Permanecer no euro é o suicídio da nação
Portugal será então um país simpático e (ainda mais) barato para os reformados da Europa rica
[Jorge Bateira, ionline.pt, 19-09-2013]
Por estes dias, já muitos portugueses perderam as ilusões quanto à mudança que acreditavam poder acontecer na Europa após as eleições alemãs. O embaixador da Alemanha em Lisboa não podia ser mais claro:
“De todos os modos, teremos sempre no governo um leque de partidos pró-europeus e apoiantes dos programas de assistência, como o que está em curso em Portugal”
(“Jornal de Negócios”, 16 Set. 2013).
À medida que nos aproximamos de mais uma ronda de negociações com a troika, torna-se evidente que o essencial da austeridade não é negociável.
Salta à vista que, pelo menos no caso da Comissão Europeia e do BCE, a troika está determinada a
impor uma reconfiguração do Estado social para que este deixe de ser o eixo de uma sociedade que aspira a níveis mais elevados de justiça social.
O princípio neoliberal da “livre escolha”, na saúde e na educação, é agora abertamente defendido pelo governo e os países onde esta matriz ideológica alcançou o poder são apontados como os bons exemplos que deveríamos seguir.
De facto, a chamada “assistência financeira” ao país não visa colmatar um problema temporário de tesouraria.
Tendo constatado os sintomas de um impasse no modelo de desenvolvimento do país, sobretudo desde que se integrou na UEM (défice externo persistente, acumulação da dívida externa, desindustrialização, desemprego elevado),
o Memorando impôs-nos uma mudança inspirada nos princípios do Consenso de Washington e no ordoliberalismo alemão.
Ao contrário das anteriores ajudas do FMI, esta intervenção da troika atropela a Constituição da República Portuguesa porque
condiciona o financiamento à consagração de um modelo social e político de matriz neoliberal
que, na sua institucionalização, viola princípios constitucionais basilares.
Ou seja, do ponto de vista do eixo Berlim-Frankfurt, Portugal ainda pode ser um caso de sucesso. Apenas precisa de colocar na Constituição o Tratado Orçamental para impedir políticas orçamentais contracíclicas,
reconverter o Estado social num pobre Estado para pobres,
destruir a classe média e os mecanismos de ascensão social que a mantêm,
reduzir ainda mais 30% aos salários do sector privado (excluindo gestores e administradores),
fazer da emigração uma válvula de escape das tensões sociais e, sobretudo,
impregnar a sociedade portuguesa de uma sensação difusa, misto de culpabilidade e inevitabilidade.
Quando tivermos chegado aí, a economia entrará numa estagnação duradoura, alternando pequenas recessões com períodos de crescimento sem criação de emprego.
Portugal será então um país simpático e (ainda mais) barato para os reformados da Europa rica.
Não terá dinheiro para manter as infra-estruturas públicas em todo o país, mas cuidará das zonas de acolhimento dos turistas, como se faz em Cuba.
Se continuarmos à espera dos resultados das eleições alemãs, ou das que virão a seguir para o Parlamento Europeu, é este o futuro que nos espera.
Um futuro que trai miseravelmente o esforço de sangue, suor e lágrimas das gerações que nos precederam
e tornaram Portugal uma comunidade, um Estado-nação com uma cultura de que nos orgulhamos e que enriqueceu a Europa e o mundo.
Após décadas de ditadura, o país ainda anda à procura do seu modelo de desenvolvimento, talvez mesmo da sua identidade, possivelmente a de ser um elo de confiança entre a Europa e outros continentes, mas é um país profundamente solidário.
Apesar de traído pelas suas elites, europeístas a qualquer preço, talvez Portugal ainda encontre energia para recusar tornar-se numa Detroit do extremo ocidental da Europa.
Talvez sejamos capazes de recusar o estatuto de autarquia local europeia que nos preparam, um território empobrecido e sem instrumentos relevantes de política económica.
Talvez sejamos capazes de construir uma alternativa política que nos devolva a esperança.
Talvez.
(-*Economista, co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas )
FMI defende "limite de velocidade" à austeridade
Técnicos do Fundo reconhecem, em relatório, que a instituição estava errada em muitas das suas políticas.
[SÉRGIO ANÍBAL, publico.pt, 19-09-2013]
Uma equipa de técnicos do Fundo Monetário Internacional, liderada pelo economista-chefe Olivier Blanchard, defende, num relatório tornado público esta terça-feira, que as políticas defendidas pela instituição ao nível orçamental mostraram, desde o início da crise financeira em 2008, estar erradas em muitos pontos essenciais.
Ao contrário do que era norma antes da crise, o Fundo diz agora que as medidas de austeridade devem ser aplicadas de forma progressiva, com cuidado, para não provocarem um efeito contraproducente na economia, tendo em conta problemas como a desigualdade e contando com a ajuda dos bancos centrais através da compra de obrigações.
Um dos principais pontos em destaque é qual a carga de austeridade que deve ser imposta num país que tenha como objectivo a consolidação das suas contas públicas. Em linha com outros estudos que já vinham publicando nos últimos meses, os técnicos do FMI arrasam a ideia – até aqui central nas políticas do Fundo em programas de países como Portugal – de que pode haver "consolidações orçamentais expansionistas", ou seja, que, ao corrigir défices excessivos, um Governo poderia estar a ajudar a economia, já que aumentaria a confiança dos agentes económicos.
Os técnicos do FMI dizem agora que "os mais famosos episódios de contracções expansionistas na Europa nos anos 80 e 90 foram criados mais pela procura externa do que interna" e que "não parece que efeitos de confiança tenham desempenhado um papel importante nesta crise".
O relatório volta a assinalar que os multiplicadores na política orçamental (os efeitos que os orçamentos têm na economia) são, numa fase de crise como a actual, com as taxas de juro dos bancos centrais já a zero, bastante mais elevados do que aquilo que era inicialmente pensado.
Este facto leva, por um lado, à conclusão de que, quando a crise financeira colocou as economias em recessão, foi positiva a criação de estímulos orçamentais em muitos países. Por outro lado, a "escolha de uma velocidade apropriada do ajustamento tem de pesar os custos (efeitos negativos no crescimento a curto prazo) contra os benefícios (redução do risco soberano)".
É por isso que, no relatório, os técnicos do FMI abandonam a ideia de que uma consolidação deve ser feita de forma rápida e com a austeridade a centrar-se na fase inicial do ajustamento [frontloading]". "Um frontloading excessivo pode prejudicar o crescimento a um ponto que ponha em causa a coesão social e política, enfraquecendo, em vez de reforçar, a confiança dos mercados", diz o relatório, defendendo que a consolidação orçamental seja feita de forma mais progressiva.
Para países como Portugal, que estão sob pressão dos mercados ou que perderam mesmo o acesso aos mercados, o FMI diz que "poderá não haver muita escolha" e que uma austeridade mais rápida pode ser inevitável. Ainda assim, diz que, mesmo para estes países, "há 'limites de velocidade' que devem ser levados em conta para cumprir o desejado ritmo de ajustamento".
Em relação ao tipo de medidas que devem ser usadas nos processos de consolidação, os técnicos do FMI dizem que, antes da crise, os cortes de despesa eram vistos como mais adequados do que os aumentos de receita. No entanto, agora, declaram que não há conclusões definitivas sobre qual o tipo de medida com mais impacto e afirmam que "novos estudos sugerem que grandes consolidações baseadas na despesa tendem a aumentar as desigualdades e que essa maior desigualdade pode ameaçar o crescimento". Por isso, concluem, "aumentos de receita podem ser uma componente importante dos pacotes de consolidação".
O Fundo assume também mudanças nas políticas consideradas adequadas em questões como a intervenção dos bancos centrais ao comprar dívida pública e a utilidade, na zona euro, de um mecanismo de partilha de risco entre os países, como os eurobonds.
O relatório, intitulado Reassessing the Role and Modalities of Fiscal Policy in Advanced Economies, foi apresentado ao conselho executivo do FMI no passado mês de Julho. Este órgão reuniu-se de forma informal para o es
«Assim se ganha dinheiro !», ou uma breve ilustração da economia capitalista moderna.
(-por Jorge Valadas, 17/9/2013, http://viasfacto.blogspot.pt/ )
Num documento do Fundo Monetário Internacional (citado numa edição recente de Le Monde Diplomatique) pode ler-se que,
aproximadamente 93% dos ganhos do «crescimento» observados nos Estados Unidos durante a recente tímida retoma económica foram distribuídos pelos 1% dos mais ricos.
Os tais 1% popularizados pelo movimento Occupy Wall Street, confirmando a tendência segundo a qual, quanto mais «crescimento» há, mais a pobreza alastra e mais a riqueza se concentra.
O empobrecimento de massa das sociedades, a acentuada baixa dos custos de trabalho são, para a classe capitalista, os parâmetros essenciais no processo actual.
Não obstante, os resultados obtidos não parecem ser suficientes para restabelecer a rentabilidade necessária e o investimento produtivo estagna ou continua a baixar,
entrando assim a economia capitalista num processo prolongado de morte lenta, durante o qual as forças capitalistas, tais abutres, desmembram e partilham os melhores restos do doente.
De facto, o que dá hoje pelo nome de «retoma» mais não é que a retoma da especulação e da concentração financeira.
E o sistema de produção continua a não dar sinais que permitam perspectivar um novo ciclo dinâmico de acumulação e de expansão da produção.
Se o «crescimento» não se traduz num alargamento da base de produção, se os lucros gigantescos não se reinvestem em novo capital produtivo, então é o sistema que está a minar a sua própria essência capitalista.
Os frágeis sinais que os funcionários da propaganda avançam como prova da iminente retoma são rezas de padre destinadas a animar o cortejo dos pobres.
Um exemplo ridículo desta propaganda foi dado, o mês passado, em França, quando uns observadores mais zelosos das estatísticas revelaram que
os 0,2% de «crescimento» do PIB anunciado com música e foguetório correspondia ao aumento do consumo da energia durante os primeiros meses de uma Primavera fria a chuvosa, que tinha obrigado os cidadãos a ligar os aquecedores domésticos.
Assim vai a mentira da economia, assim vão os seus economistas.
Alguém conhece ou ouviu falar de uma empresa chamada Hipoges ?
Criada em Madrid, por um tal Juan Vizcaíno, formado na famigerada Lehman Brothers, esta mercearia especializa-se na «gestão de activos tóxicos».
Nada a ver com Fukushima! Trata-se de negócios de abutres, justamente.
Os negócios da crise, a compra de tudo o que esta à venda ao desbarato, palácios e edifícios do Estado e municípios, parques naturais, bens públicos,
alojamentos expropriados ou ocupados por quem, de repente, não pode pagar alugueres ou créditos.
Pois não é que o senhor Vizcaíno acaba de abrir uma sucursal em Lisboa, onde os activos tóxicos também abundam e os políticos são complacentes com estas negociatas?
Estamos a falar de um mundo de gente fria, sem sentimentos, motivada pela possibilidade de «fazer dinheiro» com a miséria do mundo.
Esta excelente reportagem do El Pais, dá-nos a conhecer esta bicharada, agentes do capitalismo predador contemporâneo.
Como diz um deles com cinismo, «Assim se ganha dinheiro!». Ou melhor, a crise é a boa oportunidade.
Chama-se a isto em português «estar entregue aos bichos»!
¿Quién compra España? España está en venta.
e Portugal também !
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