Reviver o passado em Reiquiavique (-por Daniel Oliveira)
A
direita que levou a Islândia à maior crise financeira que todo o mundo alguma vez conheceu num país, pelo menos nos últimos cem anos,
venceu, para espanto de muitos,
as eleições. Há um ano, quando lá fui fazer uma reportagem para o EXPRESSO, esperavam-se as eleições presidenciais, o
julgamento do ex-primeiro-ministroe muitos suspeitavam que seria este o resultado eleitoral nas legislativas seguintes. Eu próprio fiquei convencido disso. O Presidente, um dos poucos políticos respeitados na Islândia, foi reeleito, o ex-primeiro-ministro foi absolvido e a direita voltou ao poder.
Porque tem tão pesada derrota um governo (independente-esquerda) que consegue conter, depois de uma hecatombe financeira, o desemprego próximo dos 7%, consegue que a economia cresça acima da média europeia, consegue que o FMI já se tenha ido embora e deixa, no essencial, o poderoso Estado Social islandês intacto? Porque apesar de tudo isto nos parecer extraordinário, não lhes parece a eles? Porque não estavam preparados para viver esta crise e porque esperavam muito mais deste governo, depois de, pela primeira vez na sua história recente, se terem realmente mobilizado por uma mudança. As coisas não pioraram como podiam ter piorado, é verdade. Não pioraram como aqui (em Portugal). Mas não mudaram no fundamental. Porque vivem na Islândia e não aqui, os islandeses não terão a consciência do que teria sido a crise se tivesse sido outro o caminho. Mas sabem o que poderia ter sido a mudança se o governo tivesse acompanhado o sentimento social saído da "revolução das frigideiras". Ou pode dar-se o caso das pessoas estarem de tal forma frustradas com esta crise que não haja resposta política possível para esta ansiedade e decepção.
"O anterior governo caiu por causa de nós e isso deu-nos a sensação de ter poder. Reconheço tudo: que podíamos estar muito pior, que há julgamentos, que, ao contrário de outros, não usámos o dinheiro dos contribuintes para salvar bancos. Mas julgávamos que isto ia muitíssimo mais longe." Foi isto que uma das pessoas com quem falei me explicou para dizer porque era impopular este governo e porque não conseguia animar tanta gente afundada em dívidas aos bancos. O escritor Einar Már apontou o principal erro do governo de esquerda:
"Quando os sindicatos americanos exigiram mais a Roosevelt, ele respondeu: rapazes, eu não posso fazer isso por vocês, mas vocês podem obrigar-me a fazê-lo. O nosso governo disse o contrário: vão para casa, não nos perturbem."
Deixo aqui, na íntegra (e sem os cortes ...), a reportagem que então publiquei na revista do EXPRESSO. É jornalismo, sem qualquer opinião. Talvez a dimensão do texto não seja a ideal para publicar online, mas pode ajudar a compreender as razões deste resultado num país que, quando lá estive, não vivia em festa, mas em ressaca.
A minha estada na Islândia, assim como este resultado eleitoral que, como podem ver na reportagem, apesar de me entristecer não me surpreende muito, não muda a opinião que formei sobre os caminhos acertados que a Islândia seguiu. Apenas confirma que os processos políticos de ruptura não dependem exclusivamente de soluções de poder. Precisam de ser acompanhados por um processo social e têm de ser tão mobilizadores que contrariem a enorme desconfiança que as pessoas sentem hoje em relação à política. Uma reflexão para a esquerda. Sendo certa uma coisa: a direita pode ter ganho, mas a Islândia não deixa, depois de ter feito algumas opções que nem os que agora regressam ao poder se atrevem a contestar, de estar bem melhor do que Portugal, Irlanda ou Grécia. Segue a reportagem de Maio de 2012. (Ler reportagem)
As alianças
(-por Daniel Oliveira, 2/5/2013)
"O que ficou por esclarecer [no discurso de António José Seguro no XIX Congresso do PS] é
com “quem” estará disponível para fazer alianças;
porque o PS não se pode aliar a qualquer um, como se todos os partidos fossem ideologicamente iguais, ou como se já não existisse “esquerda” e “direita”.
Preocupa-me que haja dentro do Partido Socialista quem aceite a hipótese de coligações com qualquer dos partidos da direita portuguesa (como se o propósito do PS fosse, quase em exclusivo, a conquista e consequente manutenção do poder),
que defendem um ideal de sociedade oposto àquele pelo qual os socialistas sempre lutaram. (...)
Mas além de razões ideológicas são sobretudo razões de ordem democrática que devem fundamentar a recusa do Partido Socialista de promover qualquer frentismo centrista –
a nossa democracia perderá força se os dois maiores partidos governarem, juntos, Portugal."
Pedro Nuno Santos, deputado do partido Socialista
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Américo Gonçalves disse...
Defendo de há muito uma grande coligação do Centro e das Esquerdas, á imagem da Frente Popular de León Blum, que nasceu em circunstâncias muito parecidas.
Mas de um ponto de vista realista, estamos cada dia mais longe de uma FP.
O voto contra do PS ás propostas do PCP (que aliás, nem custava nada, visto o chumbo ser garantido), o frequente piscar de olho ao CDS, dizem que Seguro aspira a ser o que chamo de "Troika porreira", estilo Hollande. E claro, vai-lhe correr muito mal.
A despeito de uma mão cheia de corajosos no PS, é para aqui que isto vai.
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Anónimo disse...
Estive a ler a Declaração de Principios e o 1º Programa do PS - o que foi impresso em Setembro de 1973.
Faz doer o coração ver o que era então o PS e o que é hoje.
Se o PS fosse ainda o mesmo, estou em crer que não estariamos a passar por este esmagamento infame.
Bem sei que os tempos são outros.
Porém, a verdade é que a luta de classes ao contrário do que alguns auto proclamados bem pensantes têm defendido continua bem acesa e de boa saúde com a direita a ganhar em toda a linha. Até Warren Bufet o disse.
De facto, a direita retrogada, revanchista e fascizante, personalizada em Portugal pelo CDS e o PSD, hoje capitaneados por Paulo Portas, Passos Coelho e Cavaco Silva, tem memória e nunca esquece,
razão pela qual a coberto do maldito memorando da troika há-de esmagar este país e por todos de joelhos.
Ninguém, escapará.
Por isso apesar de socialista não consigo entender como é que o PS alguma vez pode dar o seu acordo á austeridade infame
que está a acabar com o país e com a classe média - se é que ela ainda existe.
O PS tem de bater definitivamente com a porta e abandonar de vez estes bandidos do CDS e do PSD e mesmo da UE.
De facto, o que é nos interessa estar na UE se o preço é o nosso brutal e irremediável esmagamento e a escravatura com os Alemães por donos.!?
Nenhuma aliança, pois, do PS com os partidos fascizantes - CDS e PSD e, se preciso, em nome de Portugal e do seu povo, rompimento com a UE alemã e consequentemente, rompimento com esta maldita austeridade que nos indigna e subjuga.
Faça o PS uma declaração destas ou semelhante e logo ele se descolará do PSD nas sondagense á velocidade da luz.
Alguém do PS que leia, por ex, o livro de Jacques Genereux "Nós podemos" e verá se há ou não alternativas a esta miséria.
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Cláudio Teixeira disse...
E quem for socialista consequente não poderá aceitar que o PS tenha aprovado o chamado pacto orçamental, o do 0,5% de défice "estrutural", ainda por cima ouvindo António José Seguro vangloriar-se de tal feito - "fomos os primeiros!
Como se poderá defender o Estado Social, nessas condições?
Sim, de facto quão longe se está da 1ª declaração de princípios!
E,já agora, alguém tem ouvido a INTERNACIONAL SOCIALISTA dizer alguma coisa relevante sobre a crise?
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Islândia, Itália, Portugal e o suicídio da esquerda possibilista
[Francisco Louçã, esquerda.net, 04-05-2013]
Os resultados da Islândia podem surpreender muita gente. Mas não surpreendem pelo menos quem avisou contra a imprudência da austeridade como mal menor, dos discursos sobre austeridade inteligente ou de outras trapaças. E são uma lição para todos. Uma lição dura.
O partido social-democrata e o dos verdes formavam um governo de coligação. Ambos os partidos foram varridos do mapa por uma punição eleitoral que só tem precedentes na derrota dos partidos das direitas que tinham conduzido ao escândalo bancário – e que agora voltam ao poder. A direita recupera assim graças à conjugação de dois efeitos: os governantes insistiam numa adesão à União Europeia que foi vista pela população como uma ameaça e um risco insuportável e a austeridade desacreditou os que prometeram um governo para as pessoas. Estes dois efeitos dão que pensar. São uma lição dura.
Em primeiro lugar, são uma lição para o europeísmo obediente. A União Europeia assusta e repele, porque é a agência da austeridade e do desemprego. O caso de Chipre provou, como antes os da Grécia,Irlanda, Portugal, Espanha e Itália, que a direção europeia é perigosa e reincidente. Os islandeses tiveram medo desta gente e preferiram a demagogia dos nacionalistas, mesmo que fossem os nacionalistas da trafulhice financeira de que todos ainda se lembram.
Em segundo lugar, são uma lição para os que achavam que, na emergência, o mal menor leva a algum lado. Leva, de facto: leva à recuperação da direita. Os que há um par de anos, em enfática pose de sentido de Estado, aconselhavam as esquerdas a seguir o caminho moderado dos social-democratas e dos verdes, a apoiarem a coligação porque não havia outra,a juntarem as suas preces para que a austeridade desse certo, não se enganaram só a si próprios, enganar-se-ão sempre enquanto defenderem que a austeridade é a melhor solução contra a austeridade.
Ainda me lembro dos artigos pomposos contra o crime de lesa-majestade do Luís Fazenda, que tinha reunido com o ministro das finanças da Islândia e concluído sem dificuldade que o governo ia destroçar-se: pois não é que ele é um sectário, não compreende a dificuldade, não está disposto ao belo sacrifício, escreveram os conversos da austeridade. Mais ainda, aquela prometedora aliança devia ser um exemplo para todos, é assim que se conjugam vontades, escreviam os conversos, hoje remetidos a um prudente silêncio. Aqui temos a dura lição: a política de direita abre sempre o caminho à direita.
Mas, em terceiro lugar, o fracasso deste governo suscita uma questão mais vasta de estratégia. Para a colocar com simplicidade: porque é que a esquerda possibilista é tão estúpida que acha que repetir sempre o que falha sempre vai permitir alguma vez um resultado diferente? Falhou na Itália. Havia um governo de coligação que era o melhor que se conseguia, diziam. Temos que o apoiar mesmo sabendo que pode ser o nosso suicídio, acrescentava um teórico. Foi mesmo. Não sobrou nada da esquerda e Berlusconi ganhou a seguir. Na Islândia era a nova oportunidade e o mesmo argumento: o governo de coligação era o melhor que se conseguia. Resultou: a direita ganhou. A lição dura é esta: nunca se ganha quando se faz tudo para perder. Aceitar a austeridade contra o trabalho é merecer perder sempre.
Por isso, a lição de todas as lições serve para Portugal. O problema de Portugal não é imitar a Itália ou a Islândia e as suas coligações que são sempre apresentadas como o menor dos males e a única alternativa. António José Seguro, que assegura que cumprirá os “compromissos” porque “a austeridade é diferente da política de austeridade”, assume uma posição que é o seguro de vida da direita, pois qualquer governo que prossiga este programa só pode devolver o poder à direita – se é que não é logo uma coligação com a direita.
Por isso, aos que cultivam a beleza do suicídio literário como uma afirmação de política, aos que acham que o irrealismo de apoiar a austeridade é um dever de consciência justificado pela falta de vontade de lutar por alternativas, respondo simplesmente: aprendamos com a Islândia.
O que determina a força e a coerência de um governo ...
De cedência ao centrão e demagogia direita a 8 de Maio de 2013 às 18:24
Islândia, Itália, Portugal e o suicídio da esquerda possibilista
[Francisco Louçã, esquerda.net, 04-05-2013]
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O que determina a força e a coerência de um governo não é a cor de quem pode vir a estar nele, é simplesmente o que vai fazer, o compromisso que tem com o seu povo, a sua capacidade de rejeitar o memorando e a austeridade e de impor uma economia para os bens comuns da democracia. O que faz a política é a política. Uma coligação miserável de cedências financeiras e de políticas de desemprego nunca será um governo de esquerda. Será, como na Islândia, uma antecâmara da direita. Mas, para isso, não se atrevam a falar-nos de esquerda e de caminhos realistas quando é preciso esquerda e caminhos realistas.
Como se afundou a Islândia
Como se de um romance se tratasse, em "Meltdown Iceland", Roger Boyes (Bloomsbury, 2009) conta-nos a história da ascensão meteórica e queda da Islândia.
Essa história está intimamente ligada à do primeiro-ministro que mais tempo esteve em funções (de 1991 a 2004): David Oddsson.
Em 1984, aquando de um debate televisivo com a participação de Milton Friedman, Oddsson teve uma revelação divina: a modernidade passava pelas políticas de Reagan e Thatcher.
Nos anos 80, a Islândia era uma sociedade socialista que investia fortemente na saúde e na educação,
a taxa de mortalidade infantil era das mais baixas do mundo, bem como o número de habitantes por médico,
o nível educacional era dos mais elevados do planeta e o mercado de trabalho andava próximo do pleno emprego.
Estavam criadas as condições para que uma nova geração mais ambiciosa desse início a uma festa rija ao som do trio:
Friedman, Thatcher e Reagan.
Assim que chega ao poder, Oddsson privatiza tudo o que pode.
Quem tinha dinheiro e estava no sítio certo na hora certa, independentemente de ser incompetente ou charlatão, partia com um avanço esmagador e dominador num horizonte de décadas.
Estávamos em 1991.
Formam-se logo nessa altura as primeiras MÁFIAS económicas e os primeiros MONOPÓLIOS perversos, graças à ausência de critérios para as privatizações.
Uma política de ESTADO MÍNIMO avessa a intervir no sector privado e a DESREGULAÇÃO radical dos mercados transformou a Islândia da noite para o dia.
Em pouco tempo, o objectivo principal de pescadores e agricultores era apostar nos mercados sobre o sucesso ou falhanço da sua própria produção.
Os objectivos das actividades em si passaram para um plano secundário.
A banca expandiu-se para lá da ilha, contraindo dívida atrás de dívida, compravam-se lojas de luxo em Londres, cadeias de supermercados na Dinamarca e instituições financeiras na Holanda.
Os jovens licenciados em gestão tinham emprego imediato na banca, onde começavam a receber avultados bónus ao fim de pouco mais de um mês de trabalho.
A Islândia era uma ilha resplandecente banhada por um mar de rosas.
A Islândia maravilhava Harvard, o país crescia cerca de 7% ao ano, a Moody's mantinha a notação do país sempre lá em cima, os banqueiros liam a Arte da Guerra de Sun Tzu tomando-se por guerreiros vikings dos tempos modernos e mais importante que tudo
os reguladores dormiam com os banqueiros
- Oddsson foi governador do Banco da Islândia a partir de 2004.
Os três principais bancos islandeses endividaram-se cerca de 8 vezes o PIB da Islândia, muito para lá da capacidade de resposta do Banco da Islândia.
Quando os credores britânicos pediram o seu dinheiro de volta, orgulhosa e arrogantemente o governo islandês do partido de Oddsson respondeu que só garantia os depósitos dos islandeses.
Ironicamente, o governo britânico accionou de imediato uma lei anti-terrorismo aprovada a pensar nos movimentos financeiros da Al-Qaeda, para congelar todos os bens da banca islandesa no Reino Unido.
Abriu-se o alçapão e a Islândia mergulhou no vazio.
A política anti-União Europeia, a aposta numa moeda nacional sem dimensão para jogar no mercado global (vários artigos especializados alertaram a Islândia para esse risco) deixou a Islândia isolada no meio do Atlântico,
Reagan, Thatcher ou Friedman já tinham saído de cena, sem aliados, sem estruturas económicas a quem pedir auxílio, a Islândia bateu no fundo.
Nas últimas páginas, Roger Boyes descreve um país em vésperas das eleições de 2009, em estado de choque, com uma dívida per capita de 400 milhões de dólares, ou seja cada família comportava uma dívida média de 1,6 mil milhões de dólares.
Boyes descreve um zombie económico a viver de esmolas da Rússia, à mercê da caridade de banqueiros russos manhosos.
Lê-se no cartaz:
David (Oddsson = ) Bin Laden.
Islândia e Singapura no ranking de transparência
No ranking de percepção da corrupção da Transparency International divulgado recentemente, países como Singapura, Irlanda, Barbados, Qatar e Islândia aparecem muito bem classificados, até ao vigésimo lugar.
Ando a ler "Meltdown Iceland" de Roger Boyes que descreve a sucessão de acontecimentos que levaram ao descalabro financeiro da Islândia.
A Islândia em 2008 era de longe um dos países da Europa cujo sistema financeiro era menos transparente, onde clãs e MÁFIAS familiares controlavam os principais fluxos de dinheiro do país.
No entanto, ao contrário de outras crises a componente ideológica, em particular o thatcherismo doentio do ex-primeiro ministro David Oddsson, teve um contributo importante para se atingir a bancarrota.
Dois anos depois a Islândia mudou de governo mas as elites, embora falidas, são basicamente as mesmas.
Não imagino como é que um país que era tão CORRUPTO e opaco em Outubro de 2008 possa estar de volta ao topo da transparência, acho mesmo obsceno.
Em relação a Singapura só o dogmatismo ideológico pode explicar esta classificação.
Um país não democrático controlado por uma máfia familiar é tão transparente como um Airbus 380 pintado de rosa-choque.
Também só a fé no Deus Mercado explica as posições da Irlanda e do Qatar, que passam cada um pela sua versão da crise islandesa,
e a dos Barbados, onde repousa e circula dinheiro de alguns dos maiores criminosos do mundo.
Enquanto os reguladores continuarem fascinados com os regulados não vamos a lado nenhum.
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