Domingo, 27 de Fevereiro de 2011

Este edifício localiza-se no centro do Lumiar, entalado entre dois edifícios modernos, junto do Centro Comercial na Alameda das Linhas de Torres, teimosamente resiste, dando apenas neste momento abrigo aos pombos que por lá fazem a sua vida.

Em 2007 suspeitava-se que iria ser substituído por mais um bloco de cimento, pois o estado de degradação era tal que colocava em risco à data, a segurança de quem por ali passava.

Passados quatro anos, como devem calcular o risco aumentou consideravelmente, embora tenha sido colocado uma protecção junto ao passeio, para evitar males maiores.

Este edifício foi em tempos aula infantil, cantina e balneário e pertenceu à Sociedade Instrução e Beneficência José Estêvão fundada em 1911, perfazendo agora o seu centenário.

O Lumiar irá perder mais um ponto de interesse local e assim se apaga a história.

Aproveito o momento para falar dos centros escolares republicanos que fazem parte da riquíssima história do associativismo, tão vigoroso na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX e o Lumiar faz parte deste roteiro Republicano.

Fenómeno também europeu o associativismo oitocentista visava responder aos problemas e solicitações sociais decorrentes de transformações muito importantes, então vividas tanto na sociedade portuguesa como nas demais sociedades dos países ocidentais.

Entre essas transformações, merece referência particular o fenómeno do desenvolvimento das cidades, decorrente do crescimento demográfico e das intensas migrações do campo para as cidades.

É neste contexto historicamente inédito que se assiste ao declínio de formas tradicionais de sociabilidade, à proletarização de camadas importantes da sociedade, à emergência de formas novas de pobreza e mesmo ao agravamento de formas de comportamentos desviantes como o alcoolismo, a vadiagem e a prostituição. Da imensa variedade de todos esses problemas decorre a infinita variedade das associações então criadas, muito diversas quanto à sua natureza, às suas finalidades e às qualidades e condições sociais dos seus associados.

As associações surgem assim como resposta a problemas sociais graves de desenraizamento e de sociabilidade, pois visam o reenquadramento social do indivíduo, sobretudo urbano, numa determinada “associação”, que pode ter objectivos meramente bairristas, ou então sérias motivações profissionais, culturais, filantrópicas, cívicas, políticas, recreativas ou mesmo explicitamente educativas.

A pujança do associativismo oitocentista acaba por envolver todas as camadas sociais, embora seja de longe mais intenso nas cidades, entre as classes médias e as camadas mais pobres da sociedade.

Sabemos que a generalidade das associações tinha objectivos estritamente laicos e era muitas vezes politicamente progressista. Muitas das associações criadas entre nós no último quartel do século XIX tinham, porém, uma importante acção cultural e educativa.

Era necessário e urgente acudir ao gravíssimo problema social proporcionado pela existência de amplas camadas infanto-juvenis vítimas da pobreza, da orfandade, do abandono e do analfabetismo. Face à falência ou à inoperância dos sistemas assistenciais e educativos do Estado, muitas associações procuraram contribuir, cada uma de acordo com a sua natureza, os seus fins e os seus meios para a resolução, sempre pontual e localizada, dos problemas sociais vividos pelas crianças e jovens da comunidade em que se integravam e que serviam. Por isso, muitas das associações então criadas procuravam contribuir para a criação e sobretudo para a educação das crianças desprotegidas, de modo a transforma-las em verdadeiros cidadãos, devidamente escolarizados, portadores de uma eficiente formação profissional, como hoje diríamos e, enfim, úteis à comunidade.

Por outro lado, face às fragilidades do sistema oficial de ensino, nomeadamente ao nível do ensino primário, havia que procurar alternativas mais ou menos informais e até improvisadas mas que respondessem, mesmo que parcialmente, a alguns dos problemas inerentes à deficiente escolaridade dos portugueses e em particular ao problema do analfabetismo. Assim, desde pelo menos o início dos anos 80 do Século XIX que se vão improvisando e ensaiando, promovidos por entidades particulares, modelos organizativos de escolas e de cursos alternativos à escola oficial e às suas graves deficiências. Visava-se quer o combate às carências escolares de sectores importantes da população, quer o ensaio de modelos escolares e pedagógicos alternativos, eventualmente conducentes a uma praxis e a uma escola “nova” e mesmo “republicana”.

Pela sua origem, pela sua natureza, pelos seus objectivos e até pelos seus estatutos, os Centros Escolares Republicanos distinguem-se de outras associações e sociedades da época, mesmo quando estas também tivessem, embora sempre subsidiariamente, objectivos educativos. Com efeito, os Centros Escolares Republicanos, pelos seus estatutos, tinham como objectivo determinante uma função escolar, proporcionando educação e formação a segmentos importantes da comunidade em que se inseriam e que serviam. Os Centros Escolares Republicanos distinguem-se, do mesmo modo, dos chamados Centros Republicanos, pois estes tinham essencialmente objectivos políticos e partidários.

João Carlos Antunes



Publicado por Gonçalo às 00:11 | link do post | comentar

2 comentários:
De Zé T. a 28 de Fevereiro de 2011 às 11:23
Muito interessante o texto sobre as Sociedades/ Centros Republicanos.

Neste caso, o de Jose Estevão no Lumiar parece que lhe foi faltando sustentação em nº associados (que não conseguiu manter/captar novos)
e em utentes para a sua «Aula infantil/ cantina/ balneário» (desactivada por falta de condições e por aparecimento de escolas oficiais e de colégios privados e muitas e novas casas/apartamentos com condições de higiene-salubridade.).

Não sei precisar a data de encerramento deste Centro mas ainda tinha alguma actividade cerca de 2005...

suponho que existem problemas legais relativos à extinção da Sociedade/ Associação (falta de associados/ orgãos/ actividades/ actas/...) e para quem transitam os seus bens/prédio - um problema comum às Associações que vão morrendo... e cuja ''sentença de óbito'' vai ter de passar pelo tribunal ...
até lá é a degradação e ruína das instalações.

Quanto às fotos, creio que não são precisas tantas para ilustrar o post.


De DD a 28 de Fevereiro de 2011 às 18:14
Eu fazia parte da Junta de Freguesia quando se quis substituir o edifício em ruínas por uma parte de um prédio com uma área superior. Os poucos associados de então começaram logo a dizer que a coligação PS/PCP que liderava a CML era corrupta e queria fazer negócio por conta própria.
O pessoal da Junta desligou-se logo de qualquer contato com o assunto para mostrar que não era corrupto nem tinha interesse em fazer negócio, a CML então sob a presidência do Sampaio, fez o mesmo e todas as seguintes seguiram por igual caminho. Dos sócios não vieram propostas válidas e é certo que há escolas de primeiro ciclo e jardins-escolas em quantidade suficiente no Lumiar, incluindo a da Misericórdia que se situa bem perto. Quando se acusa injustamente alguém de corrupto, o melhor que se consegue é a indiferença total como prova de ausência de corrupção.
Parece que a Associação nem tem direção há muitos anos e, provavelmente, nem sócios, pelo que não há nenhum solução jurídica para o problema, já que os contribuintes não podem ser chamados a pagar obras em propriedade privada sem dono.


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