De Ana Benavente a 17 de Dezembro de 2012 às 14:03

[MIC, 16-12-2012]
O nosso entrevistado de hoje é Ana Benavente, militante anti-fascista, ex-deputada e ex-secretária de estado, actualmente activista e dirigente da IAC e cidadã a tempo inteiro.

O que pensa do exercício da cidadania.

É um exercício fundamental que não se esgota no voto. Sem organizações cívicas, movimentos, associações e outros modos de organização social e cultural, sem iniciativas cidadãs, as democracias formais ficam entregues ao jogo partidário e vão “secando”. O afastamento entre eleitores e eleitos é uma marca duma democracia representativa pouco participada. Qualquer análise política, sociológica ou histórica comprometida com os problemas do nosso tempo (G. Agamben) sobre as sociedades actuais sublinha a importância da organização do que alguns designam como “sociedade civil”. É imperativo democratizarmos a democracia – o que pode parecer um slogan mas não é. Com efeito, todos os dias nos confrontamos com sinais de uma democracia doente, maltratada, divorciada dos cidadãos que, por sua vez, se sentem desapontados e abusados. Filósofos como C. Fleury há muito põem em evidência as “patologias” das democracias e uma delas é o fraco exercício da cidadania pois a democracia tem que reformular, rever, melhorar os seus mecanismos. Numa frase popular, “parar é morrer” e uma democracia sem dinâmicas fortes de cidadania pode morrer.

O que entende pelo poder dos cidadãos.

“Eu sozinho não sou nada, juntos temos o mundo na mão”. Mas sozinho tenho também a minha concepção do mundo e da vida, o modo como desempenho a minha profissão. Quando não sabemos porque fazemos o que fazemos estamos a concretizar projectos alheios, não tenho qualquer dúvida. É por isso que o conhecimento é fundamental (não é assim, Paulo Freire?) para agir com plena cidadania. Os cidadãos têm, quando unidos e com objectivos claros, TODO O PODER. Ousar lutar, ousar vencer. Divididos, virados uns contra os outros, perdemos o nosso poder e tornamo-nos presas fáceis de poderes às vezes visíveis e às vezes mais invisíveis. Refiro-me aqui às Goldman Sachs do mundo actual e dos interesses financeiros que, a pretexto da “globalização” dominam as ecnomias reais, as instituições políticas e, através desse domínio, manipulam e escravizam os cidadãos. É o que estamos a viver em Portugal e noutros países da Europa e do mundo. A consciência do poder dos cidadãos é a arma mais poderosa contra a opressão. É quando pensamos que “nada ou pouco podemos” que damos a vitória aos adversários/inimigos.

O que pensa sobre movimentos de cidadãos, com ou sem fins eleitorais.

Sempre fui e sou uma activista, pois todo o meu percurso de vida e de trabalho, tudo o que estudei e aprendi me mostrou e mostra, cada vez mais, a importância dos movimentos de cidadãos. E não vejo porque não poderão movimentos organizados ter fins eleitorais. Sabemos que as máquinas partidárias, sobretudo nos grandes partidos, vão ficando prisioneiras de interesses vários. Uns ilegais e outros mais ou menos legais mas, para mim, todos negativos do ponto de vista democrático, pois vão agregando quem vive da política e afastando todos aqueles que, tendo diversas profissões, poderiam dar importantes contributos ao exercício da democracia. Os orgãos de poder e de representação estão actualmente dominados por gente de “carreira” política e isso é um sinal preocupante para a democracia.

O que entende sobre democracia participativa.

A resposta mais simples seria “todo o contrário do que actualmente vivemos”.

Claro que há na sociedade portuguesa iniciativas como a Iniciativa por uma Auditoria Cidadã (auditoriacidada.info), movimentos como o Movimento dos Sem Emprego, ou do 12 de Março ou do 15 de Setembro, associações como a Umar, o Não Apaguem a Memória e muitos outros, locais, regionais e nacionais/internacionais. A própria Universidade tem visto surgir, para além de iniciativas sindicais, movimentos traduzidos em diversos Manifestos (de um dos quais, Movimento para um Mundo Melhor, sou fundadora com outros quatro colegas de várias Universidades do país). A recente constituição da APRe!, de que sou associada, mostra-nos, igualmente, que a democracia ainda está viva. Vivemos um período não apenas de tensões mas de CONFLITO. Conflit...


De Ana Benavente a 17 de Dezembro de 2012 às 14:05
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Conflito entre os governantes que entendem a democracia como uma carta em branco entregue pelo povo para governarem contra o povo e os cidadãos que não entendem democracia sem diálogo político, sem negociação constante, sem Estado democrático que, tal como consta na nossa Constituição, assegura a todos direitos que não podem ser unilateralmente anulados. A nossa salvação só pode vir de mais participação, mais activa e decidida. Uma democracia representativa limitada aos orgãos de poder, sem a participação cidadã, é uma democracia sem alma. Um dia acordamos e já nem é democracia. Vendeu-se e vendeu-nos.

O que pensa da possibilidade de candidaturas independentes à Assembleia da República, e sobre a modificação da lei que o permita.

Podem ser positivas ou não. Para mim, mais do que candidaturas independentes – não sei bem o que quer dizer “independente”- considero urgente a democratização da vida interna dos partidos, a sua abertura aos cidadãos, a prestação de contas e até, porque não, o aparecimento de novos partidos ou movimentos com fins eleitorais se os actuais partidos se mantiverem burocratizados, fechados, investidos por pequenos e grandes interesses, divorciados, de facto – apesar de alguns discursos – da vida cidadã e dos problemas reais das pessoas, das sociedades e do mundo. O multipartidarimo é fundamental em democracia mas a existência de mais movimentos organizados só reforça a democracia, acorda as consciências, dá esperança aos cidadãos.

Qual a sua opinião sobre o Orçamento de Estado para 2013, e qual deve ser o papel do Presidente da República na apreciação do mesmo.

”Obvio, meu caro Watson” que não acredito na acção deste Presidente da República. Foi primeiro ministro durante 10 anos, escolheu receber a reforma e não o seu vencimento como Presidente. É um Presidente cujo silêncio e modo de agir me ofende todos os dias. Se devia vetar o orçamento para 2013? Claro que devia, mas não acredito que o faça.

O orçamento para 2013, na sua versão aprovada na AR, é um orçamento criminoso que empobrece a grande maioria dos portugueses e, em particular, os mais vulneráveis e os mais fracos. É um orçamento de retrocesso a um passado de grandes desigualdades e de ignorância. É um orçamento de um governo de direita que brutaliza a democracia e contraria as nossas leis fundamentais. Deixámos, com eles, de ser pessoas para passarmos a ser “recursos” e fragmentos do capital, dispensáveis e substitíveis. É um orçamento de bárbaros.

É um orçamento ao serviço da grande finança. É um orçamento que merece uma luta sem tréguas. Quando soube que os pais que têm filhos deficientes profundos tinham perdido direito ao magro subsídio estatal que recebiam, tive vergonha. Quando se penalizam desempregados aumentando, ao mesmo tempo, o tempo de trabalho para outros, quando se anunciam economias à custa da educação básica e obrigatória, estamos diante de questões civilazacionais, questões maiores que não podem ser entendidas como “um mau momento a passar”. NÃO. Este orçamento é uma peça de uma estratégia nacional e europeia para uma sociedade e um mundo em que não quero viver. É a democracia que está em causa. Já não se trata do acessório mas sim do fundamental: direitos e deveres, participação democrática, liberdade e igualdade, dignidade para todos. É isso que está em causa.

Pensa que algum dia será possível um esforço conjunto das forças de esquerda, nomeadamente dos partidos com assento parlamentar, BE, PCP, PS e movimentos de cidadãos unirem-se numa estratégia de desenvolvimento e aprofundamento da democracia no nosso País, melhor dizendo, pôr Portugal no comboio da frente do desenvolvimento esquecendo as querelas partidárias.

Não sei se será possível. Se considero importante? Considero fundamental. Não diria “esquecer” o que diferencia uns dos outros, diria antes que se trataria de encontrar o que une e não o que separa.

Tem sido um exercício difícil, senão impossível, quando foi tentado.

Aqui e ali, ...


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