Domingo, 12 de Dezembro de 2010

( por João Rodrigues )

O partido da esquerda europeia realizou, no passado fim-de-semana, o seu congresso, tendo eleito uma direcção de que é vice-presidente Marisa Matias. Destaque para o programa de acção política , infelizmente ainda só em inglês, onde se apontam alternativas de política económica para uma Europa democrática e social, ou seja, para uma União viável – da taxação das transacções financeiras à alteração do papel do BCE, passando pela emissão de obrigações europeias para financiar os Estados.

 

Esta última proposta, formulada no início do anos noventa por economistas keynesianos como Stuart Holland, foi esta semana defendida pelo Luxemburgo e pela Itália. Uma ideia que contribuiria para superar a assimetria da integração europeia: não há moeda europeia sem orçamento e sem dívida pública europeus, a espinha dorsal dos mercados financeiros.

O governo português, pela voz demasiado discreta de um secretário de estado, veio apoiar tardiamente. O governo deveria estar na frente de iniciativas deste tipo. O respeitinho do governo e de Cavaco pelos mercados existentes não é bonito.

 Esquecem-se que estes (mercadospodem e devem ser reconfigurados através da acção política deliberada. Só assim será possível contrariar as suas tendências destrutivas.

 

Manuel Alegre, pelo contrário, há muito que introduziu estes temas na sua agenda política, tendo sido também o primeiro líder político nacional a defender uma aliança das periferias para fazer face a uma austeridade que as vai escavacar.



Publicado por Xa2 às 00:07 | link do post | comentar

2 comentários:
De Dumping fiscal e desunião europeia a 13 de Dezembro de 2010 às 11:06
( IRLANDA: ) Garras artificiais
Por Vital Moreira

No novo plano de superausteridade da Irlanda, destinado a preparar a ajuda da UE e do FMI à sua dramática situação financeira, há de tudo, desde um corte drástico nos funcionários públicos até à redução do salário mínimo, desde a redução de remunerações até ao aumento dos principais impostos. Tudo menos uma coisa: nenhum aumento do imposto sobre os lucros das empresas, apesar de ser um dos mais baixos da UE. Porquê esta incongruência?

Grande parte do chamado milagre económico do "tigre celta" nas últimas duas décadas, com taxas de crescimento quase "asiáticas", ficou a dever-se não somente à bolha imobiliária alimentada pelo crédito barato trazido pelo euro e explorado pelos bancos mas também aos baixos impostos sobre as empresas e sobre o rendimento pessoal, que atraíram enormes investimentos, tanto europeus como sobretudo norte-americanos, interessados em entrar no mercado interno europeu. A Irlanda tem uma das mais baixas taxas de imposto sobre os lucros, 12,5%, menos de metade da média europeia. Em muitos países a taxa desse imposto é muito superior, como na França (25%) e na Alemanha (30%).

O dumping fiscal irlandês parecia ser uma receita de sucesso. Arrasando os demais competidores europeus, a Irlanda atraía mais investimento estrangeiro, que criava crescimento e emprego, melhorava a competitividade externa da economia, fomentando as exportações, e ainda por cima permitia que o Estado, apesar das baixas taxas, arrecadasse um elevado montante do imposto, por efeito do aumento da massa de lucros tributáveis. Se a isto se acrescentar a criatividade dos bancos irlandeses na exploração do "boom" imobiliário e em aplicações especulativas, aí temos a chave do sucesso irlandês (com muitos apóstolos entre nós...).

Até que do outro lado do Atlântico veio a crise financeira, primeiro, económica depois, que revelou a excessiva "alavancagem" dos bancos irlandeses, trouxe a contração do mercado imobiliário e da economia em geral, numa espiral de deflação financeira, de retração do investimento, de desemprego, de "default" hipotecário, de perda de receita fiscal do Estado, de disparo do défice orçamental, de subida da dívida pública. Para agravar as coisas, logo no início da crise financeira, o Governo garantiu que nenhum banco seria deixado cair. O custo orçamental do resgate dos bancos subiu para números estratosféricos. Com baixas receitas fiscais, em consequência dos baixos impostos e da recessão económica, o défice orçamental ultrapassa este ano os 30% do PIB (quase cinco vezes superior ao défice de Portugal).

Só restava recorrer à ajuda externa e lançar outro programa de austeridade ainda mais drástico do que o anterior, incluindo um substancial aumento de impostos. Todavia, o Governo irlandês decidiu manter intocado o imposto sobre as empresas. Parece uma opção ilógica, tendo em conta as necessidades orçamentais e a conveniência de preservar um mínimo de equidade na repartição social dos sacrifícios. É evidente que para poupar os lucros, o plano de austeridade teve de agravar mais os outros impostos ou de fazer cortes ainda mais profundos na despesa pública. Para um plano que prevê o despedimento de milhares de funcionários públicos e a redução do salário mínimo, afigura-se ser um escândalo salvaguardar o privilégio fiscal das empresas.

Sendo assim, por que é que o Governo irlandês se negou terminantemente a subir o imposto e por que é que nem a oposição interna nem os demais Estados-membros, que vão suportar uma parte da ajuda à Irlanda, não fazem questão disso? A razão é simples: no ambiente de severa recessão económica em que se encontra o país, a subida do imposto sobre as empresas poderia ter efeitos contraproducentes, na medida em que a redução da competitividade poderia não somente agravar a recessão e o desemprego mas também reduzir a própria receita do imposto. Tal como um viciado em droga em situação de crise, a privação da droga do dumping fiscal poderia provocar o coma económico e financeiro da Irlanda.
...


De UE: falta Harmonizar Impostos e barreira a 13 de Dezembro de 2010 às 11:10
Garras artificiais
...
A desventura irlandesa testemunha os efeitos perversos de uma das piores inconsistências da integração económica europeia, que consiste na construção de um mercado interno, baseado na concorrência sem fronteiras no espaço da União, sem contudo estabelecer um mínimo de harmonização fiscal, sobretudo dos impostos mais relevantes para a atividade económica, como é o imposto sobre os lucros das empresas (para além dos impostos sobre os rendimentos de capital e sobre as poupanças). Como é possível existir um "level playing field" concorrencial entre as empresas no mercado interno europeu, se os Estados-membros mantêm plena liberdade de baixar os impostos sobre a atividade económica, de modo a "dopar" a competitividade das suas empresas face às de outros países (e à custa delas)? Como é que o mercado interno pode ser compatível com a competição fiscal e com uma corrida à redução fiscal, pondo em causa a sustentabilidade fiscal dos Estados?

Como nunca foi possível alterar a inicial regra da unanimidade em questões fiscais - por alegadas razões de soberania, nuns casos, por puro oportunismo, noutros -, a questão só poderia ser resolvida mediante um forte impulso político, capaz de conduzir a um mínimo de harmonização fiscal. Independentemente disso, é lamentável que os Estados-membros, que vão suportar uma parte da ajuda à Irlanda - e que têm em geral impostos mais elevados -, não tenham aproveitado para obter contrapartidas nesta matéria. Mesmo admitindo que não se podia impor à economia irlandesa neste momento uma súbita sobrecarga fiscal, era mais do que justo exigir um compromisso de subida do imposto logo que a recuperação económica o permitisse.

Não se pode perder uma oportunidade de ouro como esta para atacar o dumping fiscal na União Europeia.

(Público, terça-feira, 30 de Novembro de 2010)
[Publicado por Vital Moreira, CausaNossa,11.12.10]


Comentar post

MARCADORES

administração pública

alternativas

ambiente

análise

austeridade

autarquias

banca

bancocracia

bancos

bangsters

capitalismo

cavaco silva

cidadania

classe média

comunicação social

corrupção

crime

crise

crise?

cultura

democracia

desemprego

desgoverno

desigualdade

direita

direitos

direitos humanos

ditadura

dívida

economia

educação

eleições

empresas

esquerda

estado

estado social

estado-capturado

euro

europa

exploração

fascismo

finança

fisco

globalização

governo

grécia

humor

impostos

interesses obscuros

internacional

jornalismo

justiça

legislação

legislativas

liberdade

lisboa

lobbies

manifestação

manipulação

medo

mercados

mfl

mídia

multinacionais

neoliberal

offshores

oligarquia

orçamento

parlamento

partido socialista

partidos

pobreza

poder

política

politica

políticos

portugal

precariedade

presidente da república

privados

privatização

privatizações

propaganda

ps

psd

público

saúde

segurança

sindicalismo

soberania

sociedade

sócrates

solidariedade

trabalhadores

trabalho

transnacionais

transparência

troika

união europeia

valores

todas as tags

ARQUIVO

Janeiro 2022

Novembro 2019

Junho 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

RSS