Domingo, 16 de Janeiro de 2011

Não aceitar a quarentena (.por Daniel Oliveira)

 

Não devemos fazer confusão. O FMI e o Fundo de Estabilização Europeu não nos vão salvar. Este empréstimo, a juros usurários e em troca de condições que nos transformariam num país da América Latina dos anos oitenta, não é um gesto de solidariedade. Pelo contrário. Trata-se de isolar o infectado para salvar o países mais fortes e o seu capital financeiro.

 

A quarentena não salvará o doente, como se vê pelos resultados trágicos na Grécia e na Irlanda. Deixa-o morrer sem pôr em perigo o vizinho. Porque se a doença chegasse a Espanha, e ela vai chegar a Espanha, a Europa teria finalmente de abandonar, sob perigo de ver o euro colapsar, o dogma monetário alemão. O que, já agora, seria uma excelente notícia para nós.

Antes de o fazer, a Alemanha e a França preferem aniquilar a gordura. E a gordura, nesta reconstrução da Europa egoísta, são as economias periféricas, que curiosamente são alguns dos principais mercados de destino para as exportações alemãs (e francesas). Mas, como sabemos, a racionalidade não tem sido o forte dos líderes europeus.

 

Perante isto, o indisfarçável desejo da direita portuguesa em ver chegar os nossos coveiros não é apenas irresponsável. É, usando uma terminologia que lhe é cara, uma demonstração de antipatriotismo. A vinda do FMI e do FEE é o atalho que levará o PSD mais depressa para o poder. E perante essa possibilidade, depois de anos de seca sem lugares para distribuir, o futuro do País passa a ser uma irrelevância. E à boleia das exigências que virão do exterior, os liberais poderão finalmente impor a sua receita, mesmo que ela não seja politicamente aceite pela maioria dos portugueses: emagrecimento do Estado Social, privatizações, mais mudanças nas leis laborais. E ter um alibi externo para o seu programa.

 

É bom não termos dúvidas: no dia em que aceitarmos a pressão alemã e francesa para fazer este "contrato" assinamos a nossa certidão de óbito. E, no entanto, do ponto de vista da nossa economia, não ganhamos rigorosamente nada com isto. Ele não nos salvará. Pelo contrário, apenas tornará mais rápida a tragédia.

         

(bandeira 'nacional' com saca-rolhas: luso 'sacanço' ? 'sacanice'? 'sacanas'?... promoção de rolhas e vinhos?)

estado da nação (.por Pedro Vieira )



Publicado por Xa2 às 00:08 | link do post | comentar

2 comentários:
De anónimo a 17 de Janeiro de 2011 às 10:22
Bom post e representação 'nacional' certeira mas repugnante.


De Cidadãos Europeus, UNI-VOS ! a 18 de Janeiro de 2011 às 16:57
Cidadãos europeus, Uni-vos!
(por Boaventura Sousa Santos, http://aeiou.visao.pt/cidadaos-europeus-uni-vos=f561154 )

A luta de classes está a voltar, sob nova forma, mas com a violência de há cem anos: agora é o capital financeiro a declarar guerra ao trabalho

Os dados estão lançados, o jogo é claro e quanto mais tarde identificarmos as novas regras mais elevado será o custo para os cidadãos europeus. A luta de classes está de volta à Europa e em termos tão novos que os actores sociais estão perplexos e paralisados. Enquanto prática política, a luta de classes entre o trabalho e o capital nasceu na Europa e, depois de muitos anos de confrontação violenta, foi na Europa que ela foi travada com mais equilíbrio e onde deu frutos mais auspiciosos. Os adversários verificaram que a institucionalização da luta seria mutuamente vantajosa: o capital consentiria em altos níveis de tributação e de intervenção do Estado em troca de não ver a sua prosperidade ameaçada; os trabalhadores conquistariam importantes direitos sociais em troca de desistirem de uma alternativa socialista.

Assim surgiram a concertação social e seus mais invejáveis resultados: altos níveis de competitividade indexados a altos níveis de protecção social; o modelo social europeu e o Estado Providência; a possibilidade, sem precedentes na história, de os trabalhadores e suas famílias poderem fazer planos de futuro a médio prazo (educação dos filhos, compra de casa); a paz social; o continente com os mais baixos níveis de desigualdade social.

Todo este sistema está à beira do colapso e os resultados são imprevisíveis. O relatório que o FMI acaba de divulgar sobre a economia espanhola é uma declaração de guerra: o acumulo histórico das lutas sociais, de tantas e tão laboriosas negociações e de equilíbrios tão duramente obtidos, é lançado por terra com inaudita arrogância e a Espanha é mandada recuar décadas na sua história: reduzir drasticamente os salários, destruir o sistema de pensões, eliminar direitos laborais (facilitar despedimentos, reduzir indemnizações).

A mesma receita será imposta a Portugal, como já foi à Grécia, e a outros países da Europa, muito para além da Europa do Sul. A Europa está a ser vítima de uma OPA por parte do FMI, cozinhada pelos neoliberais que dominam a União Europeia, de Merkel a Barroso, escondidos atrás do FMI para não pagarem os custos políticos da devastação social.

O senso comum neoliberal diz-nos que a culpa é da crise, que vivemos acima das nossas posses e que não há dinheiro para tanto bem-estar. Mas qualquer cidadão comum entende isto: se a FAO calcula que 30 mil milhões de dólares seriam suficientes para resolver o problema da fome no mundo e os governos insistem em dizer que não há dinheiro para isso, como se explica que, de repente, tenham surgido 900 mil milhões para salvar o sistema financeiro europeu? A luta de classes está a voltar sob uma nova forma mas com a violência de há cem anos: desta vez, é o capital financeiro quem declara guerra ao trabalho.

O que fazer? Haverá resistência mas esta, para ser eficaz, tem de ter em conta dois factos novos. Primeiro, a fragmentação do trabalho e a sociedade de consumo ditaram a crise dos sindicatos.
Nunca os que trabalham trabalharam tanto e nunca lhes foi tão difícil identificarem-se como trabalhadores. A resistência terá nos sindicatos um pilar mas ele será bem frágil se a luta não for partilhada em pé de igualdade por movimentos de mulheres, ambientalistas, de consumidores, de direitos humanos, de imigrantes, contra o racismo, a xenofobia e a homofobia.
A crise atinge todos porque todos são trabalhadores.

Segundo, não há economias nacionais na Europa e, por isso, a resistência OU É EUROPEIA ou NÃO EXISTE.
As lutas nacionais serão um alvo fácil dos que clamam pela governabilidade ao mesmo tempo que desgovernam. Os movimentos e as organizações de toda a Europa têm de se articular para mostrar aos governos que a estabilidade dos mercados não pode ser construída sobre as ruínas da estabilidade das vidas dos cidadãos e suas famílias.
Não é o socialismo; é a demonstração de que ou a UE cria as condições para o capital produtivo se desvincular do capital financeiro ou o futuro é o fascismo e terá que ser combatido por todos os meios.


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