A Constituição consagra, na competência das associações sindicais (art. 56º, n.os 3 e 4), para cumprir o desiderato fundamental de defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem, o direito de contratação colectiva. Este é, pois, «um direito, de natureza colectiva, dos trabalhadores, em cuja representação agem as associações sindicais. (…) Em sede constitucional, porém, tal direito não é reconhecido a mais nenhuma outra categoria ou entidade.» (JOSÉ BARROS MOURA, A convenção colectiva entre as fontes de direito do trabalho, Coimbra, 1984, p. 230).
De facto, o direito de contratação colectiva, enquanto direito dos trabalhadores «significa, designadamente, o direito de regularem colectivamente as relações de trabalho com os empregadores ou as suas associações representativas, substituindo o fraco poder contratual do trabalhador individual pelo poder colectivo organizado do sindicato.» (J.J. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, CRP anotada, p. 744).
A possibilidade de adesão individual, prevista no Código do Trabalho, é atentatória dos direitos das associações sindicais e dos seus associados. Desnecessária porque a lei já previa, e continua a prever, o mecanismo de extensão dos convenções colectivas e decisões arbitrais, que permitem alargar o âmbito originário da convenção a trabalhadores e a empregadores, em relação aos quais não se verifica o princípio da dupla filiação, especialmente os trabalhadores sem filiação sindical.
Se dúvidas se levantaram quanto à violação do direito de contratação colectiva quando a intervenção administrativa (através de portarias de regulamentação do trabalho, regulamento de condições mínimas, portarias de extensão e regulamentos de extensão) é feita «à revelia e contra as associações sindicais competentes (cfr. Cód. Trab., artigo 575.º, que utiliza expressões ambíguas: «a emissão de regulamento de extensão só é possível estando em causa circunstâncias económicas e sociais que a justificam»» (J.J. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, CRP anotada, p. 745), mais flagrantemente se colocam quando esta possibilidade é dada ao trabalhador individualmente considerado.
Esta norma é atentatória dos direitos das associações sindicais e dos associados porque considera, erradamente, que o trabalhador e a entidade patronal estão no mesmo plano de igualdade na relação de trabalho, ignorando que o trabalhador está subordinado à entidade patronal e na sua dependência económica. É que, afirmando com a Conselheira Maria Fernanda Palma, no Acórdão n.º 306/2003, a natureza do direito à contratação colectiva como direito fundamental dos trabalhadores é expressão do Estado Social e não pura decorrência da autonomia privada.
«Enquanto direito dos trabalhadores e não, obviamente, dos empregadores, o direito à contratação colectiva não pode ser encarado no mesmo plano que a liberdade negocial dos empregadores. Se é um direito dos trabalhadores, não pode ter exactamente o mesmo conteúdo que a autonomia privada reconhecida a todos os cidadãos e que a Constituição nem explicita como direito específico.
O direito à contratação colectiva só é um direito específico e um direito fundamental enquanto, no seu conteúdo mínimo, atinja três fins: compensação do desequilíbrio negocial entre os trabalhadores e os empregadores (modo de realização da igualdade material); especial vinculatividade contra uma eventual ausência de vontade negocial dos empregadores e alternativas negociais desequilibradas (ao nível do contrato individual de trabalho); papel de fonte de Direito do Trabalho, que afasta normas legais não imperativas menos favoráveis para os trabalhadores (no plano infra¬constitucional, a consagração do favor laboratoris antecedeu a própria Constituição de 1976, tendo sido concretizada pelo artigo 13.º, n.o 1, do Decreto Lei n.o 49 408, de 21 de Novembro de 1969).»
Sendo análogos à situação em análise os argumentos então aduzidos de que: «Se, porém, as convenções colectivas de trabalho passam a ser pura expressão da autonomia privada, mas sem especial vinculatividade (nomeadamente em termos de sobrevigência) nem condicionamento pelo favor laboratoris, então chega-se a uma situação em que as portarias de extensão ou de regulamentação de condições mínimas de trabalho alteram a hierarquia das fontes normativas sem que nada o autorize (visto que deixa de ser considerado argumento decisivo para a derrogação do artigo 112.o, n.o 6, o direito dos trabalhadores consagrado no artigo 56.o, n.os 3 e 4, da Constituição).»
Acresce que ao permitir que o trabalhador, que voluntariamente optou por não ser sindicalizado, adira a uma convenção colectiva ou decisão arbitral em substituição da sua filiação no sindicato outorgante, constitui um mecanismo que pode incentivar a não filiação sindical e a desfiliação sindical.
«Sendo a actividade sindical e a contratação colectiva suportada somente pelos trabalhadores sindicalizados, merece protecção constitucional o seu interesse em reservar para si as regalias que não sejam obrigatoriamente uniformes, sob pena de premiar o fenómeno do «free rider», ou seja, os trabalhadores que tiram proveito da acção colectiva, sem nela se envolverem e se suportarem os respectivos encargos». (J.J. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, ob.cit., p. 748)
A sobrevigência e caducidade das convenções colectivas
A dimensão colectiva da relação de trabalho tem vindo reiterada e sucessivamente a ser enfraquecida através do enfraquecimento da convenção colectiva enquanto instrumento de progresso social. De facto, foi através da contratação colectiva que os trabalhadores conquistaram um significativo acervo de direitos (como é o caso da limitação da jornada de trabalho).
No entanto, ao contrário do que seria expectável, o legislador determina a «morte» das convenções colectivas que contenham tal disposição, verificados os pressupostos aí previstos.
A partir dos avisos sobre a data da cessação da vigência de convenções colectivas publicadas até ao presente, na esmagadora maioria dos casos, para não dizer a totalidade, à publicação do referido aviso não se seguiu a celebração de nova convenção colectiva, originando a criação de um vazio contratual, vazio este que constitui uma verdadeira negação/violação da obrigação constitucional que impende sobre a lei de garantir o exercício do direito de contratação colectiva, que assiste às associações sindicais. (artigo 56.º, n.os 3 e 4 da Constituição).
Mas leis sucessivas, à revelia da Constituição, reconhecem às associações de empregadores o direito de fazerem caducar as convenções colectivas e o direito de não negociarem/celebrarem convenções colectivas. A este respeito, pode ler-se no Acórdão n.o 306/2003 do Tribunal Constitucional que este regime: «representaria uma ingerência estadual na autonomia colectiva em domínios em que o legislador ordinário, de acordo com o alcance constitucional do direito à contratação colectiva, reconhecera a legitimidade desta contratação, ingerência essa traduzida na expulsão do sistema jurídico de produtos negociais reconhecidos como fontes de direito, só porque os sujeitos interessados não os alteraram ou substituíram, isto é, uma caducidade imposta pelo legislador quando no sentido da cessação de efeitos da convenção não se manifesta nenhuma vontade colectiva comum. Noutra perspectiva e ainda neste sentido, poderia argumentar-se que a Constituição incumbe a lei de “garantir” o exercício do direito de contratação colectiva (direito que a mesma Constituição só consagra de forma expressa como integrando a competência das associações sindicais, não existindo norma similar à do artigo 56.º, n.o 3, para as associações de empregadores), visto como um direito colectivo dos trabalhadores, essencial à afirmação do Estado Social; ora, essa “garantia” implica uma actuação positiva do legislador no sentido de fomentar a contratação colectiva, alargar ao máximo o seu âmbito de protecção, manter a contratação vigente e evitar o alastramento de vazios de regulamentação. Nesta perspectiva, surgiria como inadequada, porque desproporcionada e inidónea a alcançar eficazmente aqueles objectivos, uma solução legislativa, como a constante da norma questionada, que facilita a cessação de efeitos das convenções vigentes, mesmo quando estão ainda em curso negociações entre as partes ou a decorrer a conciliação ou a mediação, isto é, que impõe a caducidade sem que ambas as partes nisso acordem e antes de esgotadas as possibilidades de aprovação de nova convenção.
Assim sendo, não pode o legislador criar mecanismos que, como acima se referiu, apenas permitem e fomentam o vazio contratual e a desprotecção social dos trabalhadores, através da destruição das convenções colectivas, em violação do artigo 56.o n.os 3 e 4 da CRP.» Cumpre ainda transcrever algumas das afirmações da Conselheira Maria Fernanda Palma: «a caducidade das convenções colectivas de trabalho prevista pelo artigo 557.º, n.os 2, 3 e 4 do “Código do Trabalho”, permite um vazio de regulamentação que atinge sobretudo as medidas protectoras dos trabalhadores e desequilibra a posição destes perante os empregadores na negociação de convenções de trabalho. Na verdade, os trabalhadores são constrangidos a negociar novas convenções e a aceitar, eventualmente, cláusulas menos favoráveis, na medida em que se perfila como alternativa a caducidade das convenções anteriores e um eventual vazio de regulamentação ou as condições mínimas previstas na lei. Por outro lado, creio que é contraditório invocar a autonomia privada para pôr fim a um princípio com a relevância do favor laboratoris e, simultaneamente, desconsiderar aquela autonomia e não admitir sequer que as partes que negoceiam uma convenção colectiva de trabalho pretendam fazê-la valer por um período alargado de anos ou mesmo sem limitação temporal. O sentido do direito à contratação colectiva como direito fundamental fica, assim, desvirtuado, operando-se uma mutação funcional de conceitos valorativos que pressupõe, aqui como no ponto anterior, uma revisão pela lei ordinária da “Constituição laboral”.»
O que os sucessivos governos PS, PSD e CDS têm vindo a fazer é debilitar as associações sindicais, nomeadamente através do enfraquecimento de direitos constitucionalmente protegidos. «(…) uma coisa é promover a contratação colectiva; outra, diametralmente oposta, é anular os resultados já conseguidos nas convenções colectivas existentes. A solução da caducidade, desde logo, desrespeita o longo e difícil percurso da autonomia colectiva entre nós. (…) A promoção da contratação. Salvo melhor opinião, exige mesmo uma orientação oposta.» (JOÃO REIS, Questões Laborais, n.o 22, Coimbra, 2003, p. 181)
«A, pelo menos aparente, total insensibilidade do Código ao problema que venho designando com a expressão «angústia do dia seguinte» – que se traduz no seu inquietante silêncio sobre o estatuto dos trabalhadores nos dias subsequentes aos da caducidade das convenções que lhes são aplicáveis (…) não contraria nenhum princípio constitucional?» (JORGE LEITE, Questões Laborais, n.o 22, Coimbra, 2003, p. 250).