De Adriano Moreira: o imprevisto à espera.. a 21 de Novembro de 2013 às 16:18
Adriano Moreira (- entrevistado por Mara Dionísio,20/11/2013):

"A legitimidade de exercício do Governo tem sido bastante afectada"
Acredita no que Portugal há-de ser, mas está preocupado: com os filhos, com os netos, com o país inteiro. Numa entrevista sobre a crise e a troika, sobre Vítor Gaspar e Paulo Portas, sobre manifestações e a Alemanha, Adriano Moreira considera que há que "prestar atenção aos sinais que traduzem que o Governo vai perdendo a legitimidade de exercício".
"O imprevisto está à espera de uma oportunidade", diz.

... Atravessou muitas crises, mas esta "é a pior" de todas. Aos 91 anos, Adriano Moreira considera que tem de haver a capacidade de questionar os técnicos da "troika" e lamenta que tenha sido esquecida a carta que Vítor Gaspar escreveu quando se demitiu.
Relativamente ao guião apresentado por Paulo Portas para a reforma do Estado, considera que lhe "parece exagerado chamar 'reforma do Estado'" ao documento. Pede aos partidos para se questionarem - "é preciso ver no CDS qual é a presença da doutrina social da igreja" -, e alerta o Governo para os sinais que evidenciam a perda de "legitimidade de exercício: "Não faltam exemplos de distanciamento entre os programas anunciados para as eleições e as medidas tomadas". Ainda assim, e apesar de tudo, acredita: "Lembrem-se que chegámos à Índia sem bússola".

-O relatório do FMI sobre as oitava e nona avaliações ao programa de assistência financeira a Portugal diz que os cortes nos salários e nas pensões são irreversíveis. Depois de tudo o que já aconteceu, o país é capaz de resistir a mais medidas deste cariz?

As autoridades técnicas precisam de ser corrigidas pela capacidade dos estadistas. Os estadistas não têm que ficar nem submetidos, nem pressionados por opiniões dos técnicos: aproveitam as opiniões dos técnicos e exercem a sua responsabilidade e capacidade de estadistas. Penso que nenhum estadista destes países pobres, incluindo o Governo português, pode ignorar que atingimos a fadiga tributária e que essa circunstância não diminuiu de gravidade por índices ligeiros e melhorias sazonais, que não são de futuro assegurado. Têm que prestar atenção aos sinais que traduzem que o Governo, que é legítimo pela eleição, vai perdendo a legitimidade de exercício, porque o desconforto, a desigualdade, a pobreza da sociedade da sociedade civil progridem e isso é uma situação muito perigosa.

-Este Governo já perdeu a "legitimidade de exercício"?

Acho que tem sido bastante afectada. E porquê? Não faltam exemplos de distanciamento entre os programas anunciados para as eleições e as medidas tomadas para a execução do Governo. E há a falta de coincidências entre as medidas, os objectivos e os resultados. É evidente que isto não pode deixar de afectar a legitimidade de exercício. Este fenómeno - que é grave - não é exclusivo de Portugal. Em toda a Europa, a legitimidade de exercício dos governos está a ser afectada. Por isso, já começa a haver sinais de reacções, de movimentos de extrema-direita. Por outro lado, invoca-se com frequência que se Portugal assumiu as obrigações que assumiu com a 'troika', então tem de cumprir. Não tenho dúvidas sobre isso. Mas também não tenho dúvidas que tem outras obrigações que tem de cumprir, que são as convenções do BIT [Bureau International du Travail] em relação aos trabalhadores, obrigações assumidas com as Nações Unidas, obrigações assumidas na NATO... E não se pode limitar o país à obrigação da definição do programa feito pela 'troika', que se traduz em resumir o conceito estratégico nacional em Orçamento.

-Qual é o conceito estratégico nacional?
Não há. É esse o problema. Não há desde 1974.

-Em Julho, Vítor Gaspar demitiu-se do cargo e escreveu uma carta endereçada ao primeiro-ministro admitindo que a receita da austeridade seguida não estava a funcionar. Porquê continuar a insistir na austeridade?

O senhor professor praticou um acto, que deve ser louvado, de integridade académica - declarou que se tinha enganado.
Isso é uma coisa que faz parte da ética universitária e deve fazer parte da ética de governantes. Simplesmente essa carta fundamental desapareceu da discussão pública.
E, portanto, dá a impressão que se foi embora o ministro, mas ficou a receita. ...


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