De Xa2 a 9 de Fevereiro de 2011 às 11:39
Entrevista a Henrique Neto (jornal I., 8.02.2011):
...
-Quando se discutiu o Orçamento do Estado para este ano houve um debate sobre onde o governo deveria cortar, com o PSD a pedir mais cortes no aparelho de Estado. Há margem para cortar na máquina do Estado?

Enorme. Não apenas para poupar, mas para delinear políticas que não sejam dependentes do Estado.

- O PS tem algumas resistências?

Claro que tem. O próprio primeiro-ministro disse, numa reunião interna do partido, que se o partido for mexer muito no Estado está a mexer na base de apoio do PS. Honra lhe seja feita, foi muito claro. E aí o Passos Coelho tem razão. Há que dar uma volta ao Estado, porque isto é insustentável. Era preferível fazer uma reforma destas a reduzir os salários ou o subsídio dos desempregados. Eu, nas moções que fiz há cerca de dez anos, digo que é urgente acabar com os serviços paralelos ao Estado e que é urgente profissionalizar os dirigentes de topo do Estado. Isso é essencial, porque permite garantir a continuidade das políticas. Há reformas, mas não se destrói tudo o que foi feito, como tem acontecido. Isso só é possível com profissionais. Não é isso que acontece, porque foram os chefes políticos ou os amigos políticos que foram colocados em toda a administração pública. Os relatórios do Tribunal de Contas, por exemplo, são um mergulho na realidade. Qualquer pessoa percebe que estamos a caminhar para o desastre.

- É possível fazer essas reformas sem despedir funcionários públicos?

Chegados aqui, e não tínhamos necessidade de ter chegado a esta desgraça, o sacrifício devia ser para todos e devíamos resolver o problema o mais depressa possível, provavelmente com o FMI, com a União Europeia, com todos. Se não o fizermos, em vez de termos dois ou três anos de sacrifícios vamos ter dez ou 15. O que é triste é que as classes mais desfavorecidas estão sozinhas a pagar a crise. Há uma frase que detesto, que é dizerem que temos vivido acima das nossas possibilidades. É verdade, mas as pessoas que ganham 400 euros por mês têm vivido acima das possibilidades? Uma família que ganhe mil euros consegue viver acima das possibilidades? Têm de me explicar como é que isso se faz.

- A classe média vai começar a ser atingida por algumas medidas do Orçamento do Estado deste ano.

É verdade, e vai começar a mexer-se

- E vai ser preciso o apoio do FMI?

O governo transformou esse problema, que devia de ser de racionalidade, num problema de patriotismo. Quem quer o FMI é antipatriota. Eu acho que é um problema de racionalidade, mas não tenho todos os elementos. O que eu penso é que é preciso fazer alguma coisa e o meu receio é que, em vez de irmos mais cedo pedir ajuda, pelo nosso próprio pé, com propostas nossas e negociando ou não e aceitando aquilo que nos querem impor, cheguemos lá fragilizados, e nessa altura temos de aceitar tudo.

- Já estamos a ser ajudados.

É verdade, e o governo não tem crédito internacional. O primeiro-ministro é acusado de ser mentiroso nos jornais. Isto não é normal e tem efeitos internacionais. O futuro do país está dependente do cumprimento do Orçamento, porque ninguém acredita que ele o vá cumprir. O natural seria acreditar que o governo o vai cumprir e a questão da credibilidade é determinante neste momento. Eu acho até que há mais desconfiança externa que interna.

- Deu apoio a Manuel Alegre nas presidenciais. Estava à espera de uma derrota tão pesada?

Era previsível, porque os portugueses estão a afastar-se da política. As pessoas também votaram contra os políticos. O resultado do José Manuel Coelho devia ser estudado. Os portugueses vão pela via da desilusão. Há uma desilusão grande e isto é perigoso. O que nos vale é estarmos na União Europeia. Quando oiço algumas pessoas, por exemplo, a dizerem que podemos sair do euro, penso logo que estão a abrir o caminho para um aventureiro qualquer.

- É impensável para países como Portugal sair do euro?

No outro dia não tínhamos o que comer. Criámos uma dependência alimentar, a partir do professor Cavaco Silva, de tal ordem que a gente compra uma boa parte daquilo de que precisa lá fora. Se sairmos do euro, não temos dinheiro para pagar.

- O que espera de C.
...


De Xa2 a 9 de Fevereiro de 2011 às 11:41
...
- O que espera de Cavaco Silva neste segundo mandato?

Não espero nada. Pelas características pessoais e por conveniência política. Não vai fazer o que fez o Jorge Sampaio, que dissolveu o Parlamento e afastou o governo. O problema vai pôr-se na Assembleia da República. É imprevisível, mas se calhar vamos viver numa paz podre.

- As eleições antecipadas poderiam ser uma solução?

Acho que é impossível resolver qualquer problema com o José Sócrates à frente do poder. Nestas condições qualquer solução é melhor que a actual. Um governo PS sem José Sócrates, um governo de coligação, um governo do PSD. Ele hoje é o poder, os ministros não contam para nada. O partido não conta para nada. O que ele quer é o que se faz e o que ele quer infelizmente é quase sempre errado.

- Falou alguma vez com José Sócrates acerca da opinião que tem sobre a governação?

Não. Eu conheço-o há alguns anos e sempre fui contra ele ser secretário-geral. Quando ele assumiu o cargo de primeiro-ministro mandei-lhe uma carta com vários documentos que vinham do tempo do Guterres e de coisas que eu achava que deviam ser implementadas. E ele, ao contrário do Guterres, que agradecia sempre estas coisas, nunca reagiu. Ele não gosta de mim, eu também não gosto dele, mas não é nada de pessoal. Costumo dizer que só tenho um país e detesto as pessoas que dão cabo dele.

- Qual é a sua avaliação deste governo no seu conjunto?

Com excepção do dia-a-dia nas Finanças, o governo não existe. É interessante que o primeiro-ministro tenha tanta fama de ser determinado e duro e depois o governo seja a bandalheira que é. Quando sai nos jornais que uma empresa ou instituto não está a cumprir as regras, o governo vai a correr tentar resolver o problema. Parece que há uma lei para isso. Ou seja, é um governo que anda a correr atrás dos problemas. Isto é o pior que se pode fazer. O governo eficaz é aquele que consegue prever. E, portanto, este governo é pior que os outros porque é mais improvisador e tem mais competência a improvisar, porque o José Sócrates tem competência a vender ideias que de repente lhe surgiram como se fossem a solução. E o partido vai atrás daquilo convencido de que ele tem mesmo a solução. Mas ao fim de algum tempo esquece essa ideia e parte para outra.

- Mas também houve boas decisões, ou não?

Se eu tivesse de escolher aquilo que foi mais bem feito no governo, escolheria a Educação no início do primeiro governo do PS, mas depois veio uma segunda fase que mostrou que se tratava de um impulso e não de uma estratégia ou de uma filosofia para o sector. Por último começou a fazer asneiras, que contrariaram tudo o que de bom tinha sido feito. Por exemplo, na avaliação dos professores aquela proposta só seria apresentada por uma pessoa que quisesse acabar com a avaliação. Não há uma ideia consistente. Talvez a única ideia consistente fosse na área da Saúde com o Correia de Campos, mas ele não soube vender aquilo.

- Se calhar era difícil...

Não. O Sócrates chegou ao poder com a convicção de que os portugueses gostam de coisas afirmativas. E tinha alguma razão, porque não se pode ser tão indeciso como o Guterres, mas também não se pode pensar que se sabe tudo, como este governo. E ele criou uma cultura de ausência de crítica, quer no país quer no partido. Quando ele desafia o Carrilho e aqueles que têm criticado o governo a assumirem-se como candidatos à liderança do PS mostra que tem uma visão totalitária, porque a crítica é útil independentemente de se querer ou não ser primeiro-ministro. Ter pessoas à nossa volta que nos alertam para os problemas é essencial. E esta visão totalitária do poder marginaliza todo o pensamento criativo, porque as pessoas querem manter o lugar, querem por exemplo ser deputados na próxima legislatura, e preferem não criticar. Os melhores pensadores portugueses valorizam o pensamento crítico.

- Foi deputado, ...


De Xa2 a 9 de Fevereiro de 2011 às 11:43
...
- Foi deputado, durante quatro anos, no tempo em que António Guterres era primeiro-ministro. Como foi essa experiência?

Pensei que podia ser útil, mas não. Apresentei várias ideias para a economia, mas os líderes parlamentares estavam mais preocupados com a luta do dia-a-dia. Se olhar para a bancada do PS neste momento, não há lá ninguém que tenha a mínima ideia sobre o que é a economia. Um dos poucos deputados que tinham alguma perspectiva disso - o Afonso Candal - acabou por sair. Os deputados não têm experiência de vida.

- Nesse sentido concordaria com a diminuição de deputados, tal como defendeu o ministro dos Assuntos Parlamentares?

Um dos problemas que corroem a vida política é confundir o essencial com o acessório. Esse é um dos problemas graves. O país para mudar do ponto de vista económico precisa que sejam definidas quatro ou cinco prioridades, mas se estivermos a discutir 300 temas ao mesmo tempo cada um fala para seu lado e daí não resulta nada. E isso resulta da falta de experiência, nomeadamente internacional, dos políticos portugueses. Falamos da globalização, mas não sabemos o que os outros países estão a fazer. O que estão a fazer as empresas dos outros países. E desconhecendo tudo isto é difícil saber quais devem ser as prioridades. Discutir, por exemplo, o número de deputados como um grande objectivo é ridículo. Do ponto de vista do custo é ridículo e o problema não é haver 230 deputados ou 180 deputados. O problema é os deputados estarem lá e não fazerem nenhum. Não terem ideias, não terem propostas nem capacidade crítica. O problema é serem escolhidos pelas direcções partidárias em vez de serem escolhidos pelos eleitores, ou pelo menos pelos militantes dos partidos.


Comentar:
De
 
Nome

Url

Email

Guardar Dados?

Ainda não tem um Blog no SAPO? Crie já um. É grátis.

Comentário

Máximo de 4300 caracteres