Terça-feira, 5 de Novembro de 2013
Como explicava Joel Serrão na sua obra de referência sobre a emigração portuguesa, ao longo da nossa história a emigração constituiu sempre “uma válvula de escape para a manutenção de um sistema social tradicional e tradicionalizante”. No momento actual, em que temos uma vaga migratória comparável aos anos 60, voltámos a este reflexo antigo (com a agravante de o índice de fecundidade nunca ter descido tão baixo - 1,28 filhos por mulher – o que criará um buraco demográfico no médio prazo). Os primeiros a partir são os mais inconformados. (e aptos, ou aqueles em situação de extrema necessidade, mas sem fé suficiente para se unir e fazer a revolta, nem crença na mudança política e de oportunidades no seu país).
Nos dias de hoje emigram também os mais qualificados. Não admira, por isso, que alguns sectores da nossa sociedade e da sua classe dirigente (financeira, económica e política) incentivem este fenómeno. A emigração alivia a pressão política e social, ajuda a que tudo fique na mesma ou pior, sobretudo no que se refere à mobilidade social e aos instrumentos públicos necessários para garantir que haja verdadeira igualdade de oportunidades, como o Serviço Nacional de Saúde e o Ensino Público de qualidade.
A política de austeridade, recessão e desemprego, a degradação deliberada do Estado Social, a privatização das suas componentes mais rentáveis e o encorajamento da emigração fazem parte de uma mesma estratégia política, que visa proteger os interesses e os privilégios de uns poucos - os mesmos de sempre, que, aliás, pouco sentiram os efeitos desta crise -, mesmo que isso signifique a perda de tantos jovens, de tanto talento e a consagração de uma grande regressão social.
Quem incentiva a emigração certamente que não tem filhos emigrados (ou experimentou a dureza desta 'sub-vivência', embora possa ter 'expatriados' em 'lugares protegidos'...).
No fundo, (a EMIGRAÇÃO é um ostracizar de cidadãos, uma perda de recursos, uma política reacionária mortal e) é uma traição, desde logo desse compromisso colectivo que é a nossa Constituição (da R.P. e da "res pública"). Tornou-se claro que a Constituição constitui o maior entrave a estes desígnios políticos. Até porque a direita não dispõe dos dois terços necessários na AR para alterá-la. Então resta o seu esvaziamento e violação despudorados. Mas sem o respeito pela Constituição deixa de fazer sentido afirmar que Portugal ainda é um Estado de Direito democrático.
Os juízes do Tribunal Constitucional têm sido verdadeiros heróis face às inqualificáveis pressões, internas e externas, a quem têm sido sujeitos. A grande maioria dos portugueses está com eles (faça-se uma sondagem e veja-se a percentagem de portugueses que apoia o TC). Eles são o último reduto na defesa da nossa dignidade e também da estabilidade - porque quando já não houver nada a perder, para os portugueses que não emigraram, torna-se difícil travar a revolta.
De Emigrar: Fugir à miséria e aos ladrões a 6 de Novembro de 2013 às 12:13
O estigma da emigração
Debate Crise e alternativas
[-por Mafalda Durão Ferreira*, publico.pt, 04-11-2013, via MIC - * Reformada, ex-subdirectora-geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas]
A FLAD e a OCDE promoveram recentemente, em Lisboa, o seminário Novas dinâmicas Migratórias Internacionais: Portugal no Contexto dos Países da OCDE.
Neste seminário, usou da palavra o director-geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas (DGACCP), João Maria Cabral, o qual, segundo o PÚBLICO online, avisou que ia ser “provocatório”. Disse: “Não quero branquear o fenómeno social, mas a emigração pode ser vista como algo positivo e enriquecedor”.
Ora cumpre perguntar:
positivo e enriquecedor para quem?
Para quem parte, com sofrimento e perda, para as famílias que ficam, privadas de pais, filhos e filhas?
Para o País que investiu na formação de quem parte?
Para Portugal, país com graves problemas de natalidade e que fica privado da geração em idade fecunda?
Ou para os países que os recebem, a custo zero, sem nada terem gasto ou investido na sua formação e pagando-lhes metade ou menos dos ordenados que pagam aos seus nacionais com idênticas habilitações?
E disse ainda o sr. director-geral da ACCP:
“A saída pode ser uma mais-valia (…) a emigração pode oferecer mais do que as remessas dos emigrantes, (...) há que eliminar o estigma do fenómeno migratório.”
O sr. director-geral da ACCP reproduziu na íntegra a linha de “pensamento” do ex-ministro Relvas e do primeiro-ministro: “ Emigrem ! ”
A única coisa que vislumbro como “provocatório” e inovador no seu discurso é
a desfaçatez de vir procurar apresentar a emigração como “a” óptima alternativa para os portugueses atingidos pelo flagelo do desemprego.
Descobriu a pólvora!
Para os portugueses, a emigração é uma alternativa à fome, à miséria, ao desemprego, à exploração, desde há décadas!
Nunca precisaram de ser ensinados a partir, a pegar na trouxa e partir.
Mas são sempre os mesmos a partir, ainda que licenciados, sem bolsas de estudo, sem respaldo familiar, etc.
Estar desempregado, quer se queira, quer não, é sentido como um estigma pelo atingido.
Emigrar é fugir a esse estigma, é ganhar vida e a dignidade que o país lhe recusa!
O que todos nós queríamos era que Portugal fosse uma “ALTERNATIVA” para todos os portugueses.
Foi para isso que se fez o 25 de Abril, por um Portugal de todos, e não para ouvir discursos que são a despudorada verbalização de políticas que fazem lembrar os tempos da ditadura.
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