Terça-feira, 15 de Outubro de 2013

Os "ricos" (com 2000 euros) que paguem a crise    (-por Daniel Oliveira, Arrastão e Expresso online)

... é basicamente impossível. Mas imagino que,... o governo esteja a enganar a troika e ela a deixar-se enganar. Só assim pode continuar esta farsa que até permite ao governo, enquanto anuncia mais austeridade, falar de novo ciclo.

    ... é um absurdo quando aplicada a uma prestação social que resulta de contribuições. No caso concreto, a 7% da TSU (2,4% do salário) para o risco de morte. Ela mina toda a confiança no sistema, pois muda radicalmente a natureza de um seguro social. E isso tanto acontece com 600 euros como com 2000 euros. O argumento inventado por Portas é que esses 7% de descontos e os gastos em pensões de sobrevivência têm um défice de mil e duzentos milhões (o porta-voz do CDS, João Almeida, tinha, na semana passada, falado de 800 milhões). Esta conta é absurda. Porque, para ser feita, teria de contemplar o ganho que o Estado tem (se me permitem a frieza da linguagem) quando um reformado morre e a sua reforma é reduzida para 60%. Seja como for, a mudança da natureza das pensões abre um precedente sem limitação possível. Da mesma forma que as gorduras do Estado, em 2008, se transformaram na TSU das viúvas, em 2013, as reformas passarão a estar ao sabor da vontade de cada governo, sem terem de manter qualquer relação com a carreira contributiva dos reformados. E com isto mina-se a relação de confiança de que a sustentabilidade da segurança social depende.

     Claro que o limite de dois mil euros, em tempo de crise, passa bem. O governo tem sabido usar a desgraça para dividir os portugueses, tratando gente com dois mil euros como privilegiados, enquanto a redução do imposto sobre o lucro (IRC) das empresas (quase todo de grandes empresas em boa situação) fará perder ao Estado mais do que se vai buscar aos viúvos e viúvas. Já expliquei aqui a insustentabilidade política e financeira de ir reduzindo os tectos das pensões até ser inaceitável não impor um plafonamento dos descontos. É em sede de IRS que o essencial da redistribuição fiscal se tem de fazer. Caso contrário ela é feita várias vezes em várias sedes até destruir a classe média.

     Recordo que os mesmos que serão atingidos por esta medida terão de pagar a continuação da contribuição extraordinária de solidariedade, serão, muitos deles, afetados pelos cortes nas pensões por causa da convergência de sistemas, viram, em vários casos, aumentar o que pagam para a ADSE, tiveram o reescalonamento e a sobretaxa do IRS e ainda têm a nova lei das rendas. Bem sei que dois mil euros brutos é uma fortuna, mas até este rendimento multimilionário se perde com tanta austeridade "humanista" (socorrendo-me das palavras de Portas).

     Dizem-me que a segurança social não é sustentável. Sim, com os níveis de emigração que hoje temos, o desemprego a aproximar-se preocupantemente dos 20 % , a redução dos salários promovida pelo governo, a crescente precariedade e a integração de fundos de pensões descapitalizados no sistema público (CTT, CGD, PT e banca), para ter receitas extraordinárias e empurrar o problema para o governo que vier depois, é difícil termos um sistema sustentável. Diria mesmo que é impossível. Perceberão nessa altura os que aplaudem esta medida como se tivesse alguma coisa a ver com justiça social, que eles virão na próxima razia. Os que têm algum dinheiro ainda poderão tentar fazer PPR. Para os mais pobres é que não vai sobrar nada.

     Estes cortes vão ajudar a resolver alguma coisa? Pelo contrário. Como mostra um relatório recente do Banco de Portugal (e já mostrara um relatório do FMI), cortes nas prestações sociais, em tempo de crise, têm um efeito devastador (nas famílias e) na economia. Por cada euro que se poupa o PIB perde um euro e vinte cêntimos. Ou seja, não é apenas da sustentabilidade da segurança social que estamos a tratar. É da sustentabilidade do País. Sem ela, não haverá reformas para ninguém.

       Um jornal com saídas

Começam a faltar palavras para descrever o que está a acontecer. Não porque seja difícil explicar em que consiste o regime austeritário. É uma engenharia política de destruição do Estado social, democrático e de direito (…) Quais são, então, as palavras que faltam? São as palavras capazes de descrever a actuação dos que impõem este novo modelo de sociedade e os efeitos que este modelo tem, na nossa pele ou na pele dos nossos. Que palavras podem traduzir com justiça a sádica programação do sofrimento? (…) As palavras ficam aquém do necessário. Se nada for feito, crescerá a impotência com que se recebe a notícia de cada novo corte indutor de desigualdades, pobreza, desemprego, emigração e recessão (…) Por onde passa, a austeridade permanente destrói a liberdade, a autonomia, a democracia, a vida digna
(…)        Há que repor o contrato social, que exige uma fiscalidade justa, o que implica enfrentar as ferozes resistências dos que detêm os mais altos rendimentos, do capital financeiro, dos lucros accionistas, etc. E há que compreender que a universalidade do acesso ao serviços públicos, às funções sociais do Estado – que sabemos ser o melhor garante de igualdade e coesão social – só pode ser garantida com a defesa da sua gratuitidade para todos. Foi muito por aqui, que alastrou o cancro das engenharias neoliberais que corroeram o Estado: uma educação, saúde e segurança social cada vez mais para pobres, com o preço e a degradação da qualidade a levar os que têm mais posses para os privados. 
      Recuperando estas condições de autonomia, canalizando os recursos para finalidades socialmente dignas e gerando novos recursos, podemos construir força social e política para compreender também que a participação na actual arquitectura institucional e monetária europeia não permite tornar tais finalidades sustentáveis. Aí teremos escolhas difíceis a fazer, mas já centradas num exercício de palavra e de acção que nos tirem daquilo que, de outro modo, parece um beco sem saída, um corte com todas as pontes que nos ligam a Abril. Há pontes e há saídas, como mostram as iniciativas populares marcadas para os próximos dias 19 e 26 de Outubro.  -   Excertos do artigo da Sandra Monteiro, “pontes de saída”, sugestivo título, no Le Monde diplomatique - edição portuguesa de Outubro de 2013.


Publicado por Xa2 às 07:43 | link do post | comentar

8 comentários:
De (ex-) Classe média tb. desesperada a 29 de Outubro de 2013 às 14:52
13:32 ( JPP- José Pacheco Pereira, 28/10/2013, Abrupto)

POR FAVOR TIREM-ME DAQUI

De cada vez que escrevo sobre o que acontece em Portugal,
haja ou não haja "guião", haja ou não haja Orçamento, haja ou não haja mais peripécias do Governo bipolar que temos, haja ou não haja avaliações da troika, haja ou não haja manifestações, haja ou não haja greves, haja ou não haja mais uma mentira, um escândalo, uma inconfidência, uma fuga via Marques Mendes, ou um "recado" via Expresso, haja ou não haja um retorno vingativo e um ajuste de contas, haja ou não haja o que houver,
Portugal parece Sísifo com a sua pedra, ou um navio que não sai do sítio, encalhado por uma maldição qualquer num canto do oceano.
Até aqui, nestes textos, parece que se volta sempre à maldição de Sísifo, ou do Navio-Fantasma, ou, mais prosaicamente, ao Dia da Marmota do filme Groundghog Day com Bill Murray, traduzido para português apropriadamente como o Feitiço do Tempo. Nem o mítico Sísifo, nem o wagneriano Navio-Fantasma, nem o Bill Murray, acordando sempre no dia seguinte no mesmo dia anterior, são novidades, porque já estou a repetir referências que já fiz.
Já não tenho mais metáforas, nem mitos, nem filmes.
Por favor, tirem-me daqui.

Quando falo em público, as perguntas das pessoas são sempre as mesmas:
"Quanto tempo é que isto vai durar?",
"Como é que nos vimos livres destes senhores?",
"Quando é que saímos disto?",
"Como é que se dá a volta?", e outras variantes do mesmo.
E embora eu desconte a relação entre o que diz o palestrante e as expectativas dos ouvintes, cujo acto de lá ir é já de si uma mostra de empatia e interesse, seja de simpatia, seja de antipatia,
mesmo assim há alguma coisa que está muito errada quando uma sala com duas ou três centenas de pessoas, no meio de uma noite de tempestade, no fundo,
quer saber quando é que anda tudo à pancada e a partir montras ou coisas piores, e manifesta o seu enorme desagrado e impotência por tal não acontecer.
E quando falo de uma sala destas - e estou a pensar em exemplos muito concretos e recentes - estou a falar de gente da CLASSE MÉDIA, composta, educada, com profissões reconhecidas como sendo de elite, engenheiros, médicos, professores, advogados, funcionários públicos dos escalões superiores, reformados com pensões acima de mil euros, pelo menos, alguns pequenos empresários privados, e os seus filhos qualificados e desempregados.

Bem sei que são eles, os que "ainda têm alguma coisa", o ALVO preferencial da sanha governativa, aquilo que antes se chamava "classe média", e hoje se considera os ricos e os privilegiados,
para confiscar fiscalmente e REDUZIR, por todos os meios, salários e pensões, ao remedeio, à quase pobreza, quando não à POBREZA.
E são eles que me perguntam, de uma forma cada vez menos eufemística, quando é que há uma REVOLUÇÃO, nem mais nem menos.
E mesmo eu, que entendo que toda a intransigência face ao Governo e à governação é pouca, ainda fico surpreendido com a veemência da sua REVOLTA,
que já ultrapassou a hostilidade aos governantes, para estar já na raiva por NADA ACONTECER e no vitupério ao "povo" que aceita tudo e NÃO FAZ NADA.
E se pensam que estou a exagerar, enganam-se.
A coisa está muito negra por estes lados.

Não estou a falar de gente que tenha simpatias pelo PCP, pelo BE.
Bem pelo contrário, a sua esmagadora maioria são votantes "centrais", votaram no PSD e no PS e mesmo no CDS.
Estão informados, muito mais informados do que a média dos portugueses, vêem a SICN e a TVI24, acompanham os debates, lêem o Expresso no fim-de-semana, sabem o que disse o Marcelo e o que escreveu o Vasco Pulido Valente ou o Miguel Sousa Tavares, conhecem-me da Quadratura mais os meus companheiros de debate.
E estão positivamente FURIOSOS, não só porque o seu bolso é o alvo principal mas também porque se sentem IMPOTENTES e, acima de tudo, insultados e HUMILHADOS.

Se voltarmos ao nosso país, permanentemente no Dia da Marmota, ou encalhado no Mar dos Sargaços, ou a levar a pedra ao cimo do monte para a ver cair, percebe-se que não lhes faltam irritantes quotidianos.
Há, primeiro que tudo, o estado ontológico da "inevitabilidade", ...
...


De ..alguém faça uma REVOLUÇÂO c. luvas... a 29 de Outubro de 2013 às 15:01
28.10.13 - 13:32 (JPP)


POR FAVOR TIREM-ME DAQUI
...
... Há, primeiro que tudo, o estado ontológico da "inevitabilidade", ou seja, nós somos os "forçados da dívida", presos numa prisão de alta segurança, cujos carcereiros menores, empregados dos carcereiros maiores, nos dizem que não há a mínima esperança de sair de lá.
Volto ao armazém literário, para ver a entrada do Inferno de Dante:
ó vós que entrais, perdei toda a esperança.
Como é que se vive sem esperança?
Eles sabem.

Depois que palavras novas - nem sequer estou à espera de dizer promissoras, salvíficas, esperançosas
- esperam eles ouvir de Cavaco Silva ou Passos Coelho, que logros e enganos renovados esperam de Portas ou Maduro, que coisas convincentes de Seguro,
que não sejam as mesmas de ontem, gastas, cansadas, fora de qualquer prazo de validade.
Nem sequer mentiras novas, mas sempre as mesmas recicladas.
Já vimos tudo, já ouvimos tudo, já sabemos tudo, e é também por isso que a indústria das peripécias, vulgo comunicação social, nunca descansa nos seus moinhos de orações.
Coisa graves há, Angola, dívida, orçamento, SAQUE fiscal, DESTRUIÇÃO da confiança, VIDAS estragadas, perda, PERDA, perda.
Mas misturadas com muita irrelevância que ganha terreno no meio do cansaço, a ver se ainda há alguma novidade.
Ah! Sócrates escreveu uma redacção sobre a tortura e desceu dos céus parisienses via RTP...
E depois? Serve de entretenimento, mas mais nada.

Este gigantesco marasmo inquina tudo.
Bloqueia qualquer solução política que "abra" a situação e permita avançar.
Cavaco Silva tem muita culpa ao não ter fechado uma crise endémica, que está aí todos os dias no governo da diarquia, com eleições antecipadas.
Não mudava tudo, mas permitia uma descompressão da situação.
O que é que o impedia de ter exigido aos partidos nova legislação para encurtar os prazos eleitorais e assim minimizar os danos dos tempos longos entre a decisão de haver eleições e a posse de um novo governo?
O que é que o impedia de forçar um pacto pré-eleitoral entre os três partidos, dizendo-lhes claramente que ia convocar eleições, em vez de andar penosamente a pedi-lo em público, recebendo um não?

Havia riscos e custos?
Certamente que havia, nos juros que nos impediriam de ir aos mercados.
Mas a verdade é que depois da "crise Portas" também não há condições para ir aos mercados, e suspeito que os portugueses preferiam defrontar o problema com ELEIÇÕES do que ter que pagar o mesmo preço com Portas a agitar-se todos os dias para parecer bem e Passos Coelho a tirar-lhe o tapete para que ele pareça mal.
Até a troika, que sabe o que são factos consumados, aceitaria a inevitabilidade, esta virtuosa, de haver eleições.
Mas Cavaco Silva não quis e agora está condenado a aceitar um orçamento INCONSTITUCIONAL, ele que jurou defender a Constituição.

O bloqueio político é o maior problema que Portugal hoje conhece, maior do que o défice e do que a dívida,
porque ele condiciona o defrontarmos o problema do défice e da dívida em democracia e a médio prazo, única forma de o podermos fazer.
Sublinho, em democracia.
Bloqueado politicamente, com este PSEUDOGOVERNO, arrastando-se nas suas contradições, preparando um GOLPE contra o Tribunal Constitucional, com uma ilegalidade tornada normal pela retórica da "emergência financeira", com as instituições a não funcionarem, Portugal está encalhado no meio do mar, traz aos ombros a pedra maior dos sacrifícios do seu povo, para a ver cair de novo, e assiste pela milionésima vez às comemorações do Dia da Marmota.

Admirem-se pois que aqueles pacíficos cidadãos queiram a revolução.
Tirem-me daqui.
Por favor, porque somos gente educada.
Queremos partir tudo, mas somos educados.


De Guerra de Classes - ricos a ganhar ... a 29 de Outubro de 2013 às 16:15
Sábado, 26 de Outubro

[ NÃO HÁ BECOS SEM SAÍDA ! Que se Lixe a Troika ! ]

«Existe uma guerra de classes, sem dúvida, mas é a minha classe - a classe dos ricos - que está a fazer a guerra, e estamos a ganhá-la». - O autor destas palavras é o multimilionário Warren Buffet e ele tem toda a razão.

Os mais poderosos concentraram o seu poder, riqueza e influência nas últimas décadas, curto-circuitando a Democracia, e fazendo dos Governos seus criados.

Tentam espalhar a mensagem de que não existem alternativas às políticas que os favorecem, e têm uma vitória em cada crédulo que nela acredita, em cada papagaio que a repete.

Os grandes bancos provocaram uma crise internacional, e pagam milhões para que todos acreditem que a culpa é do estado social;
eles viveram acima das nossas possibilidades, e alegam que os trabalhadores, desempregados e reformados é que têm de apertar o cinto;
eles aumentam os seus lucros e o seu poder, e juram a pés juntos que têm de fechar escolas e hospitais -
pois claro, os recursos são finitos e não dão para tudo.

Cegos e desorganizados, caminhamos para um novo feudalismo, ouvimos ou repetimos as ladainhas usadas pelos poderosos para nos roubarem.

Impõe-se a dignidade da resistência.
O imperativo moral de lutar pela Justiça.

Eu irei à Manifestação.

Não sei aonde é que esta manifestação vai chegar, mas sei que mas sei que levantar-me do sofá este Sábado é o mínimo que posso fazer.

Menos que isso é conformismo, desistência, e o cinismo conveniente dos preguiçosos.

Mais que isso, está nas nossas mãos: podemos não ter os recursos materiais e organizacionais, o tempo e a disponibilidade para enfrentar esta luta que os mais poderosos têm.

Mas a história mostra que a necessidade aguça o engenho: se não desistirmos, teremos a criatividade, a iniciativa, a solidariedade, a força, os números, a convicção, a capacidade para vencer.

Vamos transformar este mundo num lugar melhor.

Isto é só o começo.


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