Segunda-feira, 21 de Março de 2011
por Andrea Peniche

 

 Os defensores da energia nuclear argumentam que Chernobyl só foi possível porque a tecnologia e as normas de segurança soviéticas eram miseráveis. Estes argumentos levar-nos-iam a supor que nas democracias capitalistas o risco de desastre nuclear seria praticamente inexistente. É caso para perguntar: como é possível que o Japão, um dos países tecnologicamente mais avançados do mundo, esteja a braços com uma catástrofe nuclear?

 «As doses de radiação poderão ser potencialmente letais num curto espaço de tempo», diz Gregory Jaczko, presidente da Comissão Reguladora da Energia Nuclear norte-americana; a contaminação radioactiva espalha-se já por um raio de 80 quilómetros.

    A verdade é que nem a tecnologia mais avançada nem as mais rigorosas normas de segurança são capazes de garantir o risco zero. Os riscos podem ser minimizados, mas não podem ser totalmente eliminados.

   Fukushima relançou a questão da energia nuclear, nomeadamente na Europa. Os governos europeus, de uma forma geral, têm tentado passar a ideia de que o desastre de Fukushima está circunscrito e não assume proporções dramáticas. O ministro francês da Indústria, Eric Besson, referiu-se a estes acontecimentos como «um acidente grave, mas não uma catátrofe nuclear»;  o Secretário de Estado Chris Huhne disse que o que aconteceu no Japão não tem paralelo com a situação britânica, em virtude de aqui a actividade sísmica ser muito menor; o editorial de um jornal belga comparava o número de vítimas do tsunami com as da fuga radioactiva.

   Esta comparação é absurda não só porque o número de vítimas de um desastre nuclear se conta ao longo dos anos, mas também porque se compara um acidente natural, inevitável, com uma catástrofe perfeitamente evitável e de origem humana. Juntando a tudo isto as várias denúncias de falsificação de dados sísmicos (Sortir du Nucléaire), percebe-se facilmente que o objectivo deste discurso é evitar uma nova mobilização anti-nuclear.

 

Os argumentos do lobby nuclear são inaceitáveis e escondem o fundamental: a energia nuclear tem capacidade para destruir toda a humanidade.

Há dias conversava com um amigo meu, designer, que me falava de uma discussão em que tinha participado sobre que símbolos criar, para sinalizar cemitérios e depósitos de resíduos nucleares, de forma a garantir que estes fossem compreensíveis daqui a uns milhares de anos.

 

O debate em torno da opção nuclear é um debate eminentemente político, já que é de uma escolha de modelo de civilização que se trata. O grande desafio da humanidade, como diz Daniel Tanuro, é acabar simultaneamente com a energia nuclear e com o recurso a combustíveis fósseis. Ora, isto implica não apenas enormes investimentos em soluções eficientes, mas também a diminuição do consumo energético, principalmente nos países mais desenvolvidos.

    Em última análise, este projecto reclama um outro compromisso económico, social e político, uma vez que, como diz o economista Paul Sweezy, «não havendo nenhuma maneira de aumentar a capacidade do ambiente de suportar os fardos (económico e demográfico) colocados sobre ele, resulta que o ajuste deve vir inteiramente do outro lado da equação. E uma vez que o desequilíbrio já atingiu proporções perigosas, também se segue que o essencial para o êxito é uma reversão, não simplesmente um abrandamento, das tendências subjacentes nestes poucos séculos passados».



Publicado por Xa2 às 14:07 | link do post | comentar

2 comentários:
De .Progressismo. a 21 de Março de 2011 às 16:03
Progressismo
- J.L. Pio Abreu, Destak, 17.03.2011

No tempo em que lutávamos contra a ditadura, as forças de esquerda também se chamavam progressistas.
Acreditava-se então que o progresso traria a democracia, que o desenvolvimento científico e tecnológico seria colocado ao serviço dos humanos, que o desenvolvimento económico faria os povos mais livres e cultos, e que estes tenderiam a organizar-se no respeito pelos seus semelhantes e pela própria natureza.

Não tínhamos previsto que tudo evoluísse muito mais depressa do que a capacidade de adaptação humana.
Que os humanos ficassem limitados pelas suas línguas e culturas, enquanto a globalização criaria um conjunto de líderes mundiais apenas preocupados com o seu proveito.
Nos mercados, com a sua especulação, na destruição da natureza que tentavam transformar, no imediatismo da procura de energia barata.

A submissão da política aos mercados financeiros globais, a criação de maiores assimetrias, as ditaduras feitas pela posse dos bens estratégicos, a revolta dos povos e as guerras civis, os desastres ecológicos e a explosão das centrais nucleares são hoje a consequência desse progresso de tal modo acelerado que não teve tempo de ser pensado.

O mundo está trágico e caótico, apelando a que este progresso pare um pouco.
Chegou-se ao fundo dos átomos e dos genes, mas aqueles que os manejam não ultrapassaram ainda a vivência tribal.
Neste estado, o único progresso que faz sentido é o da fraternidade humana. Da cultura, do amor, da compaixão.


De .. a 21 de Março de 2011 às 16:16
-------- o seu artigo é a expressão da realidade em que a maior parte da espécie humana vive, derivado à ambição desmedida de uma minoria de privilegiados que vive na opulência e de barriga cheia.

Eu próprio fui vítima desta globalização, pois fui usurpado dos meus bens em África - onde nasci em 1935 -, avaliados hoje em cerca de 5 milhões de euros, conseguidos com muita trabalho, vivendo hoje sem qualidade de vida com uma pensão de 385,00 euros. sem poder ajudar 4 filhos, 7 netos e 4 bisnetos que tiveram em parte que emigrar para sobreviverem. Obrigado pelo seu artigo. R.S.
Rui Serrano | 18.03.2011

------- O capitalismo selvagem impera e os dirigentes Europeus não se consciencializam que nada evolui sem o Homem em si …
Enfrentando a contradição explanada... temos a sociedade de abundância Versus o empobrecimento da alma ...
Na Divina Comédia de Dante o autor reflecte começa a sentir piedade dos homens e mulheres, estes contorcendo-se de dor...

A força do dinheiro torna-se um problema e persegue ao longo das vidas e exerce uma pressão enorme que à sua maneira é tão poderosa e insistente como qualquer problema da existência humana ... condicionando-a...
o reino do ser que definha ...porque as nossas formas de relacionamento com a natureza, saúde, doença, educação, artes, justiça social, estão cada vez mais invadidas pelo factor dinheiro...

As malhas, com quais a tecnologia faz penetrar na nossas vida as energias e matérias da natureza podem ser bem vistas como algemas que nos prendem e tornam indispensáveis muitas coisas que podiam e deviam mesmo ser dispensadas ..colocando no fundo a sociedades à parte...

É o dinheiro é o que todos querem... A cultura moderna na importância que se dá ao instrumento do dinheiro epitomiza a atracção pelos meios e instrumentalismos...

O Progressismo .. a que assistimos é meramente a tecnologia sem ética que é resultado do conhecimento sem desenvolvimento do instrumento de percepção ética, os sentimentos ...

Conhecimento sem sabedoria ... no entanto é importante perceber que é mais importante sentir aquilo que se conhece, mesmo que seja só uma coisa, do que conhecer com a cabeça apenas, uma massa de teorias e factos...

Fizemos muitos progressos em relação ás culturas antigas, mas esquecemos este aspecto...
Quando se conhece apenas com a cabeça e não se integra nesse conhecimentos os sentimentos estão estamos defronte de um saber prejudicial para a Humanidade...

Como disse alguém há muito..." o espírito é para ver o que é verdadeiro; os sentimentos são para compreender o que é bom"...
Marluz | 18.03.2011

----- A União Sovietica, sem mercados, sem capitalismo e por isso sem empreendedorismo nem nível e qualidade de vida, foi responsável por mais catástrofes nucleares do que o resto do mundo.

Até com a ganância de produzir algodão no vasto deserto do Turquestão soviético, fizeram canais de irrigação que desviaram os caudais do Sirdaria e do Amudaria e com isso fizeram secar um mar, o Mar de Aral,
hoje em dia um rasto de morte e sal sob o sol quente do deserto, onde aqui e ali se vê um esqueleto de um navio abandonado a enferrugar.

A soviética Chernobil foi outro belo exemplo de sapiência ecológica e ambiental das sociedades comunistas, anti-mercado.

O cemitério nuclear de Murmansk, no norte. é outro exemplo de consciência ambiental comunista, residuos nucleares da marinha soviética a perder de vista, inundam a paisagem gelada e triste.

Realmente não há sustentabilidade e consciência ambiental como aquela onde a Bolsa de Valores não existia, o empresário era apenas uma personagem literária, e o mercado só tinha uma única marca, a marca do Estado Soviético.
JM | 18.03.2011

-------- Muito tem de ser repensado. Nem sempre o que parece é.
O Heidegger tem um conceito para esta relação entre "espaço" e "ser" que vale a pena ser repensado á luz da globalidade e do viver moderno, Dasein . Limitamo-nos a morrer um pouco , todos conscientes de que a morte é um limite próximo . O peso da imagem ,do riso que nos distancia do "real" e que nos manipula interiormente ...


Comentar post

MARCADORES

administração pública

alternativas

ambiente

análise

austeridade

autarquias

banca

bancocracia

bancos

bangsters

capitalismo

cavaco silva

cidadania

classe média

comunicação social

corrupção

crime

crise

crise?

cultura

democracia

desemprego

desgoverno

desigualdade

direita

direitos

direitos humanos

ditadura

dívida

economia

educação

eleições

empresas

esquerda

estado

estado social

estado-capturado

euro

europa

exploração

fascismo

finança

fisco

globalização

governo

grécia

humor

impostos

interesses obscuros

internacional

jornalismo

justiça

legislação

legislativas

liberdade

lisboa

lobbies

manifestação

manipulação

medo

mercados

mfl

mídia

multinacionais

neoliberal

offshores

oligarquia

orçamento

parlamento

partido socialista

partidos

pobreza

poder

política

politica

políticos

portugal

precariedade

presidente da república

privados

privatização

privatizações

propaganda

ps

psd

público

saúde

segurança

sindicalismo

soberania

sociedade

sócrates

solidariedade

trabalhadores

trabalho

transnacionais

transparência

troika

união europeia

valores

todas as tags

ARQUIVO

Janeiro 2022

Novembro 2019

Junho 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

RSS