Nascido da
implosão do sistema partidário corrupto de Itália, Silvio Berlusconi parecia ser o político de uma nova era. Eu próprio julguei que assim fosse. Uma era em que
os homens do dinheiro metessem a mão na massa e tomassem, eles próprios,
as rédeas do poder. O primeiro-ministro italiano criou um
partido à imagem e semelhança das suas empresas. Sem qualquer democracia interna, os candidatos, fossem eles gestores intermédios ou bombásticas apresentadoras de televisão, eram escolhidos com a mesma lógica que um departamento de recursos humanos escolhe os seus quadros e os promove. Sempre
garantido a obediência ao chefe.
Berlusconi tinha
máquina de propaganda com a qual qualquer político populista sonha. O
quase monopólio das televisões e um enorme poder na imprensa e na indústria editorial e de entretenimento garantiu
anos de alheamento e estupidificação da política italiana. E nesse mundo virtual que ele criou a sua aberrante figura passava a parecer aceitável. Ele vivia para o show que ele próprio produzia para o País. E,
com o poder político nas mãos, adaptava o Estado às suas próprias necessidades empresariais e pessoais, mudando leis para fugir a processos por corrupção ou para impedir qualquer ação contra o seu monopólio.
Escapou a tudo. E até os escândalos sexuais, numa Itália católica e conservadora, não lhe custaram a carreira política.
Mas Berlusconi pode cair. Não será a
oposição de esquerda a derrubá-lo. Nem a
contestação e os sindicatos. Nem a
comunicação social. Nem ele próprio. Tudo isso são
forças do passado. De um tempo em que o poder político esperava ter o apoio do povo. De um tempo em que o
poder económico tinha rosto. Afinal, Berlusconi representa
o fim de uma era. E a sua queda é o virar de página.
Foram os mercados que o fizeram cair. Que
fazem cair, um a um, os governantes da Europa. Para os
substituir por tecnocratas que "façam o que ter de ser feito". Não precisam de carisma, porque não precisam da simpatia povo.
Têm as suas dívidas. O devedor, resignado, acata ordens. Os
mercados têm os juros e o crédito e as agências de notação. Chega-lhes.
Dispensam a democracia. Mesmo aquela que escolhe magnatas da comunicação social para primeiros-ministros.
O tempo em que Citizen Ken tinha o mundo a seus pés acabou. A
manipulação da democracia já não é necessária. Porque a democracia está suspensa. O populismo já não tem qualquer utilidade. Porque
o povo não tem voto na matéria. Os mercados ditam a lei. Isso chega.