Quinta-feira, 20 de Janeiro de 2011

O nervosismo dos mercados é um conjunto de especuladores financeiros, dominados pela vertigem de ganhar rios de dinheiro com a bancarrota do nosso país.

   

Portugal é um pequeno barco num mar agitado. Exigem-se bons timoneiros, mas se o mar for excessivamente agitado não há barco que resista, mesmo num país que séculos atrás andou à descoberta do mundo em cascas de noz. A diferença entre então e agora é que o Adamastor era um capricho da natureza, depois da borrasca era certa a bonança e só isso tornava "realista" o grito de confiança nacionalista, do "Aqui ao leme sou mais que eu..." 

Hoje, o Adamastor é um sistema financeiro global, controlado por um punhado de grandes investidores institucionais e instituições satélites (Banco Mundial, FMI, agências de notação) que têm o poder de distribuir as borrascas e as bonanças a seu bel-prazer, ou seja, borrascas para a grande maioria da população do mundo, bonanças para eles próprios. Só isso explica que os 500 indivíduos mais ricos do mundo tenham uma riqueza igual à da dos 40 países mais pobres do mundo, com uma população de 416 milhões de habitantes. Depois de décadas de "ajuda ao desenvolvimento" por parte do Banco Mundial e do FMI, um sexto da população mundial vive com menos de 77 cêntimos por dia.

O que vai acontecer a Portugal (no seguimento do que aconteceu à Grécia e à Irlanda, e irá acontecer à Espanha, não ficando talvez por aí) aconteceu já a muitos países em desenvolvimento. Alguns resistiram às "ajudas" devido à força de líderes políticos nacionalistas (caso da Índia), outros rebelaram-se pressionados pelos protestos sociais (Argentina) e forçaram a re-estruturação da dívida. Sendo diversas as causas dos problemas enfrentados pelos diferentes países, a intervenção do FMI teve sempre o mesmo objetivo: canalizar o máximo possível do rendimento do país para o pagamento da dívida.

No nosso contexto, o que chamamos "nervosismo dos mercados" é um conjunto de especuladores financeiros, alguns com fortes ligações a bancos europeus, dominados pela vertigem de ganhar rios de dinheiro apostando na bancarrota do nosso país e ganhando tanto mais quanto mais provável for esse desfecho. E se Portugal não puder pagar? Bem, isso é um problema de médio prazo (pode ser semanas ou meses). Depois se verá, mas uma coisa é certa: "As justas expectativas dos credores não podem ser defraudadas.

"Longe de poder ser acalmado, este "nervosismo"  é alimentado pelas agências de notação: baixam a nota do país para forçar o Governo a tomar certas medidas restritivas (sempre contra o bem-estar das populações); as medidas são tomadas, mas como tornam mais difícil a recuperação económica do país (que permitiria pagar a dívida), a nota volta a baixar. E assim sucessivamente até à "solução da crise", que pode bem ser a eclosão da mais grave crise social dos últimos 80 anos.

Qualquer cidadão, com as naturais luzes da vida, perguntará como é possível tanta irracionalidade? Viveremos em democracia? As várias declarações da ONU sobre os direitos humanos são letra morta? Teremos cometido erros tão graves que a expiação não se contenta com os anéis e exige os dedos, se não mesmo as mãos?

Ninguém tem uma resposta clara para estas questões, mas um reputado economista (Prémio Nobel da Economia em 2001), que conhece bem o anunciado visitante, FMI, escreveu a seu respeito o seguinte: "As medidas impostas pelo FMI falharam mais vezes do que as em que tiveram êxito...Depois da crise asiática de 1997, as políticas do FMI agravaram as crises na Indonésia e na Tailândia. Em muitos países, levaram à fome e à confrontação social; e mesmo quando os resultados não foram tão sombrios e conseguiram promover algum crescimento depois de algum tempo, frequentemente os benefícios foram desproporcionadamente para os de cima, deixando (as classes médias e) os de baixo mais pobres que antes.

O que me espantou foi que estas políticas não fossem questionadas por quem tomava as decisões...

Subjacente aos problemas do FMI e de outras instituições económicas internacionais é o problema de governação: quem decide o que fazem?" (Joseph Stiglitz, Globalization and its Discontents, 2002). Haverá alternativa? Deixo este tema para a próxima crónica.

Boaventura Sousa Santos 



Publicado por Xa2 às 00:07 | link do post | comentar

3 comentários:
De Zé das Esquinas, o Lisboeta a 20 de Janeiro de 2011 às 10:13
Mais uma vez Boaventura Sousa Santos expõe com enorme clareza a «mentira» em que os nossos políticos embarcaram quanto à «crise» economico-financeira e às suas «soluções».
Embora não aponte soluções, toca também num ponto muito importante - porque é que quem toma decisões embarcou neste «naufrágio»? E eu atrvo-me a perguntar - porque não são pessoalmente responsabilizados por essas «más» decisões?


De . O REI VAI NU . a 20 de Janeiro de 2011 às 10:31
De : TRANSPARÊNCIA e BURLAS e ROUBOS, a 18.01.2011

O REI VAI NU (-por Daniel Oliveira, Arrastão)

Dois discos compactos com detalhes sobre as contas bancárias OFFSHORE de cerca de duas mil clientes e companhias usadas para EVASÂO FISCAL foram ontem entregues por um ex-bancário suíço a Julian Assange.
Não vai faltar quem se irrite. Quem defenda, como aconteceu com a diplomacia, que o segredo é alma do negócio.
Quem se lembre o direito à privacidade que é esquecido para o cidadão comum - em Portugal, por exemplo, os beneficiários do Rendimento Mínimo são obrigados a revelar tudo o que está nas suas contas enquanto o segredo é garantido para quem vai declarando muito menos do que evidentemente tem.

A WikiLeaks prepara-se assim para prestar mais um excelente serviço À SAÚDE das nossas democracias e, já agora, das NOSSAS ECONOMIAS.
Os offshore são usados para BURLAR os Estados de uma forma legalmente aceite - quando não servem para esconder dinheiro de atividades criminosas.

Se são os Estados que permitem a existência destes buracos negros, contribuindo para a DESTRUIÇÂO da função social das políticas fiscais e para a promoção a DESIGUALDADE, que seja a sociedade civil a dizer que o rei vai nu.
Não me parece que quem usa os offshores se vá sentir especialmente envergonhado. Pelo contrário, até sentirá orgulho pela sua eficácia empresarial.

Mas a DENÙNCIA poderá provocar, por uma vez, alguma indignação nos cidadãos contribuintes.
E talvez os leve a pressionar aqueles que elegem a fazer alguma coisa.
A criar regras na circulação de capitais e a impedir que o seu próprio território seja usado para fuga ao fisco.

Porque a coisa é simples:
os CONTRIBUINTES são diariamente ROUBADOS quando são obrigados a pagar aquilo que os que mais têm não pagam.
E são roubados no seu dinheiro porque antes foram roubados no seu poder.
Porque, em muitas democracias, os que elegem se demitem de pedir a todos o mesmo que pedem a quem trabalha.
Saber até que ponto somos roubados só nos pode fazer bem.


De - Que FUTURO ?? . a 20 de Janeiro de 2011 às 10:19
A Dívida: os sucessos conjunturais e os desafios estratégicos

1 . "Portugal colocou hoje 750 milhões de euros de Bilhetes do Tesouro a 12 meses a uma taxa de juro média de 4,029 por cento, tendo a procura sido 3,1 vezes a oferta."
A operação correu bem, na conjuntura, porque se conseguiu um juro menor do que os 5,281 em leilão idêntico realizado em 1 de Dezembro pp.
No entanto, tendo em conta que o juro foi de 0,9 %, numa operação idêntica há um ano atrás, podemos avaliar o desafio dramático que a especulação financeira coloca ao país.

2. "A Moody`s prevê que a economia portuguesa cresça em 2011 mas, mesmo assim, prepara-se para cortar o rating de Portugal, em um ou dois níveis, até ao «final de Março, senão antes».

Os juros altíssimos, entre os 6 e os 7%, que temos de pagar para obter dinheiro a 10 anos, associado ao baixo crescimento ou mesmo estagnação da economia e consequente menos receita do Estado para diminuir o défice fomenta o aumento da dívida que por sua vez diminui o desempenho económico.

O tão falado CÍRCULO VICIOSO só pode acabar com decisões de outra natureza, REESCALONAMENTO da DÍVIDA dalguns destes países, nomeadamente de Portugal (e eventual PERDÃO PARCIAL da mesma), reforma do BCE e passos decisivos de NATUREZA (con-) FEDERAL da UE.

Mais do que Portugal, a Grécia e a Irlanda, dado o fraco resultado das medidas tomadas, vai obrigar a UE, e em especial a Alemanha, a repensar a estratégia para ENFRENTAR a ofensiva da ESPECULAÇÃO financeira que tem na mira a Espanha, a Bélgica e eventualmente a Itália...

Quando se perceber melhor que o que está em causa é um forte ataque ao euro e que esta união monetária, cada Estado por si, não têm alicerces, para enfrentar grandes ameaças em situações de crise ou o euro fracassa ou medidas daquela natureza vão-se impor.
____________
Não sei se robustece ou fragiliza a credibilidade destes vaticínios dizer que não sou economista nem especialista em finanças. Mas... fica dito.

Etiquetas: a crise do euro, Reescalonamento da dívida
# Raimundo Narciso, PuxaPalavra, 20.1.2011


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