A receita de Obama (-por Daniel Oliveira)

Veremos se Barack Obama (EUA) tem a coragem de levar até ao fim as ideias que já conhecemos da sua proposta de Orçamento para 2013. Veremos se no meio dos difíceis equilíbrios, negociações e concessões que a política americana sempre obriga - sobretudo quando os democratas, mais temerosos que os republicanos, estão no poder - sobra o essencial. Seria bom. Poderíamos finalmente
comparar dois caminhos para sair da mesma crise. Dos dois lados, a tentativa de reduzir o défice. Uma, a americana, com os olhos postos na economia. Outra, a europeia, sem olhar a repercussões económicas. Como se o equilíbrio das contas públicas fosse, por si só, um fim. E como se esse fim fosse sustentável com um ambiente geral de recessão económica. O objetivo americano é chegar a um défice de 5,5% do PIB em 2013. E de 2,8% em 2022. O da Europa é um défice de 3% já e de zero por cento de défice estrutural a médio prazo. É a diferença entre o realismo e o delírio.
Obama quer fazer cortes na Defesa, Justiça e Segurança Interna. E aumentar o investimento na Educação, Energia e Infraestruturas. Exatamente o oposto do que a Europa está a tentar. A Europa esvazia o papel social do Estado e reduz o seu investimento público enquanto mantém intocadas as despesas no que o minimalismo liberal considera ser o único papel do Estado: manter a soberania militar (muitas vezes para além das necessidades e da razoabilidade) e o papel repressivo do Estado, especialmente importante em tempos de crise social e política. Obama considera que as áreas em que quer investir são as "fundamentais para os EUA construírem uma Economia que dure". A Europa acredita que se pode reerguer, no meio da crise mundial, com um Estado ausente da economia.
Isto é na despesa. Quanto à receita, Obama quer aumentar os impostos. Só que a lógica proposta é, mais uma vez, a oposta à da Europa. Tenciona recolher mais 1,5 biliões de dólares com o fim dos benefícios fiscais que se dirigiam às famílias com rendimentos anuais superiores a 250 mil dólares. E garante que vai mesmo aplicar a "regra Buffet", com a criação de um imposto de 30% sobre todos os americanos com receitas anuais superiores a um milhão de dólares. Mais uma vez, o oposto da via europeia, que aposta em esmifrar as classes médias, chamar investimento com impostos baixos para os mais abonados e compensar as perdas com o enfraquecimento do papel social e económico do Estado.
É com este aumento de receita, que representa uma revolução para a equidade fiscal nos EUA, e com uma redução da despesa militar (o fim da missão no Iraque e a retirada do Afeganistão ajudam) que Obama pretende aumentar o investimento na reconstrução de estradas e pontes e em novos equipamentos.
A missão do presidente não será fácil. Para além da resistência republicana e dos preconceitos de muitos americanos, que, graças à propaganda de ultras e do império do senhor Murdoch, aceitaram e aplaudiram, durante décadas, a proteção fiscal dos mais ricos, terá de vencer os mais poderosos lóbis dos EUA, a começar pelo complexo industrial militar. A campanha já começou, com alguma imprensa a acusar Obama de eleitoralismo. Já se sabe que quando uma medida é difícil para os fracos é corajosa, quando é difícil para os fortes é populista.
Na recessão pós-1929 foram os americanos que deram a receita para sair da crise. Esta mesma: investimento público para estimular a economia. Às vezes, deitar dinheiro no problema resulta. No passado resultou. E não vale a pena dizer que, com as economias emergentes à perna, este caminho é impossível. Devo recordar que sem a abundância dos mercado europeu e americano as economias emergentes submergirão num ápice. Não por acaso, chineses, brasileiros e indianos olham com preocupação para o desvario europeu. É que a pequenez da senhora Merkel não está a pôr apenas a Europa em perigo. É a economia global que sofrerá com esta absurda austeridade.Esperemos que Obama tenha coragem e cumpra. E esperemos que a Europa tenha inteligência e aprenda.