Quarta-feira, 17 de Novembro de 2010

"Mais vale prevenir..." que despedir

 
   “Mais vale prevenir que remediar”, diz o aforismo. Só que, às vezes, já não há remédio. E, neste caso – como em tantos outros parecidos -, mais valia ter prevenido, porque as consequências nada têm de remédio.
   Estou a referir-me ao despedimento colectivo de 336 trabalhadores da “Groundforce” no aeroporto de Faro, e que tem sido notícia destacada desde quarta-feira passada (10/11/10) na comunicação social. Não vou propriamente falar sobre esse processo, mas vou falar por causa dele. Porque é mais um exemplo do que não podemos continuar a tolerar ou a ignorar:
- falta de estratégia e de gestão preventiva, cujas consequências se abatem sobre os trabalhadores e nunca sobre os gestores responsáveis;
- indiferença sobre as consequências humanas negativas e desrespeito para com o trabalho humano;
- banalização do despedimento, como medida “inevitável”.
    Começo pela gestão preventiva, de que praticamente quase nunca se fala, como mais uma vez se constata. Neste caso da ”Groundforce”, iniciou-se em 2008, segundo o site da empresa, um processo de reestruturação, dados os prejuízos (fala-se em 20 milhões de euros) e o “sobredimensionamento” no aeroporto de Faro. Mas já bastante antes de 2008, se podia prever a diminuição de actividade, devido a alterações do tipo de tráfego, como, por exemplo, o aumento dos voos “low cost”. Provavelmente, teriam sido encontradas soluções que evitassem o aumento de prejuízos financeiros agora invocados para proceder ao despedimento.
    Até o “insuspeito” Código do Trabalho parece presumir que haja, ao menos, alguma previsão, antes de se chegar à situação de iniciar um processo de despedimento colectivo. Basta olhar para o artigo 359º onde, ao referir “motivos de mercado” (entre os motivos para despedimento colectivo) se utiliza a expressão “redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível (sublinhado meu) da procura de bens e serviços…”. Ora, falta de previsão e acção preventiva, conhecendo-se as consequências humanas negativas (desemprego) é, no mínimo desleixo. E não se pode tolerar desleixo em situações desta dimensão.
    Há quem tenha dúvidas sobre se o processo tem sido totalmente legal. Mas mesmo que o seja, isso não impede que seja eticamente reprovável. Não parece ter havido informação atempada e suficiente, segundo trabalhadores e seus representantes. Mais: a informação teria chegado aos trabalhadores por e-mail, isto é, sem contacto pessoal da parte da empresa. Segundo o advogado Garcia Pereira “quando não há uma chefia daquela empresa que apareça a dar a cara… chegámos ao grau zero, não apenas na actividade política, mas também na própria aplicação do direito do trabalho. Chegámos abaixo da inefectividade das leis do trabalho. Chegámos ao ponto em que se diz: o crime compensa” (declarações à Rádio Renascença, 11/11/10).
Mais ainda: segundo um representante sindical da actividade, teria havido, em Agosto de 2009, um acordo com o governo sobre garantia dos postos de trabalho que não foi, por este, respeitado (DN Bolsa, 11/11/10 on line). Mas o presidente da TAP refere a impossibilidade de acordo por os sindicatos não prescindirem de certas “regalias” (Público de hoje, 13/11/10).
    A ACT (Autoridade para as Condições de Trabalho) não tem encontrado ilegalidades no processo (segundo a RR, 11/11/10). E, segundo a ministra, continua a acompanhá-lo de perto. Mas, como é hábito, apesar de estar perto, a burocracia não se dá conta da falta de respeito pelos trabalhadores que significa serem informados por e-mail sobre a decisão do seu despedimento. A ACT acompanha de perto, mas o governo não deixa de acompanhar de longe. É que a Groundforce é uma empresa do grupo TAP, tal como outra importante concorrente também é do sector empresarial do estado – a Portway, detida pela ANA. E a concorrência da Portway também terá tido, certamente, alguma influência na actividade da Groundforce. A Portway existe desde 2000. As consequências de tudo isto sobre resultados e sobre o emprego numa actividade sob a mesma tutela governamental não parece terem sido ponderadas, o que já é grave. Ou então, o desemprego consequente não teria uma importância por aí além, seria naturalmente “inevitável” (maldita frequência de tal adjectivo!), o que é revoltante! Ainda por cima, estamos a falar de responsabilidade governamental…
    E assim vemos que a banalização do despedimento já mora nas alturas de estratégias governamentais. Não podem ter ignorado (seria o cúmulo da incúria!) que em 2011 se têm que renovar as licenças de operação de “handling” tanto para a Groundforce como para a Portway. Também não ignoram com certeza as intenções “estratégicas” de privatização da TAP e da ANA. Seria “bom” que a TAP estivesse livre do fardo da Groundforce e que a Portway estivesse à vontade… Não estou a fazer processo de intenções. Estou a tentar (certamente, com imperfeições) interpretar factos e extrair-lhes significados. Um dos significados é que despedimento colectivo no sector empresarial do estado é coisa natural, é algo a aceitar como “inevitável”. Não! Não é nunca aceitável como “naturalmente” inevitável, pois é produto de decisões, ou de uma sequência de decisões, políticas e de gestão, tomadas por pessoas sobre o futuro de outras pessoas.
    Na Doutrina Social da Igreja Católica, a dignidade do trabalho tem um lugar central. No capítulo O Direito ao Trabalho do Compêndio da Doutrina Social da Igreja, diz-se mesmo que o “pleno emprego” é… um objectivo obrigatório para todo o ordenamento económico orientado para a justiça e o bem comum e que uma sociedade que permite enfraquecer o direito ao trabalho “não pode conseguir nem a sua legitimação ética nem a paz social”, porque o trabalho é um bem de todos, que deve estar disponível para todos aqueles que são capazes de trabalhar (cap.IV, nº 288). Não podemos, os cristãos e os cidadãos comfome de justiça”, aceitar a banalização do despedimento, a que estamos a assistir cada vez mais frequentemente, mais a mais quando resulta de políticas tuteladas pelo governo.


Publicado por Xa2 às 00:38 | link do post | comentar

5 comentários:
De LUTAR por 1 VIDA MELHOR a 17 de Novembro de 2010 às 12:33
«...
A (greve-geral) destina-se a dar o sinal de que foi atingido o limite da tolerância e que deixou de haver margem para continuar o rega-bofe.

É importante que os políticos que nos governam e os especuladores nacionais e internacionais que nos estrangulam entendam que chegou o momento em que a nossa compreensão para as actuais medidas não é um sinal de aceitação dos erros continuados que nos conduziram até aqui.

É inevitável fazê-los entender que não estamos na disposição de continuar a admitir novos pedidos de austeridade para tapar os buracos de uns e os roubos de outros.

Isto serve para todos os que têm responsabilidades começando pelo Governo, passando pela Assembleia da República e pela oposição e terminando no Presidente da República.

Quanto aos especuladores há que dar o sinal de que também eles estão no limite.
Impingem condições e chantageiam-nos com ameaças de corte de crédito fazendo-nos crer que o crédito que nos atribuem é uma dádiva e não o negócio de agiotagem que justifica a sua existência.
»
LNT, a barbearia do sr.Luis, 4.11.2010

---comentário de Zé T. a 5.11.2010

Texto quase excelente...
pois discordo sobre a questão da necessidade de aprovação deste Orçamento (com suas injustiças...),

desligado de medidas coordenadas e adequadas da UE (e da aliança dos 'PIGS'/'GIPSI', sob ataque) para combater a Agiotagem dos 'mercados'/ especuladores/ banca e suas 'mandadas' agências de rating ...


De Neurose a 17 de Novembro de 2010 às 13:14
nEUROse…
Por João Rodrigues, Arrastão.org

Bom título do negócios. O trabalho de Elisabete Miranda, a partir de uma entrevista ao economista grego Yianis Varouhakis, faz o balanço da “ajuda europeia”, esse trágico eufemismo:
“Mais pobreza e uma severa recessão”.

Entretanto, podem ler um contributo deste economista grego, embora com tradução descuidada, onde se avançam propostas convergentes com o que eu já defendi no mdiplo:
trata-se de combater o desgraçado AUSTERITARISMO europeu através de REFORMAS na Zona Euro.

Já que estou a falar do euro, recomendo a leitura de um artigo, já com umas semanas, onde Vital Moreira exibe o seu ordoliberalismo, oportunamente colocado na Aba da Causa: “a provação e o teste”.
Com o desemprego a atingir 10% da força de trabalho e com a generalidade das periferias a arder, agora com destaque para a Irlanda, graças a uma austeridade permanente e aditivada pelas pressões dos especuladores, é preciso uma dose cavalar de ideologia para vir anunciar o sucesso da arquitectura institucional subjacente ao euro.
Esta desgraça conduz ao aumento da POLARIZAÇÃO SOCIAL e REGIONAL e, eventualmente, à autodestruição do euro, como sublinha o economista social-democrata Joseph Stiglitz.

O mais trágico é que as elites nacionais e europeias vão precisar de duas DÉCADAS de DECADÊNCIA económica para chegar à conclusão, se não ocorrer um COLAPSO do euro antes disso, de que este arranjo NÃO nos SERVE.

Enfim, o europeísmo feliz LIQUIDOU a social-democracia e agora liquidará, na ausência de luta social denodada, o ESTADO SOCIAL e o que resta dos DIREITOS LABORAIS, transferindo o custo social da CRISE para os TRABALHADORES e para os mais pobres.

O pensamento de Vital ou de Vitorino, dominante entre o centro-esquerda, tem RESPONSABILIDADES, à nossa escala, por este desastre.
As ideias têm consequências.


De DD a 18 de Novembro de 2010 às 00:12
O problema está sempre nas receitas das empresas. Pode uma empresa pagar 4.480 salários anuais + 23,25% de contribuição para a Segurança Social sem ter receita suficiente? Para uma média salarial de 750 euros, o custo seria de quase 4,5 milhões de euros. Será que as bagagens e mais qualquer coisa rendem assim tanto?

Aquilo deve ter sido dimensionado para o pico do verão e agora não tem movimento para tanta gente.

Uma característica de quase todos os gestores de empresas estatais e do Estado é não se preocuparem com as despesas. Acham que, por estarem ligados ao Estado, podem gastar de qualquer maneira e meter pessoal a jorros. Sim, 320 "handlers" no Aeroporto de Faro parece a toda a gente um exagero. De resto, isto é um pensamento transversal a toda a sociedade portuguesa. Ninguém pensa que o dinheiro do Estado é também o seu próprio dinheiro.



De Vencimentos muito + q. os do PR !! a 18 de Novembro de 2010 às 15:57
Ai, quando os mercados souberem...

Os vencimentos dos membros do Conselho de Administração da Fundação Cidade de Guimarães, a entidade que gere a Capital Europeia da Cultura de 2012,
vão sofrer um corte de 30 por cento, anunciou hoje o presidente da câmara de Guimarães e da comissão de rendimentos da fundação.
Muito bem.

Mas… Cristina Azevedo, presidente do Conselho de Administração, que auferia um vencimento de 14.300 euros mensais, vê essa remuneração reduzida para 10 mil euros.
Por sua vez, os dois vogais executivos, até aqui a auferir 12.500 euros cada, passam a receber 8750 euros.

Mesmo com cortes de 30 por cento, cada um destes senhores aufere um salário bastante superior ao do Presidente da República.
O seu trabalho há-de revestir-se de uma importância extrema para os interesses estratégicos do país.

O que pensarão os mercados desta aberração?
Tenho uma vã esperança que o exemplo sirva para comprovar que as relações laborais em Portugal já estão suficientemente flexibilizadas.


De Zé das Esquinas, o Lisboeta a 21 de Novembro de 2010 às 11:04
Gostava mesmo de saber é quanto a Dª Cristina e os seus pares auferiam mensalmente antes de serem escolhidos para esta Fundação.
É para perceber melhor quanto ($) é a honra de presidir a uma capital de cultura... Saber qunto dinheiro abdicaram ter essa honraria... Percebem?
É que eu defendo que as individualidades que se escolhem para estas coisas, para além de serem isso mesmo individualidades, deveriam ter a honra de servir , neste caso a cidade de Guimarães.
Alguém sabe quem são os personagens? São individualidades comn que percurso? Em que áreas e onde? E quanto auferiam nas suas anteriores e honrosas funções?


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