Domingo, 27 de Fevereiro de 2011

HAVERÁ FUTURO PARA A SOCIAL-DEMOCRACIA?

 

    «Haverá futuro para a social-democracia*, entendida como uma forma de organização política que atribui ao estado consideráveis responsabilidades na área social

Durante décadas, ela foi tão consensual no Ocidente que a questão nem se colocava; mas, nos últimos tempos, esse estatuto foi algo abalado.

    Diz-se, por exemplo, que o estado social pressupõe uma carga fiscal incomportável, que a presente debilidade financeira dos estados impõe uma urgente inversão de rumo, que o envelhecimento da população tornou inviável o sistema de pensões, que o apoio aos desempregados prejudica a competitividade, que sairia mais barato transferir para o sector privado a saúde e a educação e que os poderes públicos deveriam concentrar-se nas suas funções essenciais de defesa e segurança.

 

    O argumento económico contra o estado social não é, porém, muito forte. O Sistema Nacional de Saúde britânico surgiu quando o Reino Unido estava arruinado, não numa era de prosperidade - e o mesmo pode ser dito do ''New Deal'' americano. Os estados assumiram amplas funções sociais quando o seu rendimento per capita era bem menos de metade do actual, não se entendendo que nações muito mais prósperas não possam assegurá-las. Depois de um período inicial de rápido crescimento, o peso das despesas sociais no produto estabilizou ou reduziu-se mesmo.

   As soluções para fazer face ao envelhecimento das populações são politicamente difíceis, mas tecnicamente triviais. Por fim, a experiência demonstra que a provisão privada de serviços de saúde, ensino e transportes é, regra geral, mais cara e pior que a pública.

    A sensação que fica do actual debate é que a animosidade contra a social-democracia se estriba menos em argumentos sólidos do que em preconceitos, indiferenças, recriminações e ódios sociais que não ousam dizer o seu nome.

     Quais serão então os problemas reais que ameaçam a sobrevivência do Estado Social ?

    - O primeiro reside na frequente captura dos serviços sociais pelos agentes envolvidos na sua prestação, degradando-os e encarecendo-os.

Na prática, é como se as escolas públicas estivessem ao serviço dos professores; os comboios, ao dos maquinistas; e os hospitais, ao do pessoal hospitalar. Naturalmente, isso reduz o apreço do cidadão pelos serviços sociais, ao constatarem que a retórica dos direitos foi apropriada por egoístas corporações profissionais.

    - O segundo resulta de uma parte crescente dos beneficiários mais pobres serem estrangeiros ou percebidos como tal - por vezes de outras etnias ou religiões - donde decorre uma menor identificação com os problemas dos destinatários da ajuda, tanto mais suspeitos de parasitismo quanto mais distinta for a sua cultura de origem. Recorrendo à elegante linguagem do Dr. Portas, os "ciganos do Rendimento Mínimo" são olhados como oportunistas que "comem os nossos impostos".

    - Em terceiro lugar, vivemos hoje em sociedades tribalizadas e fragmentadas, em que se diluíram sensivelmente não só o sentido de grupo social como mesmo o de nação. Ora a criação de sistemas de solidariedade públicos estribou-se num sentido de identidade partilhada envolvendo cidadãos com cultura e valores comuns, agora postos em causa.     As pessoas hoje mobilizam-se para exigir o comboio do Tua, salvar o lince da Malcata ou apoiar uma consumidora maltratada pela Ensitel, mas desvalorizam a importância do voto e desinteressam-se de grandes causas nacionais.

    Muito mais do que qualquer imaginária crise de sustentabilidade são essas circunstâncias que contribuem para minar o sentimento de solidariedade, encolher a base social de apoio do estado social e questionar a sua legitimidade.

  

   No seu último livro ("Ill Fares the Land", em português "Um Tratado Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos"), Tony Judt conclui que só a recordação de como eram cruéis as nossas sociedades antes da emergência da social-democracia permitirá impedir o seu desmantelamento. Mas é provável que uma atitude nostálgica, não enraizada no presente, a faça parecer ainda mais obsoleta.  Em vez de contemplarmos a social-democracia como um paraíso perdido, talvez devêssemos antes adoptar uma postura crítica orientada para a sua reforma.(... do sistema partidário-eleitoral, da governação, economia e valores sociais)

  

    Convém recordar que a estatização da solidariedade, antes a cargo das famílias ou das instituições de socorro mútuo, veio excluir os cidadãos da sua gestão quotidiana e liquidar o instinto de cooperação. A universalidade transformou a protecção social num mecanismo automático de distribuição de benesses cujo funcionamento e custos não são entendidos pelas pessoas comuns. A generosidade foi superada pela reivindicação de direitos abstractos. Ora nada disto é bom.

    O grande problema do estado social não é talvez a falta de dinheiro, mas a alienação dos cidadãos em relação aos seus propósitos e funcionamento - logo, é por aí que se deverá começar.

   A boa notícia é que as tecnologias digitais disponibilizam-nos hoje instrumentos de cooperação que facilitam o envolvimento dos cidadãos na determinação dos objectivos dos programas sociais, na busca de soluções alternativas, na avaliação e selecção de projectos alternativos ou mesmo na co-criação de serviços de melhor qualidade. No decurso desse processo conseguiremos porventura tornar o estado mais democrático, empenhar os cidadãos na produção cooperativa de serviços públicos e, quem sabe, reinventar a social-democracia. » [Jornal de Negócios , João Pinto e Castro]

 

* «social-democracia» é um conceito e prática equivalente, na Europa ocidental, ao ideal e prática tradicional dos partidos trabalhistas, socialistas e sociais-democratas, mas não ao do PSD português ou ao do trabalhista-blair-3ªvia, ... )



Publicado por Xa2 às 00:07 | link do post | comentar

1 comentário:
De DD a 28 de Fevereiro de 2011 às 18:21
O problema da falta de dinheiro tem a ver com a não emissão de moeda por parte do BCE, o que ninguém fala por não saber e por ser exremamemnte difícil entrar nos meandos dos chamados dois pilares de emissão com várias fasses cada um.
Paul Krugman assianlou há tempos que essa ausência de emissão acabaria por ser a ruina da Europa e teve razão..
A teoria que os alemães impuseram no BCE é a da deflação competititiva com redução de salários, pensões, custos sociais, etc. Não sabemos é se querem ir ao ponto de se tornarem competititvos com a ditadura comunista capitalista chinesa.


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