Sexta-feira, 27 de Setembro de 2013

Há dois dias, recebi um mail da escola dos meus filhos mais velhos a informar que, devido às eleições do próximo domingo, a escola iria estar fechada na segunda-feira. Razão: sendo um dos locais de voto em Lisboa, é preciso arrumar as salas. Confesso que me senti tentado a pedir junto da Comissão Nacional de Eleições a suspensão das autárquicas na freguesia de Alvalade. Assim como assim, todos sabemos que António Costa vai ganhar, não vale a pena estar a punir 400 crianças e respectivas famílias por causa de uma votação esvaída de suspense. Mas depois decidi afastar este pensamento pouco democrático e armar-me em jornalista. Telefonei para a CNE (que me aconselhou a ler a lei eleitoral), para o Ministério da Educação ("as escolas fecharem não é uma prática corrente"), para a junta de freguesia (as escolas da zona fecharem é uma prática corrente) e para vários professores, só para lhes colocar a pergunta que consumia as minhas entranhas: "Isto é mesmo assim? Uma escola inteira pode encerrar na segunda-feira por causa de uma votação que termina às 19 horas de domingo?"

 

Parvo que sou - claro que é assim. Está na lei. E a lei é A LEI. Dura lex sed lex, e o dura lex os pais que desembrulhem. Pelos vistos, há décadas que milhares de indígenas, um pouco por todo o país, são obrigados a faltar ao trabalho nas segundas-feiras pós-eleitorais porque é necessário efectuar essa hercúlea tarefa que consiste em arrastar o mobiliário escolar para o seu local de origem. Diz o artigo 69  da lei eleitoral autárquica, no ponto 4: "Quando seja necessário recorrer à utilização de estabelecimentos de ensino, as câmaras devem solicitar aos respectivos directores a cedência das instalações para o dia da votação, dia anterior, para a montagem e arrumação das estruturas eleitorais, e dia seguinte, para desmontagem e limpeza." Ora cá está: as escolas têm todo o direito a um dia inteirinho para desmontar uma dezena de biombos, arrumar meia dúzia de salas e varrer o chão. Enquanto isso, os alunos ficam a melhorar o Inglês em casa, com a ajuda da PlayStation.

 

Por muita troika que nos visite, enquanto certas mentalidades não mudarem o país também não muda. Este é um daqueles típicos casos em que toda a gente está a cumprir escrupulosamente as suas funções sem que ninguém pareça disposto a mexer um dedo para que o simples bom senso se imponha em relação a uma lei que prejudica inutilmente milhares de pessoas. É a burocracia no seu pior: a CNE diz que esta parte da logística eleitoral não é com ela, o Ministério da Educação diz que não sabe de nada, as juntas dizem que a arrumação é responsabilidade das escolas, as escolas dizem que, com os cortes no pessoal auxiliar, não há gente para arrumar as salas, e suponho que os membros das mesas de voto, apesar de serem cinco por mesa e ganharem 76,32 euros ao dia (total: 381,6 euros/mesa), mais um dia de folga, digam que não estão disponíveis para mover cadeiras no final da contagem dos votos, que não é para isso que lhes pagam. Afinal, é tão mais prático deixar no dia seguinte centenas de crianças sem aulas. Se até está na lei...


Na escola dos meus filhos, os pais chegaram a oferecer-se para ir arrumar as mesas no final da noite eleitoral. O melhor que conseguiram foi que a escola reabrisse às 12h30 de segunda-feira. É verdade que muitas vezes as coisas não funcionam porque não há dinheiro. Mas demasiadas vezes as coisas não funcionam porque não há vontade.

 
 

http://www.publico.pt/opiniao/jornal/arrumacao-poseleitoral-27149329

 



Publicado por Izanagi às 10:49 | link do post | comentar

1 comentário:
De Zé das Esquinas, o Lisboeta a 28 de Setembro de 2013 às 17:22
A sério? Este post é a sério?
Claro que as coisas são como são porque as pessoas são como são.
Já aqui escrevi inúmeras vezes que quem governa Portugal é o povo. Já o disse de diversas formas, expressões ou exemplos.
O que este post aqui refere, infelizmente, só me dá razão e confirma que vivemos numa «democracia do proletariado». O povo está no poder e revê-se nele. Ou de outra forma, mas com o mesmo sentido: Estes nossos últimos e atuais governantes são «povinho» naquilo que esta expressão tem de pior e não naquilo que ela deveria ter e ser - o melhor.
Andámos nos últimos anos a cultivar a mediocridade e agora estamos a colhê-la. De que estávamos, portanto, à espera? De milagres?
Andam a enganar-nos nos últimos 40 anos como nos andaram a enganar nos outros 40 antes destes. Não da mesma expressão, mas da mesma forma.
É triste, não é o que eu gostava, nem queria, mas não deixa de ser um facto, uma verdade.
Antes só alguns eram «doutores» agora todo o mundo é «doutor»...
Quem não sabe que 0º e 360º estão no mesmo ponto?
Quem tem dúvidas que no «antes» não se podia falar e que agora fala-se mas ninguém ouve?
Só que agora estamos pior. E sabem porquê?
Também já aqui o referi, mas vou repetir:
- Porque agora roubaram-nos a esperança!
Eu explico melhor:
- Se dantes estávamos em ditadura e tínhamos como horizonte a liberdade, a democracia, etc, ou seja havia esperança na possibilidade de um futuro melhor;
- Agora dizem-nos que estamos em democracia e que este era o futuro melhor que ambicionávamos antigamente...
- Antes podias pensar na revolta e na revolução...
- Agora não pode pensar nem na revolta nem na revolução porque apenas te dão, quanto muito, o direito à indignação...
Triste país este que se deixa embalar nestas tretas das conversas politiqueiras de uma europa democrática...
Podia para já concluir que:
- Antes estávamos «orgulhosamente sós»!
- Hoje estamos mal, mas mesmo muito mal, acompanhados!
E como é que diz o povo?
Boa tarde e (deixem-me rir, para não chorar) não se esqueçam de ir votar (entre as várias m_erdas, escolham uma) está bem?
- Porque isso de o voto ser uma «arma» só é válido se esse voto/arma estiver carregada, perceberam?


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