Terça-feira, 4 de Dezembro de 2012

      Dinheiros  públicos,  vícios  privados

     Tomem meia hora do vosso tempo e façam uma viagem ao mundo tenebroso das relações entre o Estado e os interesses privados em educação. A reportagem ontem transmitida pela TVI incide sobre os colégios do Grupo GPS e ilustra bem as suas lógicas de promiscuidade, perversão e tráfico de influências neste jogo de relações (como o João José Cardoso, por exemplo, tem vindo a seguir, no Aventar).

     Envolvendo ex-governantes e deputados, a reportagem mostra como a administração estatal é colonizada por estes interesses, em prejuízo da escola pública, do Orçamento de Estado e da própria educação, através de decisões da tutela favoráveis à abertura desnecessária de novos colégios, das limitações impostas pelas direcções regionais à criação de novas turmas nos estabelecimentos de ensino públicos (para as abrir nos privados ali ao lado), ou das inspecções realizadas com aviso prévio, que suscitam as maiores suspeitas quanto ao seu rigor e isenção.
     Mais há mais: a reportagem ilustra também a pressão, humilhação, medo e intimidação a que são sujeitos os docentes do ensino privado, seja no sentido de os coagir a assinar contratos ilegais em termos de horários e funções (com a sintomática complacência do presidente da Associação de Estabelecimentos de Ensino Privado, Rodrigo Queiroz de Melo), seja no sentido de os obrigar a alterar classificações dos alunos para salvaguardar a posição dos ditos colégios nos rankings escolares (quando não é a própria administração destes estabelecimentos a alterar, convenientemente, essas mesmas classificações). Ou a exclusão, pura e simples, dos alunos (mais fracos ou) com necessidades educativas especiais.
     A reportagem da TVI dedica-se ao Grupo GPS. Mas ela é bem elucidativa do campo fértil de perversões, distorções e traficâncias que se abre sempre que se entende que um serviço público pode ser prestado por privados. A permeabilidade a interesses alheios à causa pública e o défice de escrutínio, já aqui o dissemos, são uma lógica intrínseca a este tipo de escolhas. É disto que se trata quando o governo nos vem falar da concessão a privados de estabelecimentos de ensino público e é aqui que residem as verdadeiras gorduras do Estado, não só intocadas como em claro risco de expansão, à pala do «ir ao pote».
     (E até que ponto o lançar da discussão sobre as propinas no ensino básico e secundário... não é "atirar o barro à parede" e/ou uma "cortina de fumo" para esconder do debate/repulsa geral a concessão a privados da gestão das escolas e depois a sua privatização...). 


Publicado por Xa2 às 21:22 | link do post | comentar

10 comentários:
De .. a 4 de Dezembro de 2012 às 22:47

A má educação
(-por Miguel Cardina, Arrastão)

A entrevista dada por Pedro Passos Coelho à TVI esta quarta-feira teve algumas novidades. Talvez a mais significativa tenha sido a declaração de que o corte de 4 mil milhões a anunciar em Fevereiro será quase exclusivamente dirigido às “prestações sociais”; e que a Educação será um dos seus alvos preferenciais desta "redução da despesa". Para quem tinha dúvidas, começou a levantar-se o pano sobre o que quererá dizer na prática a “refundação do Estado social”.Para os adeptos caseiros da "doutrina do choque", está na hora de “aproveitar a crise”: foi esta reveladora expressão que o primeiro-ministro deixou escapar nos momentos finais da conversa.

As palavras de Passos Coelho foram claras quanto à vontade de perverter o carácter público da educação. Evocando a Constituição, referiu a diferença entre a saúde e a educação e notou que nesta última existe “margem de liberdade” para introduzir um sistema de financiamento “mais repartido” entre os cidadãos e o Estado. Abre-se assim a porta ao pagamento de propinas no ensino público secundário. Constitucionalistas da área do PSD, como Costa Andrade e Pedro Bacelar Gouveia, já vieram observar que a obrigatoriedade da frequência do secundário não lhes parece ferida com este ataque à gratuitidade. Jorge Miranda discorda e diz que uma e outra estão necessariamente relacionadas. Estão abertas as hostilidades.

Convém introduzir aqui com um parêntesis para dizer duas coisas óbvias. A primeira: atualmente, em Portugal, a educação até ao 12.º ano já não é gratuita. Basta perguntar às famílias quanto gastam em transportes, manuais escolares e outros materiais indispensáveis ao longo do ano. Ou ouvirmos as notícias sobre crianças que frequentam a escola com fome e que aí não usufruem de uma refeição gratuita, como num país decente aconteceria. A segunda:o argumento que estaríamos a cortar na despesa/Estado social ao invés de estarmos a aumentar a receita/impostos não colhe neste caso. A introdução de uma propina seria na verdade a introdução de um novo imposto, neste caso com efeitos muito negativos na qualidade do ensino e na coesão social. Dito isto, avancemos.

No concreto, ainda não ficámos a conhecer quais serão os planos do governo. Mas sabemos que, caso a intenção genérica avance, ela significará um ataque sem precedentes à Escola pública, gratuita e de qualidade. Em primeiro lugar, a introdução de propinas desincentivará a frequência do ensino secundário, num país que tem ainda elevados índices de abandono escolar. Segundo o último relatório da OCDE, apenas 52% dos jovens portugueses com idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos terminou o ensino secundário. Se a isto juntarmos o aumento da pobreza e da percepção que a escola não dá um futuro, temos um quadro muito pouco auspicioso.

Em segundo lugar, um sistema de co-pagamentos – porventura mesclado com algumas bolsas ou isenções - reforçará as escolas privadas. Rasurada a gratuitidade, o campo de negócio das escolas privadas – grande parte delas vivendo hoje à conta de “contratos de associação” ilegítimos – expande-se fortemente e parecerá plausível a algumas fatias sociais o discurso sobre a “liberdade de escolha”. Se pagamos nesta escola pública, porque não ir para aquela escola privada? Retirando do ensino público famílias com maior capital económico e simbólico, abrandará fortemente um dos factores de pressão para que este se mantenha de qualidade. O resultado será uma sociedade menos escolarizada, mais estratificada e com mais desigualdades de raiz.

Se as palavras de Passos Coelho foram claras, elas parecem ter já causado incómodo. Nuno Crato afirmou ontem que o carácter gratuito do ensino obrigatório não estará em causa; o secretário de Estado João Casanova de Almeida disse algo diferente: que “ainda é cedo para discutir a matéria”. O Diário de Notícias fala hoje de outros cenários que poderão estar em cima da mesa: reforço dos contratos de associação, cheques-ensino, concessão de escolas públicas a privados. Qualquer uma destas soluções mostra bem que o plano do governo passa por estender os espaços de negócio no ensino e atacar a sua universalidade.
...


De .. a 4 de Dezembro de 2012 às 22:50

A má educação
por Miguel Cardina
...
... cenários que poderão estar em cima da mesa:
reforço dos contratos de associação, cheques-ensino, concessão de escolas públicas a privados.

Qualquer uma destas soluções mostra bem que o plano do governo passa por estender os espaços de negócio no ensino e atacar a sua universalidade. Como Nuno Serra bem identificou há uns tempos atrás, encolher, degradar e dualizar são os desígnios do governo para a área. Foi agora dado um passo em frente. Saibamos responder à altura.

Publicado no esquerda.net


De .Fome nos estudantes e nas famílias. a 11 de Dezembro de 2012 às 09:26
CONFISSÃO DE UM PROFESSOR…

15 Nov.2012

A POBREZA ENVERGONHADA … PODE ESTAR AO NOSSO LADO !

“Ontem, uma mãe lavada em lágrimas veio ter comigo à porta da escola. Que não tinha um tostão em casa, ela e o marido estão desempregados e, até ao fim do mês, tem 2 litros de leite e meia dúzia de batatas para dar aos dois filhos.
Acontece que o mais velho é meu aluno. Anda no 7º ano, tem 12 anos mas, pela estrutura física, dir-se-ia que não tem mais de 10.
Como é óbvio, fiquei chocado. Ainda lhe disse que não sou o Diretor de Turma do miúdo e que não podia fazer nada, a não ser alertar quem de direito, mas ela também não queria nada a não ser desabafar.

De vez em quando, dão-lhe dois ou três pães na padaria lá da beira, que ela distribui conforme pode para que os miúdos não vão de estômago vazio para a escola.
Quando está completamente desesperada, como nos últimos dias, ganha coragem e recorre à instituição daqui da vila – oferecem refeições quentes aos mais necessitados.
De resto, não conta a ninguém a situação em que vive, nem mesmo aos vizinhos, porque tem vergonha.
Se existe pobreza envergonhada, aqui está ela em toda a sua plenitude.
Sabe que pode contar com a escola.
Os miúdos têm ambos Escalão A, porque o desemprego já se prolonga há mais de um ano (quem quer duas pessoas com 45 anos de idade e habilitações ao nível da 4ª classe?).
Dão-lhes o pequeno-almoço na escola e dão-lhes o almoço e o lanche.
O pior é à noite e sobretudo ao fim-de-semana.
Quantas vezes aquelas duas crianças foram para a cama com meio copo de leite no estômago, misturado com sal das suas lágrimas…
Sem saber o que dizer, segurei-a pela mão e meti-lhe 10 euros no bolso. Começou por recusar, mas aceitou emocionada.

Despediu-se a chorar, dizendo que tinha vindo ter comigo apenas por causa da mensagem que eu enviara na caderneta.
Onde eu dizia, de forma dura, que «o seu educando não está minimamente concentrado nas aulas e, não raras vezes, deita a cabeça no tampo da mesma como se estivesse a dormir». Aí, já não respondi. Senti-me culpado.
Muito culpado por nunca ter reparado nesta situação dramática.
Mas com 8 turmas e quase 200 alunos, como podia ter reparado?

É este o Portugal de sucesso dos nossos governantes.
É este o Portugal dos nossos filhos. Circular esta mensagem pelos amigos e conhecidos, comentar, barafustar, são ações que nada poderão fazer para repor os valores deste país. É necessário fazer mais…
Não há meios para isso?
Com certeza que sim! ”
REFLITAM E ATUEM !”


Este texto foi recebido por mail e circula na redes sociais.
Por retratar uma realidade que também me tem chegado, quer pessoalmente, quer por mail, resolvi partilhar aqui este apelo dramático de uma
realidade que alastra na nossa sociedade.

Esta é uma realidade que se estende ao ensino superior onde muitos jovens resistem, não desistindo de tentar obter o grau académico pelo qual sonharam.


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