Quinta-feira, 20 de Janeiro de 2011

Queremos a liberdade de expressão e a autonomia de consciência, dentro do Partido Socialista. Por isso, não podemos recusá-la a quem assuma posições que nos desagradem, especialmente, quando somos nós a estar em consonância com a direcção do partido e não eles, como é costume. Mas uma coisa é reconhecer-lhes o direito a tomarem as posições individuais que entenderem, outra coisa é deixar de os criticar.

Isto vem a propósito de declarações do Correia de Campos, em desfavor de Alegre que, como por milagre, ecoaram na comunicação social, com ecos relevantes na blogosfera. Que fosse quem fosse preferisse outro candidato seria verdadeiramente trivial. Mas é muito diferente que entre os candidatos realmente existentes um ex-ministro, actual deputado europeu pelo PS e membro da sua Comissão Política Nacional acorde da sua tranquila sesta europeia, para vir dar umas bicadas no candidato apoiado pelo PS e para dizer umas vagas untuosidades favoráveis a Cavaco. Tudo isso, está muito longe da decência política.

De facto, nos últimos dias, tem vindo a ficar claro que Cavaco combate Alegre, não só porque ele é o candidato que realmente protagoniza uma alternativa estratégica à sua continuidade, mas também por Cavaco estar desde já determinado a varrer o PS do Governo, para lá instalar o PSD, se possível, ou uma nova AD, se necessário. Cavaco está pois a assumir-se como o verdadeiro chefe de uma ambicionada desforra da direita, que ainda não perdoou o 25 de Abril. Esta eleição é, por isso, uma batalha decisiva que poderá abrir a porta a uma guerra mais funda e mais implacável. Uma batalha em que Alegre é o primeiro protagonista, mas em que o PS não deixaria de ser também atingido e muito prejudicado, se o candidato que apoia fosse derrotado.

Quem não perceber isto, anda a dormir. E se já é triste ver outros candidatos, alegadamente de esquerda, passarem ao lado do essencial e atacarem em conjunto Cavaco e Alegre, fingindo que os consideram idênticos, é deplorável ver alguém como Correia de Campos a procurar contribuir para o enfraquecimento de Alegre e a favorecer, descarada conquanto melifluamente, Cavaco.

É que ele não está apenas, num acto de mesquinhez política, a procurar desforrar-se das críticas que Alegre lhe fez quando ele foi Ministro, está a combater num momento difícil o seu próprio Partido. E deve dizer-se, aliás, como agravante, que não teve sequer a grandeza de o fazer com frontalidade, sem ambiguidade, sem meias palavras, assumindo sem tergiversar uma posição clara. Nada disso. As suas bicadas em Alegre pretenderam-se subtis, o seu apoio a Cavaco foi cuidadosamente embrulhado numa untuosa hipocrisia, bem expressa pelo modo como esse apoio foi negado. Isto é, o modo como foi feita a negação desse apoio foi afinal, em si própria, uma dissimulada manifestação de apoio. Enfim, procurou prejudicar Alegre e beneficiar Cavaco tanto quanto lhe fosse possível, à luz do imperativo de ser discreto, para não tornar demasiado escandalosa a sua quebra de solidariedade para com o seu Partido numa conjuntura tão difícil.

Mas se é certo que alguns membros do Partido Socialista, que andam tontamente a apanhar canas de alguns inacreditáveis foguetes políticos, podem ser olhados com a bonomia com que se costumam encarar os ingénuos e os despassarados, Correia de Campos não pode ser olhado com essa complacência. Ele sabe muito bem o que faz.

Por isso, sendo difícil saber-se se prejudicou muito, pouco ou nada, a candidatura presidencial de Alegre, é certo que fez minguar muito a sua própria estatura como político, demasiado ronronante numa situação em que a direita ruge com tanta energia e despudor contra os valores centrais da democracia e do socialismo.

Rui Namorado [O Grande Zoo]



Publicado por JL às 22:12 | link do post | comentar

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