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De Miguel Portas, o BE, a POLÍTICA, ... a 24 de Junho de 2011 às 12:24
Miguel Portas "A renovação do Bloco tem de passar pela saída dos quatro fundadores"
por Nuno Ramos de Almeida, 22 de Junho de 2011.

Miguel Portas é político há muito tempo. Defende que tudo tem a sua época e o Bloco de Esquerda precisa de lideranças novas. Fala das declarações de Ana Gomes sobre o irmão Paulo. Não esconde que o cancro lhe mudou a vida e garante que é preciso uma renovação da esquerda.

Como comenta a saída do Rui Tavares do grupo do Parlamento Europeu onde está o Bloco na sequência de uma polémica com Francisco Louçã?

Registo com tristeza a saída dele da delegação e do grupo onde sempre votou livremente na condição de independente. De qualquer modo, na minha opinião, existe uma clara desproporção entre o motivo invocado e a consequência da decisão. A decisão dele não vai facilitar a discussão no interior do Bloco. Mas da nossa parte há vontade de manter uma relação de trabalho com ele no parlamento.

Estás arrependido de o ter convidado?

Boa pergunta [silêncio]. A história não se faz com "ses". Não esperava a decisão e é com tristeza que a vejo.

Não acha que para uma derrota em que o Bloco perdeu metade dos votos e deputados, é pouco aquilo que a Mesa Nacional propõe como discussão?

Acho que não é curto, porque não é uma solução que encerra o debate. Tem a característica de ser uma discussão que é interna, mas também pública. Nesta fase, antes de férias, realizar-se-ão assembleias de aderentes por todo o país. São encontros para ouvir, não para se dizer o que devem pensar. Depois o espaço de debate vai abrir na internet para toda a gente. Vai-se realizar um debate com convidados que não são do BE sobre os caminhos de convergência e recomposição da esquerda portuguesa. Acho que nos permitirá uma recolha de opiniões muito vasta e é em função disso que a Mesa Nacional de Setembro decidirá se se avança ou não para uma convenção ordinária antecipada.

Não está excluída à partida a realização de uma convenção?

É uma consequência possível do debate, defendida por muita gente, que não decorre exclusivamente dos resultados eleitorais. Deve responder à questão de qual deve ser a táctica e a estratégia do Bloco neste novo quadro político.

Ao não marcar já uma convenção, a direcção do BE não está a desresponsabilizar-se dos resultados eleitorais? Não seria necessário, como defende o Daniel Oliveira, a direcção ser confrontada com uma convenção?

O Daniel levantou duas questões fundamentais partilhadas também pela tendência mais à esquerda do BE (a Ruptura): a ideia que um mau resultado equivale a uma convenção extraordinária que deve conduzir à demissão da direcção. O Daniel apresenta uma proposta já com resultado consumado. Não me parece curial convocar uma convenção que antes de reunir já tem um resultado anunciado. Dito isso, o problema político existe: não há uma questão de legitimidade da actual direcção, ela foi eleita três semanas antes das eleições, mas há um problema de credibilidade política do núcleo dos fundadores do Bloco. Sobre isso não tenho dúvida nenhuma. Este núcleo fundador sempre foi o centro das decisões do BE.

Está a falar dos quatro (Louçã, Fazenda, Rosas e Portas)?

Destes e de mais um círculo de dirigentes muito próximos. Este núcleo, da mesma maneira que tem o mérito de ter levado o Bloco a 10% e 11 % no espaço de uma década, também tem uma pesada responsabilidade de o ter trazido para 5%, isso é iniludível, e desse ponto de vista é muito positivo que o BE tenha feito imediatamente três coisas. Reconheceu a derrota e atribuiu a mesma não só a factores externos mas também a factores internos: a erros ao longo dos últimos dois anos. E finalmente marcou um debate público e aberto que não se restringe aos militantes.

Foi por causa dessa derrota que decidiu sair da comissão política?

Não estritamente, mas também pesou. Independentemente do resultado, estou convencido de que o ciclo político dos chamados fundadores do Bloco chegou ao fim no dia 5 de Junho. É evidente que a renovação de uma equipa dirigente se faz melhor com bons resultados que com maus resultados. Paradoxalmente, os maus resultados acentuam essa necessidade. Foi exactamente porque os resultados são maus que achei muito bem que o Francisco Louçã não se tivesse demitido...


De - Entrevista a Miguel Portas - a 24 de Junho de 2011 às 12:27
Miguel Portas:
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Foi exactamente porque os resultados são maus que achei muito bem que o Francisco Louçã não se tivesse demitido na noite da derrota. Mas penso que a renovação não só não deve ser tutelada pelos fundadores, como precisa de ter tempo para ser sólida.

Admite que a renovação passe pela saída do Louçã?

Defendo que a renovação tem de passar pela saída dos quatro fundadores. Dois deles, de alguma forma, já o fizeram: Fernando Rosas saiu de deputado, eu saí da comissão política, fico só na Mesa Nacional. Penso que inevitavelmente, com o tempo, chegará aos outros dois. Dito isto, isso não significa que o Bloco fique órfão. Pelo contrário, a única maneira de o BE evitar isso é ter a inteligência de fazer essa renovação no tempo certo. Mas também por isso o problema não se punha como o Daniel o pôs: derrota, mau resultado, demito-me e abre as primárias para saber quem ganha. Pensar assim é não conhecer as características do partido.

Mas como é que o Daniel não conhece se está desde o início do BE?

Eu pensava que ele conhecia melhor. Uma opinião destas era mais previsível numa pessoa com menor história no BE, como a Joana Amaral Dias, que também teve o mesmo tipo de posição. Concordo com muitas coisas que o Daniel diz ou escreve, mas não concordo com esta posição.

Francisco Louçã partilha consigo a necessidade de uma renovação tão ampla que o inclua?

Não posso falar pelo Francisco Louçã. O que posso dizer é que não creio que o Francisco Louçã seja uma pessoa agarrada ao lugar. Tem uma boa parte do peso da responsabilidade de ajudar o Bloco a ultrapassar a situação em que se encontra.

De certa forma a demissão do Miguel Portas pretendia abrir a possibilidade de outros fundadores saírem. Isso não se verifica com Luís Fazenda, que sobe à liderança da bancada do BE.

É evidente que com a minha indisponibilidade de continuar nos organismos executivos eu quis dar um sinal aos eleitores e ao Bloco de que não há ninguém insubstituível. A minha opinião é que nos oito deputados há seguramente mais de uma pessoa com qualidades para assumir uma liderança parlamentar. O tempo dos fundadores enquanto dirigentes de primeira linha está esgotado. Toda a questão é como se faz a transição para uma nova liderança. Se isso passa pelo regresso do Fazenda à liderança parlamentar e se foi esse entendimento da comissão política, foi esse o entendimento da comissão política.

Mas há alguém para substituir Louçã?

Como o Louçã não há ninguém, mas o Bloco podia ser dirigido de outra forma, criativa e adaptada aos tempos novos, com uma série de quadros, com menos 30 anos, beneficiando da experiência dos mais velhos. É preciso ver que nem sempre o Bloco teve a figura do coordenador nacional.

No Bloco deixou de haver uma direcção intocável. Tem os méritos dos acertos e também a dos desacertos. Vejo isso com bons olhos. O BE, devido aos acertos, foi tendo uma espécie de democracia iluminada, e deste ponto de vista são sempre melhores as democracias que as ditas cujas iluminadas. O BE está confrontado com a absoluta necessidade de discutir. Não é possível aguentar a lógica de divisão e confronto da pluralidade que compõe o Bloco. Aconselharia um enorme bom senso dos dirigentes e dos militantes. As forças políticas são instrumentais, mas custa muito fazer forças políticas e não tentar superar os problemas de 13 anos de desgaste.

Qual a razão que faz com que o PCP e o Bloco não se reforcem eleitoralmente com a sua oposição às políticas da troika?

Esta pergunta levanta questões de ordem estratégica. Os dois partidos que foram contra o resgate, o PCP e o BE, um estagna e o outro desce para metade. O campo da luta contra a troika. Mas os dois partidos deste campo com a mesma proposta política têm comportamentos eleitorais muito distintos. O aparecimento de uma imposição externa, a três semanas do voto, entendida como uma fatalidade, prejudicou os partidos à esquerda do PS. A diferença de resultados deve--se ao facto de os dois partidos serem muito diferentes. Há histórias políticas muito diversas. Um dos partidos tem 90 anos e o outro 13. Diferenças de enraizamento no movimento associativo e no poder local. E existe uma outra coisa: ...


De - Excelente análise Política - a 24 de Junho de 2011 às 12:32
Miguel Portas .
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E existe uma outra coisa: é que o PCP ao longo dos últimos 25 anos perdeu muito, e como perdeu muito já tem muito pouco para perder. A questão do PCP é saber como ganhar e não como não perder. Da parte do BE, o Bloco nasce depois da crise da forma partido. Não é um partido de massas e é muito mais sensível à opinião pública e ao debate na sociedade e permeável a novas formas de determinação das opiniões nas redes sociais em vez dos sindicatos, para dar um exemplo. Ora isto não é defeito, é feitio.

Mas há certamente um problema de erros políticos. As sondagens diziam que mais de 30% dos eleitores não concordavam com o memorando da troika, mas, no entanto, o PCP e o BE tiveram menos de 13%.

Existem dois problemas. Existia uma proposta de alternativa à troika, essa proposta era que a renegociação da dívida fosse feita em versão europeia ou nacional, mas não existia uma alternativa política. Uma alternativa económica sem alternativa política é coxa para uma situação em que grande parte da população se vê confrontada com a ideia de bancarrota ou a possibilidade de não haver salários em Junho. O problema não esteve na proposta, nem na campanha, mas no facto de nem o Bloco nem o PC estarem em condições de responder à pergunta que verdadeiramente as pessoas faziam: para que servem os votos em vocês se vocês não vão para o governo? A necessidade de um processo mobilizador política e socialmente que se pode consubstanciar na ideia de governar à esquerda é algo bastante mais do que Bloco e PCP. Exige um terceiro pilar de socialistas, de independentes de movimentos sociais e académicos e estamos ainda longe disso. Paradoxalmente, esta era de credores em que estamos cria condições para um caminho deste tipo.

Pode dizer-se que, paradoxalmente, a acção do Bloco, com os seus ziguezagues entre Alegre e não receber a troika, afastou estes sectores?

Há zigues e há zagues. Nós cometemos erros tácticos que acontecem numa direcção política. O problema não está nos ajustamentos tácticos, o problema é que alguma credibilidade da direcção do partido se foi perdendo ao longo dos ziguezagues.

Há eleitores do BE que afirmam que ter apoiado Manuel Alegre numa candidatura com o partido do governo foi errado, há eleitores que afirmam que ter copiado o PCP na moção de censura foi errado. O que acha?

O BE sempre considerou que a recomposição de uma esquerda política que tivesse a ambição de ser maioritária só se podia fazer com uma componente socialista. A aproximação com Manuel Alegre é feita no parlamento, sobre políticas concretas, tendo-se depois concretizado numa convergência que podia ter vários desenvolvimentos. Não se compreendem os 11% que o BE tem nas europeias e os 10% nas legislativas de 2009 sem essa convergência. Há um problema político quando o Manuel Alegre decide que vai ser candidato à presidência da República. O BE discutiu com ele vários caminhos, mas a decisão foi dele. Nós darmos apoio a esse caminho tinha a ver com uma questão de credibilidade. Não se faz um processo de aproximação a um parceiro para depois fazer marcha atrás. Repare-se que não se tratava de apoiar o PS, mas uma candidatura unipessoal que suscita variados apoios. Eu não fiquei mais incomodado que o Francisco Assis pelo facto de PS e BE terem apoiado o mesmo candidato.

E em relação às críticas que têm a ver com um certo mimetismo e competição com o PCP no seu terreno?

Eu creio que houve na decisão do BE uma tentativa de compensar o apoio ao Alegre com uma posição muito clara contra o governo. Nós nunca calámos as críticas ao governo durante a campanha presidencial, mas acho que uma das coisas que pesaram na decisão da moção de censura foi tentar reequilibrar as coisas. O risco dos reequilíbrios é que raramente correm bem. Havia razões para uma moção de censura, mas podia não ser o timing exacto. Onde eu creio que houve um erro claro foi na decisão de não reunir com a troika. Estou à vontade, até porque participei nessa decisão. Os argumentos para não ir à reunião eram argumentos racionais indiscutíveis. Não há negociações paralelas. Aceitar discutir uma imposição externa a três semanas da eleições é aceitar o protectorado da troika.
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De -Mig.Portas: Portugal, U.Europeia,...- a 24 de Junho de 2011 às 12:37
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Aceitar discutir uma imposição externa a três semanas da eleições é aceitar o protectorado da troika. As razões eram racionais, mas foi uma decisão insensível ao que as diferentes componentes da nossa base de apoio desejavam. Com razões diferentes, os segmentos mais radicalizados queriam que nós fossemos à troika dizer "vão-se embora" e os sectores preocupados com a crise desejavam todas as oportunidades para mitigar as malfeitorias que se anunciavam e nem uns nem outros compreenderam a nossa decisão. A nossa decisão foi culturalmente arrogante e sobrestimou a capacidade de indignação da sociedade portuguesa e subestimou o medo em que a sociedade mergulhou com os níveis de desemprego e insegurança que a atingiram. Em todas as cabeças há indignação e revolta e uma dose de fatalidade e de medo. Nós não conseguimos perceber esse equilíbrio.

As pessoas não vêem o BE como parte da solução. Como pode ele contribuir para uma mudança política?

Isso inscreve-se no novo quadro político. Como tudo na vida, a política só costuma pôr as questões que pode resolver. Nós entrámos numa era dos credores, que comporta a possibilidade real de mudança de regime, através, por exemplo, da incorporação de um tecto máximo ao endividamento na Constituição. Ou seja, constitucionalizar um determinado tipo de política económica, qualquer que seja o governo eleito. Aquilo que caracteriza esta era dos credores é que quem manda não são os representantes dos credores, mas os próprios credores. Hoje o FMI e o BCE são os nossos maiores credores e a política transformou-se numa assembleia de credores em período de insolvência. Este regime em que os credores determinam a política do empréstimo que fazem. Eles não estão a dar dinheiro, estão a emprestar. Isto cria uma mutação em que as decisões se tomam fora das estruturas eleitas, e estas sufragam as decisões sob chantagem financeira. O segundo problema é que há uma maioria de direita no governo, na presidência e no parlamento. E o terceiro elemento é que numa dessas instituições essa maioria é alargada pelo PS, que subscreveu o memorando da troika. Isto significa que parte da oposição está sequestrada pela maioria de direita. É a partir desse contexto de desequilíbrio na correlação de forças no parlamento que na minha opinião se põe a obrigação do Bloco de repensar toda a sua táctica política. A grande razão para uma convenção é esta necessidade. Por isso não a defendo antes de mais um ano. Precisamos de perceber a nova realidade. Mais que ajustar contas com os resultados eleitorais, é preciso traçar o caminho para a frente.

E esse ajustamento pode ser o quê?

Duas coisas: rua e capacidade de protesto. Lançar movimentos, dando-lhes plataformas para além dos sindicatos, e por outro lado uma táctica política determinada no sentido de abrir brechas no chamado campo da troika. O país não tem nenhuma vantagem em ter um Partido Socialista sequestrado pela política do memorando. Debilitar o campo da troika e da direita deve ser o nosso objectivo político. É preciso tratar o PS de uma forma distinta na linguagem e no diálogo. Deve-se conseguir criar um campo social e político que nos liberte da troika.

Mas existe uma alternativa real à política económica da troika?

O BE tinha a proposta da renegociação da dívida. A renegociação apenas implica a resposta, de preferência à escala europeia, para resolver o problema da dívida pública sem hipotecar as possibilidades de crescimento. Mas o problema do défice externo não está resolvido. A Europa está numa situação em que os caminhos se bifurcam. A ortodoxia ultraliberal que tem como eixo o Banco Central Europeu que quer tudo automático em termos de coordenação económica e de punições e, por outro lado, quer a política dos resgates porque já se transformou ele próprio no primeiro credor da dívida grega e portuguesa. Portanto, o BCE tem um problema de recapitalização, porque está intoxicado de títulos da dívida que não vai receber. Está a impor aos países uma forma de ser ressarcido pelos títulos que andou a comprar porque esteve a financiar a banca privada com empréstimos a 1%, com que depois a banca privada comprava títulos de dívida com juros muito mais altos, entregando como garantia os mesmos ao próprio BCE. Neste momento, o presidente do Eurog..


De Um bom exemplo. a 24 de Junho de 2011 às 12:39
Miguel Portas
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Neste momento, o presidente do Eurogrupo e Angela Merkel estão em conflito aberto com o BCE. Os estados que estão a emprestar e que sabem que é necessário reestruturar a dívida para fugirem à inevitabilidade de emprestar mais para receberem o que pagaram antes. Esta discussão vai decidir o futuro da Europa.

Teve um cancro. Isso alterou a sua vida e a forma como vê até o seu empenhamento político?

Sim, quem tem um cancro tem um cancro. Não vale a pena pensar que não tem. Mais cedo ou mais tarde aparece. Por outro lado, isto é uma doença crónica, há muito mais gente com a doença do que pensamos. O que relativizou a minha vida foi ter a ideia que do cancro muitas vezes se morre. Isso corresponde a uma baliza de sorte e exige algum cuidado. A gente tem cancro não por razões hereditárias, mas pelo modo como vivemos. A brincar costumo dizer que o meu cancro é de esquerda, porque o cancro de direita é que é o hereditário. Isto significa que uma pessoa na sua vida particular não deve fazer a vida que levava antes, deve fazer algo para a emendar, fazer mais do que deixar de fumar. Isto relativiza todos estes dramas de que andamos a falar. Isso também pesa. Junto o útil ao agradável: o BE tem excelentes soluções de direcção sem ser eu, e eu também preciso de mudar de vida.

O Miguel tinha uma excelente relação pessoal com a Ana Gomes. As declarações dela sobre o seu irmão Paulo Portas mudaram essas relações?

Alteraram. Infelizmente alteraram. Enquanto me lembrar não me esqueço. A Ana Gomes é uma mulher com excelentes qualidades, uma das características que tem é que é uma desbocada e desta vez passou os limites. É a vida, tenho pena, mas é assim.
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