A boa moeda (-por Daniel Oliveira, 17.01.2011)
Para apelar ao votos dos jovens, Cavaco Silva deixou frase enigmática:
"Pensem bem o que significa alhear, deixar àqueles que são mais medíocres, àqueles que têm menos conhecimentos e capacidades, aqueles que são menos sérios, o poder de decisão".
Sabemos que o Presidente não tem uma relação fácil com verbo - os exercícios interpretativos das incompreensíveis declarações públicas do Presidente são já um clássico da política portuguesa -, mas seria bom perceber qual é a ideia.
- Que os mais velhos são medíocres? Espero que não.
- Que quem costuma votar é pior do que quem não vota? Seria estranho.
- Que os mais velhos tendem a escolher gente menos capaz? Improvável.
Talvez o candidato queira dizer, na sua língua de trapos, que é necessário ir votar nele para impedir que se escolham medíocres, desonestos, incapazes e ignorantes.
Feita a mais benigna das interpretações, o que Cavaco Silva deixa nesta frase é o que deixou em toda a campanha e, diga-se em abono da verdade, durante quase toda a sua carreira política:
a arrogância como programa político.
Já foi assim nos debates com quase todos os candidatos, assim continua.
O que se tira desta declaração é que o que divide Cavaco Silva dos restantes oponentes são as qualidade pessoais de cada um. E qualidades de carácter.
Segundo o Presidente, que sempre teve de si próprio uma opinião que se aproxima perigosamente da megalomania, os seus opositores são mais medíocres, menos conhecedores e capazes, e, veja-se bem, menos sérios do que ele.
O discurso de Cavaco sempre se resumiu a isto mesmo: ele é a boa moeda.
E fala assim o homem que teve, até há uns meses, Dias Loureiro como um dos seus principais homens de confiança.
Cavaco tem de se decidir.
Ou quer falar dos problemas do País, e abandona de uma vez por todas o elogio quase delirante às suas qualidades pessoais, concentrando-se nas alternativas políticas que se apresentam nestas eleições,
ou mantém esta estratégia e temos todo o direito a escrutinar se o que diz sobre si próprio é comprovável.
Ou os seus traços de carácter não são relevantes nestas eleições e ele não se compara nesse domínio aos restantes candidatos, ou eles são fundamentais para o nosso voto e esse é um tema desta campanha.
Se são um tema, digo sem rodeios:
NÃO CONFIO na seriedade de Cavaco Silva.
Não confiava quando o seu governo se enterrava em escândalos de corrupção, quando Dias Loureiro era ministro e Oliveira Costa era secretário de Estado e
quando os dinheiros europeus serviam para engordar patos bravos.
NÂO CONFIO quando fica evidente que continuou, durante anos, a fazer negócios com a quadrilha do BPN.
NÃO CONFIO nas capacidades políticas de Cavaco Silva.
Não confiava quando escolheu, numa das maiores oportunidades que Portugal já teve, o modelo de desenvolvimento que nos levou à ruína e quando tratava da contestação de estudantes, de trabalhadores, de utentes da ponte 25 de abril ou de forças de segurança à bastonada.
NÂO CONFIO quando o vejo embrenhar-se numa novela como a das escutas ou deixa que o País seja insultado pelo chefe de Estado checo, ao seu lado, sem abrir sequer a boca.
Não confiava nem confio nos conhecimentos de Cavaco Silva sempre que demonstrou e continua a demonstrar a sua inquietante iliteracia e a sua perturbante falta de Mundo.
Estarei a ser insultuoso para o nosso Presidente? Não mais do que Cavaco Silva foi ao referir-se aos seus opositores. É que já cansa tanta pesporrência.
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