Sábado, 21 de Maio de 2011

Semana de trabalho lusa tem mais horas do que alemã ou finlandesa. Mas o que sai das empresas não tem o valor acrescentado de um BMW ou de um Nokia. Reside aqui a falta de competitividade portuguesa.

Na escalada da crise grega, há um ano, o tablóide alemão Bild publicou um editorial em que dava conselhos ao país do mediterrâneo sobre como ultrapassar as dificuldades económicas que estava a viver. À semelhança dos alemães, escreveu o jornal, os gregos deviam levantar-se «razoavelmente cedo» e trabalhar o dia todo. A proposta foi reproduzida em meios de comunicação internacionais e gerou chacota à escala europeia, mas tem um problema. Os gregos, tal como os portugueses, já são dos povos que mais horas trabalham por semana, ultrapassando países nórdicos como a Alemanha ou a Finlândia.

Quem pensa que as dificuldades económicas dos povos periféricos são causadas por passarem demasiado tempo na praia, está enganado. Segundo dados do Eurostat do último trimestre de 2010, baseados em inquéritos, os portugueses trabalham quase 39 horas por semana, acima da média europeia (37,5 horas). São mais três horas do que os alemães e quase mais duas do que os finlandeses. E os gregos ainda mais: a semana laboral tem 42,2 horas, o valor mais alto dos 27 Estados-membros da União Europeia. Portugal ocupa a 11.ª posição, a seguir a países como a Eslovénia ou a Hungria.

Mão-de-obra intensiva

Portugal tem de facto um problema de produtividade, mas está sobretudo relacionado com outra variável da questão: o que se faz com o tempo passado no posto de trabalho. O país está muito especializado em sectores de mão-de-obra intensiva, sem incorporação tecnológica ou geração de valor acrescentado, pelo que o rendimento gerado pela actividade económica é menor. Uma coisa é trabalhar em cafés, restaurantes ou em fábricas de têxteis que concorrem com produtos chineses; outra é fabricar telemóveis Nokia e automóveis BMW, dois dos produtos mais inovadores e vendidos do mundo.

«A questão não é trabalharmos mais, mas sim trabalharmos de forma diferente», resume a economista Aurora Teixeira, que fez vários trabalhos de investigação sobre o papel do capital humano e da investigação e desenvolvimento no crescimento dos países.

Segundo a docente da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, a falta de produtividade portuguesa tem sobretudo a ver com a «concentração em sectores de mão-de-obra intensiva», a par da falta de competências dos recursos humanos e da falta de capacidade de gestão e de organização das empresas. «Estar a trabalhar mais horas não significa estar a produzir mais», acrescenta, clarificando que o conceito de produtividade é «produzir o mesmo com menos custos ou produzir mais com custos semelhantes».

E neste campo Portugal não sai bem do retracto. Um dos indicadores de produtividade mais simples da OCDE consiste em dividir o Produto Interno Bruto de cada país, em paridade de poder de compra, pelo total de horas trabalhadas nessa economia.

Em Portugal, 60 minutos laborais resultam num retorno de 21 euros para a economia nacional, em termos de PIB. É praticamente metade da produtividade alemã: 37 euros de PIB por hora de trabalho. Só há três países com pior produtividade do que a portuguesa – Polónia, Hungria e República Checa –, e este desempenho tem depois reflexos a nível salarial.

Um trabalhador português recebe menos de metade do que um alemão, segundo dados sobre vencimentos também da OCDE. Só há salários mais baixos em alguns países de Leste.

Apesar de a produtividade agregada do país estar abaixo da média europeia, Aurora Teixeira destaca a capacidade que alguns sectores tiveram, nas últimas décadas, de melhorar o seu desempenho. A docente recorda o caso do calçado, cuja produtividade subiu, desde meados dos anos 80, com melhorias tecnológicas e na organização das empresas, com uma aposta mais forte no design. «Ajudou a subir a competitividade externa, ao contrário do que aconteceu com o sector têxtil».

Como melhorar

Para Aurora Teixeira, o que aconteceu no calçado devia ser replicado. As melhorias surgiram depois de ser elaborado um plano estratégico para o sector e de ser gerada uma ‘plataforma’ eficaz entre empresas, universidades e institutos públicos. «Teve um impacto assinalável na inovação e capacidade de ajustamento das empresas. O sector emagreceu em quantidade de empresas e emprego, mas aumentou em valor acrescentado».

Outro economista, Vítor Bento, tem-se destacado exactamente por defender que tem havido uma excessiva canalização dos investimentos nacionais para o sector não transaccionável, o que prejudicou a competitividade do país. E para sair da actual situação, considera ser necessária uma maior aposta no sector transaccionável. Num post recente do blogue da Sedes, defendeu que a descida da Taxa Social Única negociada com a troika «é uma boa ideia, sobretudo para quem não dispõe de moeda própria e pretende emular uma desvalorização».

João Paulo Madeira [SOL]



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