Segunda-feira, 14 de Maio de 2012

O empreendedorismo liberta * (-por Sérgio Lavos)

       Ainda pairava no ar a bestialidade proferida por Pedro Passos Coelho (reiterada no dia seguinte) e já a conversa do costume se multiplicava por todo o lado. Mas que diabo, o primeiro-ministro apenas disse o que deveria ser evidente: um Estado que não só não consegue criar condições às empresas para contratarem mais gente e que, ainda por cima, consegue produzir todos os dias centenas de novos desempregados - em consequência da austeridade além do memorando - é um Estado que desistiu de garantir que a economia funcione. Portanto, a Passos Coelho apenas resta realizar as exéquias do Estado e servir como conselheiro laboral ao milhão de desempregados, é isso?  

 ...

     Como mostra o quadro publicado neste post de João Vasco, Portugal é quarto país da OCDE em percentagem de "empreendedores", o maravilhoso termo de newspeak que define as pessoas que trabalham por contra própria. 23,5% da população. À nossa frente, surpreendentemente, não estão os EUA. Nem qualquer outro país que seja exemplo do "empreendedorismo". Estão o México, a Turquia e, extraordinário, a Grécia. Os países mais pobres, os que não conseguem garantir empregos à população, seja directamente no Estado seja através de estimulos à economia. No fundo, são os países com maiores desigualdades que lideram este ranking

     O disparate torna-se perigoso sabendo-se que, neste momento, os bancos, apesar da promessa de recapitalização por parte do Governo, não estão dispostos a financiar a economia privada. E em tempo de crise, começar um negócio pode ser meio caminho andado para um ainda maior endividamento de quem já está no desemprego e a passar por sérias dificuldades financeiras. 

     As declarações de Passos Coelho são vergonhosas, sim. Sobretudo porque o seu percurso profissional - carreira partidária desde os tempos da JSD, licenciatura aos 37 anos, emprego garantido nas empresas do padrinho Ângelo Correia - é uma afronta para as centenas de milhar que trabalharam uma vida inteira e agora se vêem atirados para o desespero do desemprego. Mas são também perigosas - incentivar os desempregados ao risco do investimento em pleno período de contracção económica. E são a evidência de uma de duas possibilidades: ou Passos Coelho e o Governo PSD/CDS vivem completamente alheados da realidade, das pessoas que os elegeram e do país que era suposto governarem; ou sabem muito bem o que se passa, qual o resultado da sua louca demanda austeritária, mas não vão parar, cegos por uma ideologia neoliberal sem histórico de aplicação prática (Vítor Gaspar dixit). Dê por onde der, o país parece ter perdido.

   (*- por analogia com o slogan nazi nos campos de extermínio: «o trabalho liberta» ? )

 --------

     Muito prosaicamente, acho que o Jota às vezes não as pensa de todo. Com a mesma facilidade com que diz aos portugueses "vão-se embora, emigrem que vão ver que é engraçado", também lhes diz "parem com o parasitismo de assalariados, meros trabalhadores por conta doutrém, e tornem-se empreendedores."

    Outro que está a precisar que um esperto lhe escreva um livrinho com o título:  "Como explicar o empreendedorismo às crianças". E é assim, sem mais nem menos, como beber um copo de água?

    Refiro apenas um caso que conheço muito de perto:

    a empresa onde ele trabalhava faliu, e, tal como a mulher, ficou também no desemprego.

    Depois foi o percurso a que já nos vamos habituando:

    vendem-se os anéis, passa-se fome, pedem-se umas esmolas à família, e por último entraram no mais absoluto desespero.

    E foi então, que hipotecaram a casa e pediram ao banco dinheiro para um "empreendorismo".

    Ao fim de poucos meses foram à falência, porque não tinham quaisquer conhecimentos de gestão, e nem um nem outro eram donos da mais leve sombra de "perfil empreendedor", o que exige para além do mais, como é óbvio, um talento específico com o qual a mãe natureza não dota a maior parte de nós, condenados que estamos à dependência de um patrão e de um salário. 

    O casamento acabou, ele anda por terras de Angola, e ela ficou com dívidas que não consegue pagar, mesmo fazendo, como faz todos os dias a partir das seis horas da manhã, trabalhos que a maior parte dos imigrantes já se recusa a fazer.  

 

-----------

  "laDrang:  ...  Porque esquecem  o cooperativismo?   Ou sofrem de fobia à criação de Cooperativas de produção (e de consumo, de serviços, ...)?

      Tem de divulgar-se mais António Sérgio,  para compreender bem  a força do dinamismo  económico e  de desenvolvimento social do movimento  cooperativo (recomendo: CASES e o boletim cooperativista comentado, ligações, informações práticas, ...).  

      Compreende-se o receio dos neocapitalistas em ver os trabalhadores organizados  provarem que têm a mesma capacidade de inovação e de produção que qualquer empresa privada dirigida por um gurú ao serviço da alta finança.



Publicado por Xa2 às 13:24 | link do post | comentar

7 comentários:
De .vá p.pqp... a 16 de Maio de 2012 às 13:20
--- ...
Mas, se por outro lado o mercado estivesse bem, provavelmente preferia ter continuado o meu percurso normal.

Ou seja, não vejo o meu autoemprego como uma oportunidade, mas sim como uma fuga à falta de direitos que tinha.

----- "Pirralha...eu?"

Por falar de conselhos e família, já houve alguém que até foi presidente do conselho e tinha as suas conversas em família na RTP.

Agora, os assessores da Troika fazem-nas através de episódios diários nos vários canais, com destaque para o Grande Irmão Miguel relVasconcelos…
Cristina

---------- José Pires
Passos Coelho foi modesto, como é, aliás, de seu timbre.
Ele e o governo dele não estão apenas, como modestamente afirma, a oferecer-nos, através do desemprego, uma oportunidade para mudar de vida.

Estar desempregado não é ter uma oportunidade para mudar de vida. Estar desempregado É mudar de vida.

É abandonar esse hábito burguês de ter 3 refeições diárias, mantendo, quando muito uma
(a não ser que as escolas, contra a opinião da Dra. Helena Matos, continuem a dar o pequeno almoço aos petizes, numa inadmissível interferência do Estado na formação deles);

é deixar de poder pagar a escola dos filhos e contribuir para o combate ao excesso de doutores e de engenheiros, assegurando o regresso ao bom velho hábito de “eu só tenho a 4.ª classe mas sei de cor o nome dos rios e as linhas de caminho de ferro”;

é deixar de pagar os empréstimos do carro e da casa (ou a renda da casa, conforme aplicável) e poder enfim despojar-se de bens materiais supérfluos;

é, por último, poder concretizar o sonho de uma vida ao ar livre, na almejada condição de sem abrigo.

Tudo isto está Passos Coelho a proporcionar-nos. Não sejamos, por isso, ingratos.
Na próxima eleição permitamos, também, a Passos Coelho a concretização de uma mudança de vida nos termos expostos.
Há, é certo, escolhos nesse caminho, já que, provavelmente, existirá sempre um lugarzito nas empresas de Ângelo Correia.
Mas dêmos-lhe, ao menos, a oportunidade.

------- Pisca
Uma continha ao acaso:

800 mil desempregados a correr para a Empresa na Hora, cada Unipessoal custa 360.euros, fora mais uns poses
Dinheirito a entrar nos cofres: 288 Milhões

Fora o que vem atrás
Depois de falidas ainda vai ser necessário pagar mais
Não é um boa ideia ??

-------- Zuruspa
Mais uma resposta do fundamentalista religioso dos mercados. Daniel, näo vale a pena gastares argumentos válidos com fanáticos, eles näo ouvem.
Nem perguntar como fez o outro economista, que o sector privado näo é assim täo mais eficiente que o público (a realidade é que o sector privado só é marginalmente mais eficiente que o sector público local que lhe serve de bitola, e por isso o sector privado português é menos eficiente que o sector público escandinavo).

Os fanáticos querem que a realidade se molde às suas crenças. Säo capazes de tudo, até de dizer que a Grande Depressäo foi causada por haver "Estado a mais na economia", quando o que aconteceu foi que só quando o Estado re-entrou, e muito bem, na economia a Grande Depressäo foi ultrapassada.

Ah, mas que interessa a realidade para os talibans do mercado?


De .. a 16 de Maio de 2012 às 16:59
------Daniel Oliveira
É extraordinário como, tendo acontecido o que aconteceu nos últimos anos na Europa,
a tese de que reduzindo o Estado o sector privado floresce ainda faz o seu caminho.
Como ainda não se aprendeu com a Grande Recessão e não se percebeu que a economia não é uma balança entre Estado e Privados.
Pelo contrário: em momentos recessivos a redução de investimento privado tem de ser compensada pelo investimento público para conseguir inverter a situação.

Fica um pedido:
dê-me um exemplo em que a redução do Estado na economia tenha resultado num crescimento económico baseado nas actividades produtivas (esqueça os casos das bolhas financeiras, como a Irlanda e a Islândia, que sabemos bem para onde nos levam).

--------- Um leitor
seria também importante deixarmos de olhar para a américa e países escandinavos como coisas que nos são muito estranhas, ou como cosias idílicas e puras de "empreendedorismo" e o raio que o parta,
e começar a pensar no porquê de sermos como somos e de termos o país que temos.
isto implicará mais do que simples divisões ideológicas esquerda/direita e terá de ser feito por nós porque está visto que o passos coelho não percebe muito do assunto.

É que o outro país que está à nossa frente no auto-emprego, segundo a ocde, é o méxico - talvez não por acaso um país com tantas questões mal resolvidas, da emigração ao narcotráfico.
posto isto,
acrescente-se que Portugal continua a ter outra questão endémica por compreender/resolver:
a qualificação entre os trabalhadores portugueses é, em média, superior à qualificação dos nossos patrões
- o que na prática significa que são muitos dos nossos patrões (, e uso o termo sem raiva ou qualquer sentido pejorativo associado,) quem na prática não está tão preparado quanto se desejaria para os desafios da economia actual.

isto é certamente reflexo de um país que trabalhou, e a meu ver bem,
na procura de uma nova geração mais bem formada. mas que, claramente, não a tem conseguido integrar devidamente
- e não tem a ver com cultura de risco, se eu tivesse dinheiro arriscava mil coisas, mas o tempo que vou demorar a juntá-lo, por mais horas que trabalhe, só lá para 2030 (e estou a ser positivo) é que vai dar para arriscar alguma coisita.

o discurso da crise pela crise não pode servir de explicação para tudo.

temos uma classe média ferida - e é a classe média que sustenta boa parte do mercado de consumo e boa parte da estabilidade democrática -
e pelo meio estamos a aceitar cada vez mais divisões sociais,
sendo que perdemos no nosso horizonte a ideia de um bem-estar comum como objectivo colectivo.

passos coelho é um idiota irrelevante, é tipo ignorante, mais um fenómeno de alguém que cresceu na nossa política sem ponta de mérito ou o mínimo interesse em dedicar-se à causa pública.

precisamos de nós próprios, mais capazes, mais seguros, mais confiantes e, acima de tudo mais lúcidos e conscientes do desafio,
e precisamos de tudo isto quanto precisamos de dinheiro.
posto todo este testamento, pergunto-lhe,
- é assim tão mau o que o DO faz: esclarecer quão palerma é PPC?

é que perceber isso é um dos primeiros passos para outro tipo de alternativas políticas (e não falamos de simples ideologias), feitas por quem efectivamente esteja interessado em conhecer Portugal e os portugueses.
E dava jeito que fosse rápido.
Enquanto o PPC dá conselhos idiotas, há mais um par de jovens portugueses bem formados e com vontade de trabalhar, a fugir do país
- e este número cresce de tal maneira que nem sabemos quantos já partiram e quantos estão de partida.
E como não o hão-de fazer?
Com esta mentalidade do nosso tonto líder, com esta total ignorância sobre o nosso próprio país, que é que PPC tem para nos dar para além daquilo que não controla (como o sol bonito ou uma gastronomia agradável).
Precisamos de mais.
Não resolve tudo: mas menos PPC é um bom caminho - nem que seja alguém sentar-se com o senhor e dizer-lhe, pshh, cala-te e 'tá quieto!, que há aqui quem queira fazer algo.

-------MetroidSamus

Vá, 'bora todos fazer multinacionais.
E quem não conseguir nem merece viver.


De Austeridade é + Desigualdade a 16 de Maio de 2012 às 17:33
Pobres gestores


No país onde os trabalhadores vão ser obrigados a dar mais quatro dias de trabalho à borla porque está à beira do colpaso económico,
é o que dizem os governantes,
os gestores das empresas cotadas na bolsa ganharam mais 5,3% em 2011. (e) os salários dos trabalhadores das vinte maiores empresas nacionais (do PSI20) caíram 11% em 2011.
Ou seja:
a austeridade aumenta a desigualdade.
Esse aumento também é da natureza deste tipo de austeridade.


Querem melhor definição de filho da puta?
(OJumento)


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