Quarta-feira, 25 de Setembro de 2013

Democracia: directa, indirecta e semi-directa (alguns exemplos)*

     Num sistema de democracia indireta (ou democracia representativa), os cidadãos elegem representantes, os quais serão responsáveis pela tomada de decisões em seu nome. Este é o processo mais comum de tomada de decisão nos governos democráticos, e por isto é também chamado de "mandato político".

     Já em regime de democracia direta, os cidadãos não delegam o seu poder de decisão. As decisões são tomadas através de assembleias gerais (ou por escolha individual de opções/propostas). Se por acaso precisam de um representante, este só recebe os poderes que a assembleia quiser dar-lhe, os quais podem ser revogados a qualquer momento. Assim, na democracia direta, o poder do representante se assemelha ao que é conferido por um "mandato comercial".

     Democracia direta pura, como tal, não existe em nenhum país moderno a nível nacional. Existe hoje em dia apenas para decisões de caráter estritamente local em alguns cantões da Suíça e na cidade sueca de Vallentuna.

             Argumentos a favor da democracia direta

   Além do crescente desencanto com os políticos profissionais (e dos 'lobistas'), na democracia representativa a opinião do Povo só é consultada uma vez a cada quatro anos. E após serem eleitos, os políticos podem agir praticamente como bem entenderem, até a próxima eleição.

   Essa separação em castas de governantes e governados faz com que os políticos estejam mais atentos às suas próprias vontades e vontades de outros poderes que não aquele que emana da eleição popular, como por exemplo o econômico. O político ocupa uma posição que foi criada pela delegação de um poder que não lhe pertence de facto, mas apenas de direito. Entretanto, ele age como se o poder delegado fosse dele, e não do eleitor. Isso torna sua vontade suscetível a todo tipo de fisiologismo e negociata das quais ele possa extrair mais poder, seja em forma de aliados políticos ou em forma de capital.

     O fim da casta de políticos tornaria o jogo político-social mais intenso, com discussões verdadeiramente produtivas mobilizando a sociedade, pois atribuiria ao voto um valor inestimável, uma vez que pela vontade do povo questões de interesse próprio seriam decididas (imaginem o fervor que surgiria nas semanas que antecederiam uma votação a favor ou contra o aumento do salário mínimo, ou para cortes na previdência pública).

     Os instrumentos de democracia semidireta, como são entendidos atualmente, resultam não só de construções políticos-processuais. Ultrapassam as limitações formais ou os institutos como o plebiscito e referendo, ou os aspectos materiais que se prendem às formas de sua execução - na realidade decisões democráticas podem ser obtidas seja pelo medieval sistema de levantar mãos suíço, ou pela mais atualizada técnica eletrônica digital - mas exigem, como pressuposto para poder se realizar, uma formação social consistente, em toda sua complexidade, que aja como um mecanismo indutor e controlador, criando meios de freios e contrapesos, de accountabillity, nessa forma democrática de exercício da cidadania, fora do tripé dos três Poderes constituídos.

    O deputado federal Aécio Neves, que criou uma comissão parlamentar para estudar esse assunto, declarou:  "Quando assumi o compromisso de criá-la, ainda como candidato à Presidência da Câmara, guiava-me por um mandamento não-escrito e só ignorado pelo autoritários: ...   aprisionada em suas rotinas e divorciada da vontade popular, a representação parlamentar serve ao esvaziamento da política, à descrença em seus atores e, por decorrência, ao enfraquecimento da democracia (GARCIA, 2001, p. 15).

       Argumentos contra a democracia direta

--- argumento do «o poder é para os especialistas»:    a maior objeção contra a democracia direta é de que o público em geral teria posições fracas demais para julgar ações apropriadas para o governo. O público não seria tão interessado ou informado como os representantes eleitos. A maioria da população teria apenas um conhecimento superficial dos acontecimentos políticos. Em um referendo, questões que costumam ser complexas e tem como alternativas de voto apenas um “sim” ou “não”, os votantes poderiam escolher políticas incoerentes: por exemplo, a maioria poderia votar a favor de uma severa redução de impostos, e depois essa mesma votaria a favor de um grande aumento de orçamento para a educação pública, sem a consciência dos problemas econômicos que isso acarretaria.    Na Suíça, que tem mais de um século de experiência no uso de plebiscitos e referendos, esse problema foi resolvido fazendo consultas que permitem múltiplas respostas, e não apenas "sim" ou "não".

--- argumento do «complicado e caro»:    outro argumento muito utilizado pelos opositores da democracia direta seria o de que as decisões por referendo seriam lentas e muito caras; por quase um século isso serviu para justificar por que esse sistema funciona bem na Suíça, mas não poderia funcionar num país de dimensões continentais. Com as modernas tecnologias eletrônicas de comunicação e de informação esse argumento perdeu muito de sua substância; além de implicar nos estabelecimento de um "preço" para o aperfeiçoamento democrático.

--- argumento do «o poder é para os poucos»:    também se acredita que a democracia direta funcione bem apenas em pequenas populações. Comunidades maiores seriam complexas demais para a democracia direta funcionar com eficiência.

--- argumento do «a maioria é burra»:    também se alega que a democracia direta pode causar a "tirania da maioria", ou seja, a maior parte da população poderia suprimir direitos de uma minoria. Por exemplo: um povo em que a maioria das pessoas são racistas poderia decidir pelo extermínio de uma minoria racial. Para reduzir a probabilidade disto acontecer alguns defendem a “democracia semidireta”, tal como a que vigora na Suíça desde o final do século XIX, em que algumas leis fundamentais (cláusulas pétreas) jamais poderão ser mudadas, o que protege as minorias de uma eventual decisão tirana imposta pela maioria.

--- argumento do «perigo totalitário»:    alega-se que há o risco dos plebiscitos e referendos serem usados de maneira perversa (como ocorreu em Portugal em 1933), prestando-se a sancionar um regime totalitário (Salazar). A adoção de modernas salvaguardas constitucionais adequadas impede que isso possa ocorrer.

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              Democracia semidireta na Suíça

    Na Suíça, a maioria simples é suficiente nas cidades e estados (chamados cantões ou semicantões). Já ao nível nacional (Confederação Helvética, a Suiça), podem ser necessárias "maiorias duplas", cuja intenção seria de confirmação de qualquer lei criada por um cidadão.   Maiorias duplas são, primeiramente, a aprovação pela maioria dos votantes e, depois, a maioria dos estados em que a votação teria sido aprovada. Uma lei criada por um cidadão não pode ser aprovada se a maioria das pessoas a aprova, mas não a maioria dos estados. A maioria dupla foi instituída em 1890, copiando-se o modelo vigente no congresso americano, onde os deputados votam representando as pessoas e os senadores, os estados. Aparentemente este método tem sido muito bem sucedido desde 1890.

      Na Suíça o Povo tem (mesmo) a última palavra sobre questões essenciais, num sistema chamado de democracia semidireta. Além do Parlamento, os cidadãos comuns podem participar da elaboração da Constituição e das leis. E os suíços não se abstêm de o fazer. Na Suíça, ao contrário da maioria dos países onde há plebiscitos, não compete ao Governo nem ao Parlamento a decisão de submeter qualquer matéria à decisão popular, mas sim a seu Povo.   Pelo menos quatro vezes por ano os cidadãos suíços recebem um envelope da Confederação Suíça, de seu Cantão ou de sua Comuna e são convocados a opinar sobre assuntos específicos.    Ao contrário das democracias representativas puras, os eleitores suíços podem se manifestar amiúde, se constituindo assim na instância política suprema, e não apenas episódica.   A grande maioria das votações se faz de forma secreta utilizando urnas, ou enviando envelopes fechados pelo correio. Em dois cantões ainda se utiliza o sistema de "assembleia popular" onde os cidadãos votam em praça pública, erguendo suas mãos.

    Mediante um abaixo-assinado de cem mil pessoas (cerca de 1,34% da população), o povo suíço pode obrigar o governo a submeter à votação um novo artigo, uma emenda ou uma revisão constitucional.

    Outro instrumento muito importante da democracia semidireta suíça é o referendo, que permite aos cidadãos aceitar ou rejeitar decisões tomadas pelo Parlamento. Algumas leis requerem obrigatoriamente a consulta popular antes de entrarem em vigor; é o que se chama de referendo obrigatório. Em outros casos, os cidadãos que queiram se opor a uma determinada lei aprovada pelo Parlamento na Suíça deverão tentar reunir 50.000 assinaturas (cerca de 0,67% da população), e assim ter direito a convocar um referendo facultativo, que poderá revogar essa lei.

    Uma das mais importantes consequências benéficas desse sistema de fiscalização e controle popular do parlamento é que esse, sabendo que uma lei depois de aprovada por ele poderá ser revogada pelo Povo, procura consultar todos os grupos da sociedade que a ela possam se opor, tentando obter um consenso o mais amplo possível antes de aprová-la.     Em consequência os instrumentos de democracia direta da Suíça são os meios de que o Povo dispõe para se opor, e para controlar, políticas criadas pelo governo e pelos partidos políticos.

              (*Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Democracia_direta , consultada em 25/9/2013)

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Ver também (e em comentários): 

- o sistema eleitoral da Finlândia e a análise/proposta de melhoria de P.Magalhães ;

- o sistema eleitoral na Holanda e a proposta de D.Oliveira (listas semi-abertas, círculos ...) ; ... .



Publicado por Xa2 às 19:50 | link do post | comentar

4 comentários:
De melhorar Sistema Eleitoral e a Democraci a 8 de Janeiro de 2014 às 09:45

(...) como se pode ler num artigo de Paulo Trigo Pereira e Joao Andrade e Silva, Portugal é uma das democracias consolidadas onde os eleitores têm menor liberdade de escolha enquanto votam, ou seja:
é um sistema onde os eleitores têm apenas tantas opções como o nº de partidos (já que não podem exprimir preferências por deputados numa lista fechada) e onde podem exprimir apenas a sua primeira preferência.
Trigo Pereira e Andrade e Silva adicionam uma terceira dimensão deste conceito de “liberdade de escolha”, a informação sobre os candidatos, que presumem ser uma função da dimensão dos círculos eleitorais (quanto maiores, menos informação).
Quando combinamos estes indicadores, só na Holanda e em Israel existe menos liberdade de escolha. E se tomarmos em conta que o menu de partidos disponíveis nesses dois países é muito maior (elemento que Trigo Pereira e Andrade e Silva não consideram, por razões defensáveis para os propósitos do seu estudo, mas não inquestionáveis), então acho que se pode inclusivamente defender que
o sistema português, na sua combinação sistema de partidos/sistema eleitoral, é porventura o sistema nas democracias consolidadas que menos liberdade de escolha dá aos eleitores.

A segunda coisa que queria dizer é que esta falta de liberdade de escolha vem sendo discutida há muitos anos em Portugal e é, pelos vistos, vista como um problema. Chamo a atenção, por exemplo, para um livro de Nuno Sampaio (de uma dissertação que orientei) intitulado O sistema eleitoral português: crónica de uma reforma adiada,
que aborda muitas das propostas apresentadas até à altura e muitas das soluções avançadas e, como sabemos, nunca concretizadas. Já foram feitas outras propostas depois disto, entre as quais assinalo especialmente as contidas num livro de André Freire, Diogo Moreira e Manuel Meirinho, Para uma melhoria da representação política.

Elas incluem sistemas mistos tipo alemão ou variações no mesmo género (em que os eleitores têm dois votos, um em deputados num círculo uninominal e outro em partidos num círculo regional, com o 2º a determinar a alocação de assentos por partido)
ou, no caso das propostas de Freire, Moreira e Meirinho, 2 votos, um num círculo nacional (com listas fechadas e bloqueadas) e outro em círculos regionais pequenos (6 a 10 assentos) onde os eleitores exprimiriam preferências pelos deputados.

Então, qual é a (que nem modesta chega a ser) “proposta do Pedro Magalhães”, se é que lhe podemos chamar isso?
Se a incapacidade de exprimir preferências por deputados é um problema, deveríamos encontrar uma solução que fosse o mais simples e compreensível que nos fosse possível, e que introduzisse o menor número de mudanças possíveis no sistema.

A Finlândia é um bom exemplo. Como se vota na FINLÂNDIA ?

1.Há 14 círculos eleitorais (+ 1 uninominal em Åland). Nós temos 20 círculos, mais os 2 especiais Europa e Fora da Europa.
2. Magnitude dos círculos oscila entre 6 e 33, e resultam, tal como no nosso caso, das províncias administrativas tradicionais. Nós oscilamos entre 2 e 47.
3. Elegem 200 deputados. Nós 230.
4. As listas de candidatos por partidos são apresentadas em posters, nos media, nos locais de voto e até na própria mesa de voto (foto retirada da Wikipedia).

5. Em cada lista partidária, os nomes dos deputados são colocados por ordem alfabética. Cada um só pode concorrer num círculo e é identificado por um número (desculpem a má qualidade da imagem):

6. Os eleitores escolhem um deputado, ou seja, um número. Assim (imagem da Wikipedia):

7. Somam-se os votos obtidos por todos os deputados por partido. Cada partido fica com um x número de votos, que são depois usados para distribuir assentos parlamentares, usando da média mais alta D’Hondt, tal como nós.
8. Contudo, ao contrário do que sucede entre nós, que deputados são eleitos por partido depende não da ordem predeterminada na lista mas sim do número de votos que cada deputado recebe. Fim.

-Por que razão gosto deste sistema?
Se a liberdade de escolha, em particular de exprimir preferências por um deputado é um problema, não consigo imaginar uma modificação mais simples no nosso sistema para lidar com o problema.
-E por que razão gosto de mudanças minimalistas?
Porque importa que os eleitores percebam o novo sist...
..


De + liberdade de escolha no Sist.Eleitoral a 8 de Janeiro de 2014 às 09:58
http://www.pedro-magalhaes.org/a-proposta-do-pedro-magalhaes/

( Melhorar o Sistema Eleitoral e a Democracia portuguesa, e o exemplo da Finlândia )

...
...
Porque importa que os eleitores percebam o novo sistema facilmente, e porque importa retirar aos partidos todas as oportunidades que pudessem ter para manipular o sistema em seu favor, nomeadamente através do redesenho dos círculos. Só isso.

Agora, algumas considerações finais:

1. Notem que venho escrevendo “se a falta de liberdade de escolha é um problema”.
Eu não sou agnóstico sobre isto e acho que é mesmo um problema e começa a ser algo anómalo em Portugal na comparação com outras democracias.
Mas também não descarto que esta mudança pudesse ter algumas consequências que muitos achariam negativas, na coesão dos partidos no parlamento, na relação entre os partidos a nível central e nível local, no financiamento das campanhas, etc.
Mas o que vos queria dizer é que as pessoas que juram a pés juntos que as consequências iriam ser assim ou assado não sabem se seria assim, apenas supõem.
Apesar de haver milhões de coisas escritas sobre sistemas eleitorais, apesar de se saber bem como funciona a Finlândia (bem), e apesar de haver estudos sobre as consequências de variados aspectos do sistema eleitoral, todos esses estudos são insuficientes para fazer previsões sobre as consequências disto num único caso, Portugal.
Aqui só há uma certeza:
uma mudança destas aumentaria a liberdade de escolha dos eleitores.
Eu acho que essa falta de liberdade é um problema suficientemente grande para que essa certeza me faça gostar da ideia.

2. Não tenho ilusões de que uma mudança destas resolveria “os problemas da democracia portuguesa”, seja lá o muito que isso queira dizer

3. Há algo importante a montante deste processo na Finlândia, a forma como os DEPUTADOS são SELECCIONADOS para estar na lista:
em PRIMÁRIAS PARTIDÁRIAS LOCAIS .

4. Quem defende que o voto preferencial deveria ter lugar em círculos mais pequenos que os de, digamos, 33 (máximo) na Finlândia ou 47 (máximo) em Portugal acha que “só pode ser aplicado em pequenos círculos:
para os eleitores terem capacidade de processar informação sobre os candidatos em disputa e para que a medida seja logisticamente exequível“.
A parte do “logisticamente exequível”, se conseguirmos ficar satisfeitos como a possibilidade de exprimir apenas uma 1ª preferência (e já não é mau), é desmentida pela Finlândia.
No resto, o argumento de fundo parece-me um bom argumento, que de resto faz parte do próprio conceito de liberdade de escolha que Trigo Pereira e Andrade e Silva elaboram.
Contudo, a meu ver, dar aos partidos a possibilidade de modificar o desenho dos círculos herdados da divisão em distritos seria algo tão nocivo e contencioso que a relação custo-benefício me parece cair em favor de os deixar ficar como estão e aplicar uma reforma o mais minimalista possível.


De Sist. Eleitoral na Holanda a 14 de Janeiro de 2014 às 11:01
Desfocar o debate

(melhorar o sistema eleitoral:
o sistema Holandês - listas semi-abertas,
e os tipos de círculos : únicos, ou uninominais, ou de média dimensão - vantagens e contras; ...)

por Daniel Oliveira, 14/1/2014, Arrastão



Chego tarde à discussão mas também quero meter a colher no debate entre Ricardo Costa e Henrique Monteiro sobre sistemas eleitorais. Para desfocar um pouco.
Ricardo Costa apresentou aqui , na semana passada, uma proposta que incomodaria os partidos e que vinha de Pedro Magalhães (num trabalho de Henrique Monteiro, no Expresso):
listas abertas, cujo ordenamento de nomes pudesse ser alterado pelos eleitores. Pedro Magalhães dá, no seu blogue , o exemplo da Finlândia.

No entanto, confesso que prefiro aquele que julgo ser o sistema holandês (esquecendo, por agora, o facto de ter um círculo único), de listas semiabertas, em que o ordenamento existe e pode ser alterado ou aceite tacitamente, se os eleitores nada indicarem.
É esse sistema que defendo já há alguns anos.
Seria uma excelente forma de, mantendo a proporcionalidade e o papel dos partidos políticos, disciplinar o seu próprio autismo.
E garantiria uma das principais correções de que a democracia representativa portuguesa precisa:
quebrar a obediência cega dos deputados ao líder, que acaba por resultar na submissão do Parlamento ao governo, em vez de suceder, como prevê a Constituição, o contrário.

O sistema holandês é, na minha opinião, melhor do que uma lista completamente aberta (sem qualquer ordenação, como acontece para a Câmara de Deputados, no Brasil), que transforma os partidos em meras federações de candidatos e em que cada candidato tem no seu colega de filiação o principal adversário.
Em democracias pouco maduras pode ser completamente destrutivo das organizações partidárias.
A esta proposta acrescentaria a possibilidade de listas de cidadãos apresentarem-se às eleições legislativas.
Não tenho ilusões que o resultado fosse muito diferente do que é conseguido em autárquicas.
Mas, ao menos, impediria que as direções partidárias pura e simplesmente retirassem das listas os candidatos menos disciplinados ou menos ligados às estruturas internas.

Em resposta a Ricardo Costa, Henrique Monteiro veio apresentar uma proposta alternativa, de autoria de Rui Oliveira e Costa, que, usando o título escolhido por Ricardo, assustaria ainda mais os partidos :
o sistema misto, com círculos uninominais e um circulo nacional, semelhante ao alemão.
Confesso ter dificuldade em perceber porque acha o Henrique que a sua proposta incomoda "ainda mais" os partidos. Henrique faz a distinção:
irrita as distritais.
Mas, diga-se em abono da verdade, deixa os dois principais partidos bastante satisfeitos. A prova disso é dada por ele mesmo, no seu artigo:
António Vitorino e Marques Mendes, os dois mais acabados exemplos do espírito partidocrata, concordam com a ideia. E é natural que concordem.
Ela garantiria uma representação partidária ainda mais significativa ao PS e ao PSD. Para regenerar a política, não me parece o melhor começo.

Dirão que o sistema proposto é misto e isso resolve o problema. Tenho muitas dúvidas.
Os sistemas eleitoral não se limitam a mudar a forma de eleger deputados.
- CíRCULOS ÚNICOS nacionais favorecem o voto em pequenos partidos,
- círculos UNINOMINAIS favorecem o voto nos maiores partidos,
- círculos de MÉDIA dimensão (como temos) favorecem o voto em partidos médios.
Não apenas pela forma como se elegem os deputados, mas pelas dinâmicas políticas que cada sistema alimenta.
E o sistema misto entre círculos uninominais e um circulo nacional, não levando diretamente ao bipartidarismo, cria uma dinâmica política que tendencialmente o favorece.
Porque o voto no círculo uninominal, fortemente bipartidário, acaba por contaminar toda a eleição, determinando o voto no circulo nacional.

Pelo menos em Portugal, só uma minoria vota de forma diferenciada em diferentes boletins de voto. Não é preciso ir longe ...


De D.O.: condições eficazes p. Democracia a 14 de Janeiro de 2014 às 11:08
...
...Não é preciso ir longe para encontrar o indício desse comportamento dos eleitores. Basta acompanhar o voto dos portugueses em eleições autárquicas para perceber como, tirando fenómenos locais excepcionais, o voto para a Assembleia de Freguesia e para a Assembleia Municipal é, na prática, determinado pelo voto para a Câmara Municipal. Melhor: pelo voto para o presidente da Câmara, já que, apesar da lei, o cargo acaba por ser, para a maioria dos eleitores, de eleição quase uninominal. Ou seja: com círculos uninominais a serem, naturalmente, o centro da disputa eleitoral, o circulo nacional tenderia, apesar de algum desvio, a reproduzir o voto bipolarizado da eleição local, alterado muito a proporcionalidade atual. E, para além disso, acentuaria os egoísmos locais que, inevitavelmente, os eleitos por círculo acabariam por representar.

Mesmo partindo do princípio que este sistema aproximaria os eleitos dos eleitores (tenho todas as dúvidas e gostaria de ver estudos sobre o assunto que o comprovem), ele afetaria um bem que, na minha opinião, é muitíssimo mais relevante para a saúde da democracia: a representatividade política do Parlamento. Muito mais portugueses se sentiriam excluídos da representação democrática. E pontos de vista relevantes na sociedade portuguesa estariam condenados à exprimirem-se exclusivamente fora das instituições democráticas e, cada vez mais, contra elas. Ora, parece-me que, nas democracias europeias, não vivemos tanto uma crise de proximidade, mas muito mais uma crise de representação. Perguntem aos ingleses se se sentem bem representados e se confiam nos seus deputados, eleitos em círculos uninominais. A crise da democracia representativa tem a ver com uma efervescência e velocidade modernas que cada vez mais dificilmente podem ser representadas pelas instituições. Com a crise das grandes narrativas e das formas intermediação social e política. Mas, acima de tudo, com a degradação do poder dos Estados Nação e das suas instituições e com a degradação das condições de exercício da própria democracia.

Se olharmos para os números da confiança dos cidadãos na democracia percebemos que o fundamental é outra coisa: a confiança no poder político é, em geral, maior nos países com altos níveis de igualdade e também com Estados Sociais mais robustos. Se virmos o recente estudo da Demos, "Democracy in Europe can no longer be taken for granted..." , com os melhores indicadores democráticos (respeito pelo Estado de Direito, controlo da corrupção, respeito pelas liberdades fundamentais, envolvimento cívico e até, vejam bem, protestos públicos, estabilidade) surgem quase sempre a Finlândia, a Suécia, a Dinamarca, a Holanda, a Áustria, o Luxemburgo e, por vezes, a Alemanha e a Bélgica. Em relação às posições dos cidadãos sobre o regime (se querem um líder forte, se confiam nos outros cidadãos ou se sentem que têm um controlo sobre as suas vidas), havendo, por razões históricas, alguns países "intrusos", os melhores são, em geral, também estes. Todos países que surgem no topo duma distribuição equitativa da riqueza e que são, quase todos, exemplo daquilo a que chamamos "modelo social europeu".

Porquê? Porque a democracia não é apenas uma forma de organização institucional. Não há democracia representativa que funcione num país onde a desigualdade social impede o exercício da cidadania por parte de todos. A igualdade não chega para a democracia, mas ela é condição para a sua saúde. Porque a desigualdade destrói o sentimento de pertença a uma comunidade e a empatia entre os cidadãos, de que a democracia depende. Sem isto, não há cidadania ativa. E não há Estado transparente onde essa cidadania não seja exercida de forma efetiva. E não há deputados que realmente representem a vontade dos cidadãos sem transparência política.

As leis eleitorais podem favorecer a estabilidade ou a representatividade, a proximidade ou a coesão política. Podem corrigir entorses no sistema político. Mas não são o coração da democracia. A crise democrática que vivemos é uma crise social e cultural, não é uma crise institucional. Devolvam o poder aos Estados e empenhem-se em políticas que fomentem a igualdade social e verão como os cidadãos terão muito mais confiança nos deputados, sejam eles eleitos por que círculo forem.


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