite Campos, eminente ideólogo da direcção de Passos Coelho, defendeu que a passagem de um Estado democrático para um Estado totalitário só poderia ser impedida com a fixação legal de um limite para a carga fiscal.
Que tal 40% do PIB, já que estamos no domínio dos números mágicos?
Leite Campos já tinha demonstrado o seu conhecimento profundo do país ao afirmar que auferir menos de 1000 euros por mês equivale a ser miserável.
Agora demonstra desconhecer que os Estados democráticos mais avançados, com as economias mais competitivas e solidárias - da Dinamarca à Suécia, passando pela Finlândia -, têm em comum, entre outras coisas, uma carga fiscal superior a 40%. A carga fiscal "elevada", longe de ser uma ameaça à democracia e às liberdades amplamente partilhadas, ajuda a efectivá-las. Por muito que isso custe a quem cai no último escalão do IRS.
Este é, de resto, um padrão bem identificado:
as democracias mais participadas, com movimentos sindicais fortes, com maior igualdade salarial antes de impostos e confiança mais elevada nas instituições, tendem a ter Estados sociais universais mais redistributivos e impostos mais elevados e progressivos.
Escolhas políticas que espevitam a inovação económica e ajudam a competitividade das nações. É que os empresários não têm alternativa. Têm mesmo de ser bons.
O país pode escolher:
em vez de constitucionalizar utopias liberais que acentuam a prepotência e a indolência empresariais, mais vale seguir os bons exemplos. Definitivamente, as obsessões constitucionais alemãs, que podem bem provocar uma crise europeia, não são a referência...
João Rodrigues, ionline
De 'consultores' comprados... a 30 de Junho de 2010 às 10:13
Consultor do capitalismo de desastre
-por João Rodrigues*, em 15.03. 2010, http://www.ionline.pt/conteudo/51088-consultor-do-capitalismo-desastre
É conveniente que se esqueçam como a crise começou: das desigualdades à especulação. A memória é perigosa, mas frágil.
Quando o Estado social enfraquece, aumenta o número de presos .
Vários estudos mostram que quanto maior é a desigualdade de rendimentos, maior é o peso da população prisional e mais intensos são outros problemas sociais.
Grandes oportunidades de negócio à vista. Peguem então num país já de si desigual.
Fragilizem, com planos ditos de estabilidade, o seu fraco Estado social e o que resta das regras que protegem uma parte dos trabalhadores e dos grupos sociais mais vulneráveis.
Do subsídio de desemprego ao pagamento de horas extraordinárias, passando pelo rendimento social de inserção, ainda há muito que erodir. Já está? Muito bem.
Um novo aumento do desemprego e da precariedade, que se segue à contracção da procura popular, ajuda a esfarelar solidariedades e a reduzir custos salariais.
É violento e dá uma trabalheira política, bem sei, mas têm de convir que a luta de classes que precede os vossos negócios nunca foi um chá dançante.
Arranjem bodes expiatórios:
dos imigrantes aos pobres, passando pelos funcionários públicos ou pelos sindicatos.
Estes últimos são perfeitos para a intervenção de alguns intelectuais públicos que servem de vossos idiotas úteis.
Aliás, não se esqueçam de os contratar para estarem sempre na televisão, num monólogo de economia do choque e do pavor.
É bom que as pessoas tenham medo e se isolem nos seus tempos ditos livres.
Lembrem-se que a depressão é outra boa oportunidade de negócio.
Também é conveniente que as pessoas esqueçam como esta crise começou:
do aumento das desigualdades à especulação financeira sem freios, depois de décadas das vossas liberalizações. A memória é perigosa, mas frágil.
E podem evitar prejudiciais mobilizações se conseguirem que as alternativas socialistas e democráticas tenham pouca visibilidade.
Depois é continuar a imitar o modelo do capitalismo de predação, ou seja, os EUA, a terra dessa liberdade:
construir prisões e investir na segurança e nos condomínios privados, excelentes negócios em sociedade fracturadas.
Quase um em cada cem adultos na prisão, como nos EUA?
Talvez seja demasiado ambicioso, mas lembrem-se que o enfraquecimento do Estado social é o reforço do Estado penal.
Entretanto, mobilizem mais economistas convencionais:
é preciso exaltar as virtudes da grande empresa, perdão, do mercado.
Aliás, digam sempre "os mercados" num tom ameaçador.
É que ainda há monopólios que podem arrebanhar a bom preço ou com bom financiamento público: dos correios à REN.
O Estado financia e vocês gerem os novos equipamentos ditos públicos - as tais prisões, por exemplo -, como acontece nos EUA ou em Inglaterra.
De facto, as parcerias público-privadas são um dos grandes negócios que ainda se pode expandir neste capitalismo de crise em crise, como já vos disse várias vezes...
*Economista e co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas
..............comentários: .........
José Ferreira
E se privatizarmos as prisões, melhor ainda.
E se for possível, como nos EUA, subornar uns tantos juízes para condenar mais pessoas a penas de prisão, então estaremos num perfeito paraíso...
.......
Carlos Rodrigues
(...)à especulação financeira sem freios, depois de décadas das vossas liberalizações.(...)
É a ausência do Estado como entidade responsável e fiscalizadora.
O deixa andar o mercado livremente, como gostam de afirmar os neoliberais, cuja definição de mercado livre é consoante os seus interesses.
De . a 30 de Junho de 2010 às 10:17
Amin
“Sem Estado não há moeda.” A crise europeia numa frase.
O economista Samir Amin escreve sobre os problemas da zona euro. Continuo a achar que,
mesmo tendo em conta todas as dificuldades, a prioridade política à esquerda deve ser dada a uma saída por cima.
Uma saída que crie os mecanismos políticos de governação económica:
de um orçamento europeu com peso à dívida pública europeia e a um BCE que financie os Estados, passando por mecanismos de coordenação salarial e de política industrial que impeçam a corrida salarial para o fundo e que permitam que os países com défices persistentes possam suspender algumas das regras do mercado interno.
Caso contrário, temos mesmo de nos preparar para o colapso do euro.
Amin continua em boa forma intelectual e política. Pena que o mesmo não se possa dizer de alguns
economistas, convertidos em bem pagos consultores da nossa lumpemburguesia, que o liam avidamente nos idos de setenta, mas que nos anos oitenta e noventa passaram a pôr o carro à frente dos bois…
-por João Rodrigues, 29.6.2010, Ladrões de b.
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