Sexta-feira, 25 de Fevereiro de 2011

por Daniel Oliveira ]

    A crise económica provocou um movimento de revolta nos países árabes. Não se tratou, como alguns românticos gostam de pensar, de uma revolta espontânea. As revoltas que vencem nunca são. No Egito, teve uma direção política que a preparava há pelo menos três anos. No caso, jovens educados e apostados num movimento assumidamente não-violento.

    Contaram com o descontentamento que resultou da situação económica? Sim.

    Com o facto de, vivendo numa ditadura, não haver outra forma de protesto? Claro.

    De, com um desemprego galopante e a ausência de Estado Social, os egípcios não terem nada a perder? Provavelmente.

Mas contaram, antes de mais, com a única coisa que constrói movimentos em tempos de crise: a esperança, essa palavra maldita para os cínicos. Não tinham um programa, mas tinham um objetivo possível: o fim da ditadura. E um inimigo claro: Mubarak. A revolta só constrói alguma coisa quando sabe contra quem e para onde vai. Os egípcios não estavam desesperados. Eles acreditaram que podia ser diferente.

   

    E essa, entre tantas outras, é a diferença entre o que se passa nos países árabes e na Europa.

    Somos mais ricos e temos mais a perder, é verdade. Mas é mais do que isso: estamos desesperados. Não sabemos quem é o inimigo ou então ele é demasiado etéreo para cair. E não acreditamos que pode ser diferente. A revolta que se sente nas conversas públicas e privadas não se vai transformar num movimento coletivo porque lhe falta um horizonte e um adversário com rosto.

    Quem julga que este será um momento cheio de enormes lutas sociais e de oportunidades para a esquerda se afirmar engana-se. Sim, haverá uma minoria mais politizada que irá à luta. Mas para a grande maioria o desespero traduz-se em medo. Medo da crise, de perder o emprego, das taxas de juro, da dívida, da instabilidade, de tudo. Não é por acaso que o discurso do poder sobre a crise aposta no medo. Porque resulta.

 

A radicalização, nestes períodos, não é apenas ineficaz. Ela alimenta o medo que devia combater. Mas, acima de tudo, ela isola os que querem dirigir uma oposição que não aposte apenas na alternância. É o populismo autoritário de quem promete 'pôr o país na ordem' que conquista apoios nestes momentos. É a situação e não a oposição que ganha nestas alturas.

     Nada a fazer? Pelo contrário. Há uma forma de vencer o desespero: dar esperança. E para isso é preciso que as pessoas acreditem que há alternativas e que elas podem vencer. Ninguém se arrisca a troco de coisa nenhuma. Duas condições para que isso seja possível: credibilidade no que se propõe e uma ação política que se dirija a uma base social maioritária. Programa exequível e alianças alargadas. Exatamente o oposto da radicalização.

 

    Não, não estou a falar de flores. Estou a falar do Bloco de Esquerda, do PCP e dos muitos eleitores e militantes do PS que ainda acreditam que o poder pode ser mais do que gestor da desgraça. Estou a falar dos sindicatos, dos movimentos sociais, de quem tem espaço na comunicação social. Na radicalização podemos sentir-nos mais fortes, mas é uma ilusão. Porque ninguém acredita que podemos vencer, fica a faltar a esperança. E, sem ela, o medo acaba sempre por levar a melhor.

            Texto publicado na edição do Expresso de 19 de fevereiro de 2011



Publicado por Xa2 às 08:07 | link do post | comentar

6 comentários:
De Bonecos de Mansos partidocratas a 25 de Fevereiro de 2011 às 11:35

DO CAPITAL - BATEDORES ou RAFEIROS ?

Eles chamam pelo FMI como doidos uivantes, calculando que a agenda política da direita pode ser cumprida com menos custos eleitorais, para os respectivos partidos, se for imposta pelo FMI.

Por isso, empurram Portugal, com todas as forças, para essa subalternidade desqualificante, como se aí chegassem depois de uma esforçada reflexão científica, quando na verdade apenas dão voz a um mesquinho cálculo político.

Seguem na esteira da dirigente alemã, cuja pose de grande dama de uma Europa de vento em popa vai cedendo lugar ao perfil previsível de dona de casa assustada que gere o poder alemão como se estivesse ao leme de uma aldeia perdida.
E já nem disfarça que os problemas europeus , os de outros membros da mesma União, se vão reduzindo para si à dimensão de armas de arremesso que usa desesperadamente em lutas eleitorais no interior da Alemanha, em que a pouco e pouco se atola.

Mas os nossos mansos cordeiros do vendaval alemão, parceiros da Sr.ª Merkl no Partido Popular Europeu, não evitam que as suas derivas cegamente partidocráticas os conduzam irremediavelmente à triste família histórica dos migueis de vasconcelos, apesar da pose luzidamente patriótica que vão ostentando.
Chamem-se eles mendes, chamem-se rangeis, chamem-se o que se chamarem, é a pertença profunda a essa linhagem de má memória que indelevelmente os marca.

Postado por Rui Namorado, OGrandeZoo, 24.2.2011


De Centrão de interesses e ''golden boys'' a 25 de Fevereiro de 2011 às 11:51
Tirem as mãos dos nossos boys

Os projectos de lei do BE, do CDS e do PCP que propunham limitações nas remunerações dos gestores públicos foram chumbados no Parlamento com os votos contra do PS e PSD.

http://opaisdoburro.blogspot.com/ 18.2.2011


De Moção de Censura do BE à Direita a 25 de Fevereiro de 2011 às 12:02
Queres mostrar a tua CENSURA ao governo e à Direita que nos desgoverna ?

(.por Francisco Louçã a Sábado, 19.2.2011, via http://www.facebook.com/notes/francisco-louca/queres-mostrar-a-tua-censura-ao-governo/10150096811188214 )

Então ajuda a divulgação deste texto, a Moção de Censura apresentada pelo Bloco de Esquerda.

Manda-a aos teus amigos e sobretudo aos teus inimigos, para que saibam que há gente - tanta gente de opiniões diferentes - que se preocupa com o desemprego e a precariedade, que responde pelos outros, que está na solidariedade e na responsabilidade.

MOÇÃO DE CENSURA (nº 2/XI) AO XVIII GOVERNO CONSTITUCIONAL

EM DEFESA DAS GERAÇÕES SACRIFICADAS

Ao longo do ano e meio do seu mandato, o XVIIIº Governo adoptou uma política económica e social que tem atingido essencialmente os trabalhadores sem emprego e os jovens da geração mais preparada que o país já formou, que são marginalizados das suas competências para se afundarem num trabalho sem futuro.
Existe hoje mais de um milhão de trabalhadores em situação totalmente precária, incluindo uma parte significativa sendo paga a troco de falso recibo verde, e promessas do Programa de Governo, como o fim dos recibos verdes no Estado, foram clamorosamente violadas.
Ora, uma economia de exploração de salários mínimos é um cemitério de talentos e uma democracia amputada das melhores qualificações.

Esta Moção de Censura recusa por isso o gigantesco embuste da distribuição equilibrada dos sacrifícios e sublinha que o emprego e o salário têm sido destruídos pela cruel insensibilidade social que corrói a economia em nome da ganância financeira,
e propõe uma ruptura democrática que evite a destruição implacável dos trabalhadores mais velhos pelo desemprego e dos mais novos no altar da precarização.

De facto, ao reduzir o apoio aos desempregados, o Governo deu um passo na sua estratégia agressiva quanto ao mercado de trabalho.
O subsídio de desemprego passou a ser apresentado como um custo e não como um direito que decorre do próprio desconto do trabalhador, como um prejuízo e não como um acto de justiça.
Agora, o Governo vai mais longe, procurando impor a redução da indemnização pelo despedimento, para o embaratecer e facilitar.

Deste modo, durante o seu mandato, apesar de ter perdido a sua maioria absoluta, o governo ignorou os sinais dos eleitores.
Promoveu o agravamento da crise social com o aumento dos impostos, a queda do investimento público, a redução de salários, a degradação dos apoios sociais com a retirada do abono de família e de outras prestações a centenas de milhares de famílias, o aumento dos preços de medicamentos e outros bens essenciais e o congelamento das pensões.

Esta orientação conduz o país para o abismo da recessão.
Agrava as dificuldades da economia em vez de lhes responder.
Condena uma parte da população ao desemprego estrutural permanente, em números que a democracia portuguesa jamais conheceu.
Reduz os rendimentos de trabalhadores e pensionistas.
Esta política condena o país ao império do abuso.

A chantagem dos mercados financeiros, incluindo da finança portuguesa, que impõem juros em redor dos 7% ao refinanciamento a dez anos da dívida soberana, aprofunda as dificuldades da economia.

Mas o governo respondeu a esta pressão favorecendo a finança ao agravar a transferência dos salários e dos impostos para os juros e, ainda, permitindo que os grandes bancos privados não paguem o IRC de lei.
Esta situação é portanto insuportável.
O país está endividado e a política orçamental precipita maiores custos de endividamento e restrições ao investimento, à produção e ao emprego.

Ora, um factor suplementar que agrava a crise actual é a forma como o governo tem desprezado os grandes combates democráticos pela qualidade dos serviços públicos do Estado Social, pela economia do emprego e contra a agiotagem financeira.

Esta insensibilidade social é a causa da falta de confiança numa governação desgastada, que foge à responsabilidade, cultiva o favorecimento e provoca o apodrecimento da decisão política.

Exige-se por isso ...


De Moção de Censura do BE à Direita a 25 de Fevereiro de 2011 às 12:06
...
Exige-se por isso um novo caminho, com uma viragem da política económica para o combate à recessão.
Exige-se a solução do défice fiscal para corrigir o défice orçamental,
a solução do investimento criador de emprego e promotor de exportações e de substituição de importações,
a solução da recuperação da agricultura para promover a soberania alimentar,
a recuperação da procura interna com a defesa dos salários,
a valorização das pensões e
o combate à precariedade em nome da vida das pessoas.

O Governo, apesar de ter sido suportado por uma grande maioria parlamentar nas mais importantes decisões económicas, não responde às grandes prioridades nacionais,
que são o combate ao desemprego, pobreza e precariedade,
antes agrava as condições do trabalho para facilitar os despedimentos e portanto os salários baixos,
seguindo a orientação do FMI que recomenda a desprotecção dos rendimentos e dos contratos dos trabalhadores.
Esta resposta agrava as desigualdades na sociedade portuguesa e é por isso imperativo,
em nome de uma política que se comprometa com a defesa das gerações sacrificadas,
derrotar as medidas que promovem o desemprego e a precariedade e convocar a democracia para que decida as soluções para o país.

Assim,

A Assembleia da República, ao abrigo do artigo 194º da Constituição da República Portuguesa, delibera censurar o XVIII Governo Constitucional.

As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda,
-----------------------------------------------------------------------------
em
http://www.facebook.com/notes/francisco-louca/queres-mostrar-a-tua-censura-ao-governo/10150096811188214


De E o escandalo do Leque Salarial? a 25 de Fevereiro de 2011 às 14:10
Projectos demagógicos todos os que generalizem e não façam o enquadramento balizador de situações concretas. Se calhar não queriam, mesmo, que fosse aprovado!
Meter no mesmo saco, tudo e todos, os chamados gestores públicos é mais grave que querer misturar numa mesma empresa os que ganham 500€ com os que ganham cinco mil .
O chamado leque salarial tornou-se escandaloso e não conheço qualquer atitude para combater esse escândalo por parte dos referidos no comentário ou tão pouco dos "agitadores" sindicalistas.


De Cidadania e democracia a 25 de Fevereiro de 2011 às 14:02
Tudo isso deveria ser verdade e sê-lo-á se e quando os cidadãos o forem de verdade exercendo activamente essa cidadania .
Ser cidadão obriga a pensar, a agir com outros/as, a assumir direitos e, acima de tudo, assumir obrigações.
O exercício de cidadania obriga, primeiramente a ter uma atitude de consciência , a seguir impõem o assumir obrigações e depois, então sim, reclamar direitos.
Alguns/algumas são simultaneamente direitos e obrigações, uns e outras não podem ser separados nem deveriam ser separáveis .
Democracia sem cidadania nem sequer miragem, da dita, chega a ser mas, a maioria acredita que existe.


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