Passos Coelho tem algumas noções de economia. Vulgarmente básicas, claro está, num homem rendido aos dogmas do neoliberalismo (tantas vezes aqui desmontados). Não tendo nascido na Somália, esse paraíso neoliberal sem estado com que sonha todas as noites, sempre fortemente convicto dos dogmas mais absurdos, resta-lhe tentar trazer a Somália para Portugal. Isso, sabemos bem que o quis fazer no verão passado: um projecto de revisão constitucional por demais descabido, concebido por um punhado de sanguessugas neoliberais apostadas em encher os bolsos à custa de um significativo aumento das desigualdades, lideradas por um dirigente associativo estudantil, ignorante numa importante série de questões socioeconómicas de fundo. Rapidamente ficou claro que tal caminho aventureiro seria liminarmente rejeitado pela larga maioria do eleitorado.
Derrotado? Nem por isso: se a coisa não vai a bem, para um oportunista pode sempre ir a mal. Se o seu programa não pode ser aprovado pela via eleitoral, resta-lhe que seja forçado ao País por via do FMI. Com uma transparência invulgar em golpistas de baixo nível, Passos Coelho sempre deixou claro que esse era, acima de tudo, o seu desejo: governar em coligação com o FMI e conseguir assim as condições necessárias para a aplicação do seu programa. Restava-lhe, contudo, um passo final. Goste-se ou não, a bem ou a mal, sempre houve um enorme obstáculo à intervenção externa em Portugal: José Sócrates. Foi, sempre, incansável a tentar evitá-la. Naturalmente que partilho desta opinião: como já aqui escrevi, existem inúmeras razões para discordar de muitas medidas nos diversos PECs, mas não existe uma única para abrir as portas ao FMI - pelas razões que todos conhecemos. A estratégia foi simples: esperar pela altura ideal de ir ao pote, esperar pelo momento certo para dar uma rasteira a Portugal. E assim foi.
Duas questões: Qual o verdadeiro objectivo de Passos Coelho ao chumbar o PEC4? Quais as consequências directas do chumbo do PEC4?
O objectivo é invulgarmente transparente. Forçar o FMI. Porque, sejamos claros, é de uma desonestidade profunda dizer, a 19 de Março, que "há um limite para exigir sacrifícios aos portugueses" e, chumbado o PEC4, dizer depois, a 28 de Março, que "votámos contra o PEC porque não foi tão longe quanto devia". E é também de um oportunismo invulgarmente transparente, dias depois, afirmar que, de uma maneira ou de outra, o caminho desejado é o caminho do FMI.
Mas o tempo não parou e os mercados não se deixaram ficar quietos(*). Em consequência directa do chumbo do PEC4, e pesem embora dezenas de alertas nesse sentido, sempre ignorados por quem realmente desejava capitular Portugal, o que sucedeu está à vista de todos: «[...] em menos de dez dias [...] os juros da dívida subiram três pontos e meio, mais do que haviam subido nos três meses anteriores; algumas das grandes empresas públicas de transporte, deficitárias em todos os países, passaram a lixo; a banca nacional vê as fontes externas secarem; a reputação financeira da República baixa cinco escalões [...]»[1]. Mais: «[...] depois da crise [...] as taxas de juro de cinco anos subiram cerca de quatro pontos. Os bancos, com os ratings igualmente cortados, perderam 500 milhões de capitalização bolsista. Os títulos da dívida estão em risco de não serem aceites no BCE, ameaçando o financiamento da banca e da economia. Os prémios dos CDS portugueses (espécie de seguro contra default) a cinco anos estão acima dos da Irlanda [...]»[2]. Mas continua: do leilão de Março, antes do chumbo do PEC4, para o de hoje, o juro a seis meses subiu de 2.98% para 5.11%. Estamos a falar de um aumento de cerca de 70%. Praticamente não existe qualquer grande empresa nacional que não tenha sido, hoje mesmo, catalogada como "lixo" em termos de rating.
Resta alguma dúvida? O que aconteceu hoje, a capitulação final, tem um mentor. Passos Coelho. Um oportunista invulgarmente transparente pois nunca escondeu ao que vinha. Mas tem também um acontecimento singular que, objectivamente, é a sua causa última. O irresponsável chumbo do PEC4. Não me canso de repetir: existem inúmeras razões para discordar de muitas medidas nos diversos PECs, incluindo o último, mas não existe uma única para abrir as portas ao FMI. Quem o fez deve ser devidamente responsabilizado. Da esquerda à direita, PSD, CDS, mas também Bloco, PCP e PEV, de forma plenamente consciente, o resultado está à vista.
Termino naquilo que diz respeito ao PSD: em nome de um perigoso projecto de sociedade, de uma experimentação socioeconómica neoliberal que se tem mostrado desastrosa por todo o mundo, sem rodeios, consciente, decidiu Passos Coelho colocar os seus interesses acima de tudo, os interesses nacionais em último lugar, e assim sacrificar Portugal.
Que "recompensa" merce este homem invulgar?
Ricardo Schiappa [Esquerda Republicana]
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