Caminha-se assim para uma coligação liderada pela Sr.ª Merkel que envolverá o SPD, certamente ainda lembrado que a mais recente coligação idêntica (2005-2009) o fez descer da qualidade de um grande partido, separado dos democratas-cristãos por um escasso deputado, para a de um modesto partido de média dimensão, que ficou abaixo dos 25 %. Em quatro anos de oposição (2009-2013), conseguiu a proeza pálida de, ao subir apenas cerca de 2%, exceder ligeiramente o modesto patamar anterior. Contudo, essa anemia política do SPD nada de positivo trouxe para o peso eleitoral dos outros dois partidos de esquerda, que continuaram penosamente a rondar os dez por cento.
Será de esperar que os eleitores alemães de esquerda continuem a dar votos a partidos que preferem ser capachos, diretos ou indiretos, de um partido de direita, que tem assombrado a Europa, do que ousarem a enorme aventura de se entenderem?
2. A França e, de algum modo, a Europa assustaram-se com um recente resultado de uma eleição local, conjugado com uma sondagem que colocava a Frente Nacional no primeiro lugar das intenções de voto dos franceses. Mesmo que não se possa dizer que há aqui uma verdadeira exceção francesa e sendo a FN um fenómeno político com décadas, só por ligeireza, no entanto, se poderiam desvalorizar estes sinais.
E eu não estou a pensar em sofisticadas interpretações do fenómeno, mais vocacionadas para compensarem a inação do que para serem guias da ação. Não estou a pensar numa meticulosa procura de culpados, como se fosse mais importante encontrá-los do que combater politicamente o prenúncio de novas serpentes.
Estou a pensar na necessidade de confrontar a direita democrática francesa com os recorrentes sinais de transigência que vários dos seus vultos têm enviado à FN e com as consequências dessas atitudes.
Estou a pensar no imperativo de se confrontarem as várias esquerdas com a necessidade de avaliarem aprofundadamente as razões da perda de apoio social e eleitoral que as atingiu, parte da qual, por desespero e primarismo político, talvez se tenha transferido para a extrema-direita.
Particularmente, o PSF não pode permanecer alheado da necessidade premente de uma reconversão estratégica, que supere definitivamente o pântano da terceira via, reconciliando-se com a sua matriz socialista, que no essencial o identifica e que não pode deixar de inscrever um pós-capitalismo no seu horizonte. O PSF, todos os partidos socialistas europeus, não podem pedir o voto ao povo de esquerda, para deixarem depois os banqueiros governar.
E não podendo imprudentemente ignorar a realidade que os condiciona e rodeia, não podem limitar-se a deixarem-se arrastar pela corrente dos automatismos económico-financeiros do capitalismo, sem praticarem a resistência possível e sem se baterem pelo seu próprio caminho, rumo ao seu próprio horizonte.
De facto, se os socialistas aceitarem exercer o poder político institucional, como meros certificadores de decisões que lhes escapam, como simples homologadores de decisões dos poderes de facto, podem penosamente governar durante uma ou outra legislatura, num ou noutro país, mas arriscam-se a sofrer um forte desgaste popular, pelas consequências sociais desse caminho. E podem assim perder, irremediavelmente o peso político necessário para que estejam em condições de desempenhar o seu papel nuclear, como garantes e potenciadores de um desenvolvimento democrático que transcenda o capitalismo.
Ora, faz parte das vicissitudes da luta política que um partido socialista se arrisque em prol dos seus objetivos históricos e identitários, expressão do interesse legítimo de todos os que são prejudicados pelo capitalismo, materialização de um humanismo completo, podendo pagar um preço político por essas decisões.
Mas é um puro absurdo estéril que um partido socialista perca a sua base social e eleitoral de apoio, por se deixar arrastar na deriva dos automatismos económicos, eles próprios reflexos dos interesses e do domínio dos poderes económicos de facto.