Terça-feira, 8 de Fevereiro de 2011

Pedro Passos Coelho diz que quer encerrar as empresas públicas que dão prejuízo. Partindo do principio que o líder do PSD não ensandeceu vamos ler esta declaração como uma proposta de mais privatizações. Ficamos assim a conhecer a grande clivagem ideológica entre Sócrates e Coelho: o primeiro quer privatizar as empresas publicas que dão lucro - CTT e ANA -, o segundo quer privatizar todas.

Coelho deu especial atenção às empresas de transportes. E ao fim do passe social, que deveria existir apenas para pobres. Mas isso é assunto que deixarei para a crónica de amanhã. Por hoje, fico-me pela milagre da multiplicação das privatizações.

Os transportes são um excelente exemplo de como a política de privatizações não teve os resultados prometidos. A privatização a retalho da Rodoviária Nacional levou a uma descoordenação geral do nosso sistema de transportes, porque a ela não corresponderam contratos de prestação de serviços dignos desse nome e uma regulação rigorosa do mercado. O dinheiro que o Estado encaixou com este "leilão" irresponsável foi pago em perda de qualidade de vida nas cidades e no interior, aumento da desertificação e prejuízos incalculáveis para a nossa economia. A isto veio juntar-se a demissão do Estado em usar as suas próprias empresas para cumprirem o seu papel.

Dirão:

mas pelo menos o privado não suga dinheiro do erário publico. Falso.

Peguemos num exemplo comparativo: CP e Fertagus. Escolhendo duas linhas urbanas da área metropolitana de Lisboa, a de Lisboa-Sintra e a de Lisboa-Coina. Na primeira, a empresa pública cobra 0,06 euros por quilómetro, nos bilhetes simples, e 1,30 euros no passe mensal.

A Fertagus cobra 0,11 euros por quilómetro, no bilhete simples, e 2,48 euros no passe mensal.

Ou seja, a privada cobra mais 83 por cento do que a pública. Curiosamente, até ao ano passado, a Fertagus, apesar de ser privada e cobrar mais aos seus clientes, recebia mais do Estado, em indemnizações compensatórias, do que a empresa pública: 0,4 euros por passageiro para a Fertagus, 0,3 euros por passageiro para a CP. São estes os números que tornam os negócios privados que se penduram no Estado tão interessantes - mais 83 por cento cobrados aos passageiros e mais 33 por cento sacados ao Estado - e as empresas públicas tão ruinosas.

A conclusão a tirar deste exemplo é obvia: em Portugal, os privados não querem substituir o Estado. Querem garantir uma mesada sem risco.

Querem, antes de mais, ficar com o "filet mignon" e deixar para o Estado o prejuízo.

Veja-se como as seguradoras e os hospitais privados atiram para os hospitais públicos tudo o que exija maior despesa. Se dá prejuízo, o contribuinte que pague o tratamento dos seus clientes. Querem continuar pendurados na mama dos dinheiros públicos:

veja-se o caso das escolas privadas que dependem dos contratos de associação para sobreviver. Estão no mercado, mas o Estado garante a clientela que falta. E querem garantir para si setores onde não têm concorrência: veja-se a EDP e o interesse geral nos CTT e na ANA. O mercado é excelente, sobretudo quando os clientes não podem escolher.

A ideia de que com os privados a substituir o público poupamos dinheiro, conseguimos melhores preços com mais qualidade e temos mais escolha esbarra, em Portugal, com grandes empresas pouco habituadas a viver sem a mão amiga do Estado. Os processos de privatização de serviços públicos têm acabado todos da mesma maneira: privatização do lucro e socialização do prejuízo. É assim na saúde e na educação, foi assim na banca, na energia e nas telecomunicações, assim será nos transportes.

A vontade de privatizar o que sobra nada tem a ver com a proteção do interesse público. Corresponde apenas às necessidades de um capitalismo nacional cronicamente rentista. Um capitalismo formado na mentalidade do condicionalismo industrial e que, incapaz de investir na produção de bens transaccionáveis que compitam no mercado externo, precisa, em tempo de crise, de se expandir para serviços públicos protegidos da concorrência. Com a garantia de uma procura pouco elástica e, já agora, com o brinde de um rendimento mínimo garantido pelo subsídio público da praxe.

Daniel Oliveira [Arrastão]



Publicado por Xa2 às 00:07 | link do post | comentar

7 comentários:
De Simplesmente ninguem a 8 de Fevereiro de 2011 às 08:52
Numa sociedade em condomínio. Quem quer saber dessas coisa? Ninguém , simplesmente ninguém
Quem quer saber quanto as empresas geridas por administrações que não estão mais que três anos nos lugares quanto se obrigam a endividar para suportar encargos que o Estado deveria Assumir?
quem quer saber quanto custam financeiramente tais empréstimos ?
Ninguem, simplesmente ninguém !


De Bancos = + lucros mas - fisco a 8 de Fevereiro de 2011 às 10:37
Sem stress?

Está tudo a correr bem:
em 2010, o lucro dos três maiores bancos privados nacionais cresceu 8%, face a 2009, para quase mil milhões de euros.
É a banca, aparentemente, a conseguir transferir o stress para outros. Questão de poder.

Entretanto, segundo o Negócios, e isto até custa a crer, o “encargo fiscal do BCP, BES e BPI caiu 83%” no mesmo período, o que terá ajudado no aumento dos lucros, claro.
Isso e os empréstimos do BCE a taxas de juro quase nulas.
O BCE está aí para as curvas dos bancos, mas não para as dos Estados que amparam os bancos e que depois ficam na sua dependência.

É a vida no capitalismo financeirizado. Os riscos financeiros, que são muitos neste regime, são sempre socializados.
Por isso é que o controlo público dos bancos deveria ser superior.

Postado por João Rodrigues , Ladrões de Bicicletas


De . Capitalismo real... a 8 de Fevereiro de 2011 às 10:45
No capitalismo realmente existente

As vozes e os interesses dos mais pobres contam pouco na política norte-americana (...) os grandes ganhadores de todo o tipo de ‘inovações financeiras’ nas últimas três décadas não foram os pobres (nem as classes médias), mas indivíduos já muito bem pagos (...)

O ajustamento à crise foi transferido para o resto da sociedade, particularmente para os que têm menos formação e menos remuneração, que agora perderam as suas casas, postos de trabalho e a esperança para os seus filhos.
Estas pessoas não causaram a crise, mas estão a pagá-la.
- Simon Johnson, MIT, ex-economista-chefe do FMI

Até há pouco o tópico das desigualdades e suas consequência económicas, políticas e morais negativas, associado ao processo de financeirização do capitalismo, induzido politicamente pela acção de forças que desmantelaram o controlo sobre a finança, só interessava a economistas políticos heterodoxos.

Agora, a economia convencional começa a acordar para a vida no capitalismo realmente existente, embora sem abandonar fixações com equilíbrios gerais e outras fantasias de mercado.
Através do artigo de Simon Johnson, dei com esta apresentação de Daron Acemogolu, um dos economistas ortodoxos mais cotados do momento.
E até no vox já se fala da relação entre aumento da desigualdade, o aumento do endividamento dos mais pobres e a fragilidade financeira.
É claro que nenhuma destas análises se compara à que consta deste livro ( The Crisis of NeoLiberalism ), escrito por quem já anda na economia política crítica, com sensibilidade teórica e empírica impar, há algum tempo.

Postado por João Rodrigues, Ladrões de Bicicletas


De FMI - BIRD - OMC - BIKES a 8 de Fevereiro de 2011 às 12:10
Ó pá, vê lá se me arranjas uma bike que ande sem ser preciso dar ó pedal...


De DD a 8 de Fevereiro de 2011 às 23:19
A Fertagus não investiu praticamente nada, pois os comboios pertencem à CP e aluga-os, ou talvez, seja dos mesmos donos dos comboios do Metro, um grupo bancário liderado pelo BES que os aluga em sistema de leasing, sendo nominalme te da CP.


De Escassez de ALIMENTOS ... ou água. a 9 de Fevereiro de 2011 às 12:21
E se ocorrer uma situação de escassez de bens alimentares?

Há dois ou três anos os preços dos cereais subiram exponencialmente conduzindo a aumentos de preços dos produtos alimentares como o pão, as carnes, ovos e produtos lácteos,
a Argentina que é um tradicional exportador de carnes proibiu a sua exportação e houve escassez de alguns produtos no mercado mundial.
No passado mês de Dezembro um pequeno incidente relacionado com a qualidade de um lote de açúcar colocado nas prateleiras de uma grande rede de supermercados conduziu a uma pequena crise de abastecimento que levou semanas a superar.
As notícias sobre o aumento das cotações das matérias-primas agrícolas têm-se sucedido, depois dos cereais foi a vez do açúcar.

É evidente que os mercados de matérias-primas agrícolas são cada vez mais vulneráveis, qualquer situação que afecte a produção desencadeia uma alta de preços.
Para isso concorrem o aumento exponencial na procura de bens alimentares das economias emergentes que no seu conjunto representam uma boa parte da população mundial, o aumento das terras aráveis dedicadas à produção de matéria prima para a produção de biocombustível e, no caso Europeu, a própria reforma da PAC.

Portugal depende cada vez mais da importação de bens alimentares, a produção agrícola não se modernizou, muitas terras aráveis foram abandonadas inicialmente porque não atingiam os padrões de rentabilidade subjacente ao sistema de preços agrícolas e depois em consequência de reformas da PAC que visaram a redução da produção de excedentes.

Para além da riqueza que o país perde ao importar quase tudo o que consome está cada vez mais vulnerável a uma crise internacional no sector e é muito duvidoso que numa situação de crise existam stocks comunitários suficientes para responder às necessidades dos países mais deficitários.
Da mesma forma que agora a senhora Merkel nos dá ordens em matéria de dívida soberana arriscamo-nos a que um dia destes a chanceler alemã no venha dizer que se queremos comer alfaces temos que as plantar, como fazem os alemães.

O país anda tão ocupado em cortar vencimentos, em exportar produtos transaccionáveis e em discutir moções de censura que muitos dos seus problemas são esquecidos, como é o caso da agricultura.
Alguém sabe como se chama o ministro da Agricultura? Consigo enumerar todos os ministros dos últimos trinta anos e uma boa parte dos secretários de Estado da Alimentação, mas do actual não faço a mínima ideia de como se chama. Sei quem é o secretário de Estado da Alimentação que já tem quase tantos anos de governo como o Cavaco Silva, mas mesmo com toda essa experiência não lhe confiaria a gestão de um lagar de azeite.

Se ocorrer uma crise de abastecimento de produtos alimentares o país terá graves problemas, não tem produção, não tem stocks e não tenho a certeza de que tenha capacidade política para responder à situação como, aliás, se viu com o simulacro de crise de abastecimento de açúcar.


De .falta Autonomia Agrícola e industrial. a 9 de Fevereiro de 2011 às 12:27
O tema a comentar (trazido pelo post de O Jumento, 8.2.2011) era a eventual escassez de alimentos,

designadamente com amplitude internacional e a forma como isso poderia afectar o abastecimento à nossa República das Bananas, desgovernada pelo engenheiro dominical que tem arruinado Portugal.

Mas, eis quando, este serviçal ''ccastanho'' e seus sequazes, vêm aqui fazer propaganda partidária a favor daquele que tem arruinado o Bananal,
gerado mais de 600.000 mil desempregados, roubado salários, reduzindo pensões, aumentando preços, taxas, medicamentos e impostos, (por vezes até em dupla tributação, como é o caso da taxa para pagar aos lacaios da RTP, onde ainda incide IVA) e que deixa em Junho o País com mais de 2.000.000 de pobres!.
..Uma vergonha!..
E esta gentinha ainda tem o descaramento de aqui vir, com vil baixeza, fazer elogios àqueles que têm desgraçado Portugal.

Em 2004 a Dívida Pública Directa rondava os 84 mil milhões de euros, neste momento, em 2011, após 6 longos anos de desgoverno e desvario pseudo socialista do pretenso engenheiro, a mesma Dívida alcança a insustentável cifra de mais de 154 mil milhões!...Elucidativo da ruina a que o eng. dominical conduziu Portugal.

Ora, se a isto acrescentarmos o possível colapso do abastecimento de bens essenciais a Portugal, por que não temos mais capacidade de produção própria desses bens, cuja produção começou a ser posta em causa com as políticas da "Democracia de Sucesso" dos anos 90 do Prof. Cavaco reeleito,
agora continuadas e agravadas pelo neoliberal pseudo eng. que arruinou Portugal, temos a mistura adequada para colapsarmos enquanto Nação e consequentemente na nossa unidade social e nacional.

Mas, a estes problemas, o serviçal ''ccastanho'', por fora, mas, lacaio socratino, por dentro, como certamente diria e demonstra Ana Benavente, nada tem a dizer, mas apenas se limita a miseravelmente aqui propagandar o culto da personalidade praticado pelo eng. dominical!

Ah Catalina! Vai embora que incendeias a República!

- Filipa Lencastre


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