Quarta-feira, 13 de Julho de 2011

A pouca coisa e a coisa do costume

por Daniel Oliveira

Com o Partido Socialista amarrado ao memorando da troika e ao suicidio económico de políticas recessivas, Francisco Assis e António José Seguro não tinham, no fraquíssimo debate de ontem, na SIC Notícias, nada para dizer sobre o País.

     Restou a Europa. Bom tema.

E o que os dois defenderam, da emissão de eurobonds ao aumento do orçamento da União, subscrevo por baixo.

    Só lamento que não bata certo com o euroconformismo que dominou o partido, incluindo estes dois candidatos, nos últimos anos. Basta recordar a recusa do PS em debater o trágico Tratado de Lisboa para perceber que acordaram tarde para o beco sem saída em que a Europa se enfiou.

    Pior: não estou seguro que este súbito sentido crítico em relação aos caminhos da UE não seja mais do que uma fuga para a frente perante a sua própria ausência de discurso sobre políticas de Estado. Suspeito que, regressados ao poder, voltem a defender a tese do "bom aluno europeu".

 

Sobraram, no debate de ontem, duas coisas: as diferenças de estilo e as propostas para a vida interna do PS.

    Quanto ao estilo, e apesar de tudo o que me afasta do candidato a derrotado, a coisa é óbvia:

Assis é mais estruturado, mais corajoso e mais denso. António José Seguro exibiu, neste debate, um confrangedor vazio político. E é pena. O PS precisava, como contraponto ao socratismo mais elaborado de Assis, de algo mais do que o refugo do guterrismo.

    Quanto à questão interna, tivemos, de um lado, um remendo à crise dos partidos, e do outro um namoro ao aparelho.

Ao propor a realização de primárias para a escolha dos candidatos autárquicos do PS, com a participação de simpatizantes, Assis revelou ousadia (talvez já tenha pouco a perder) e demonstrou que tem consciência da captura dos partidos de poder por parte de pequenos interesses locais e nacionais.

Mas achar que, dando voto aos simpatizantes, se resolve o problema é não perceber de onde vem o divórcio entre os partidos e os cidadãos. A coisa é mais profunda. E só se resolve com política.

    No dia em que os partidos que, por razões históricas, estão em condições de conquistar o poder, forem verdadeiras alternativas um ao outros, é provável que os cidadãos se envolvam mais. Quando as pessoas sentirem que o seu envolvimento na vida de um partido pode mudar a vida do País e não apenas mudar a vida de quem quer nele fazer carreira talvez achem que vale a pena entrar numa sede para escolher candidatos.

   O PS só deixará de ser uma mera federação de interesses quando quiser mesmo ser mais do que isso. E é nas propostas que tem para o País que isso se verá. Não se viu isso ontem da parte de nenhum dos candidatos.

   E sejamos justos com os militantes do PS: não foram apenas eles que escolheram durante anos Fátima Felgueiras ou Mesquita Machado. Foram os eleitores que confirmaram demasiadas vezes essas escolhas. A falta de exigência está longe de ser um exclusivo dos militantes partidários.

    Às críticas de Assis à falta de vitalidade política na vida interna do PS - que é extensível a todos partidos -, Seguro respondeu com apelos ao clubismo acrítico. Enquanto Assis dizia o que qualquer cidadãos medianamente informado sabe Seguro pedia-lhe para não denegrir o PS. Como se reconhecer as fragilidades de um partido fosse uma qualquer pulhice que se lhe faz.

    Ou seja: a proposta de Assis é pouca coisa, a resposta de Seguro é a mesma coisa de sempre. Falso: ele quer um laboratório de ideias. Parece-me excelente. Podia ir lá buscar uma ou duas, para dar algum conteúdo aos seus "valores". Pequenas que fossem. Já aqui o escrevi:

Assis será, pelas suas convicções ideológicas desistentes, um erro. Seguro será um intervalo. Até o PS escolher, se conseguir, um líder capaz de contrariar a crise de identidade que o PS vive.



Publicado por Xa2 às 13:07 | link do post | comentar

8 comentários:
De .Políticos, Transparência e Competência. a 23 de Novembro de 2011 às 14:02
«
Gastar é Fácil
(-por Manuel Falcão, Metro, 22.11.2011)

... no caso do PS, a situação das finanças partidárias é caótica ...
... muitos dirigentes (e administradores)... geram mais despesa do que a receita que conseguem obter.
... o grande problema de muitos políticos é que o dinheiro que usam (e de que abusam), não é deles - seja no partido, seja no Estado.
... o resultado é sempre o mesmo: aumentar taxas, impostos (nas empresas é: aumentar preços, as margens de lucro, as comissões, esmagar fornecedores, ...), inventar forma de ir buscar mais dinheiro ao bolso dos contribuintes (e consumidores ...).
... o mais chocante é a forma como alguns (ex-)políticos centraram a sua actividade empresarial privada exclusivamente em actividades especulativas (, intermediação e lóbi) e em obtenção de contratos de favor (concessões públicas, 'parcerias público-privadas', rendas, subsídios e isenções).

Uma democracia, para funcionar, precisa de (cidadãos, empresários e) políticos (activos mas) competentes, sérios e dedicados à causa pública. Nos últimostempos têm sido raros.
»
Zé T.



De .Élites e política em Portugal - Eça Q. a 23 de Novembro de 2011 às 14:03

Eça de Queirós sempre actual e Verdadeiramente impressionante !!!

“Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição.
Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das nações.
A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse.
A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias;
ali dominam as más paixões;
ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade;
ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos;
ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo;
em volta daquela arena enxameiam os aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos;
há a tristeza e a miséria;
dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio.
A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se.
Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva.
À escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos (...)
todos querem penetrar na arena, ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro, insaciáveis dos gozos da vaidade.”
Eça de Queiroz, in 'Distrito de Évora” (1867)

Política de acaso, política de compadrio, política de expediente

«Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão.» Eça de Queiroz

«Este governo não cairá porque não é um edifício, sairá com benzina porque é uma nódoa.» - O conde de Abranhos, Eça de Queiroz

------ Portugal e a Grécia (… 139 anos depois … !!!)
"Nós estamos num estado comparável apenas à Grécia:
a mesma pobreza, a mesma indignidade política,
a mesma trapalhada económica,
a mesmo baixeza de carácter,
a mesma decadência de espírito.
Nos livros estrangeiros, nas revistas quando se fala num país caótico e que pela sua decadência progressiva, poderá vir a ser riscado do mapa da Europa, citam-se em paralelo, a Grécia e Portugal"
(in As Farpas) Eça de Queirós, em 1872 !!!

----- Portugal e a crise
- “Que fazer? Que esperar?
Portugal tem atravessado crises igualmente más:
- mas nelas nunca nos faltaram nem homens de valor e carácter, nem dinheiro ou crédito.
Hoje crédito não temos, dinheiro também não - pelo menos o Estado não tem; - e homens não os há, ou os raros que há são postos na sombra pela política.
De sorte que esta crise me parece a pior - e sem cura.”
Eça de Queirós, in “Correspondência” (1891)

“ … somos um povo sem poderes iniciadores, bons para ser tutelados … “

“Diz-se geralmente que, em Portugal, o público tem ideia de que o Governo deve fazer tudo, pensar em tudo, iniciar tudo:
tira-se daqui a conclusão que somos um povo sem poderes iniciadores, bons para ser tutelados, indignos de uma larga liberdade, e inaptos para a independência.
A nossa pobreza relativa é atribuída a este hábito político e social de depender para tudo do Governo, e de volver constantemente as mãos e os olhos para ele como para uma Providência sempre presente.”
In “Citações e Pensamentos” de Eça de Queirós».

----------------------------------------------
José Maria de Eça de Queirós
Povoa de Varzim - 25 de Novembro de 1845
Paris - 16 de Agosto de 1900


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