Quinta-feira, 12 de Dezembro de 2013

A linha da Dignidade  (entre "trabalho" com direitos, "voluntariado" e servidão escravizadora)

     Em Penafiel, na Junta de Freguesia de Paço de Sousa, ficámos a saber pela reportagem da RTP, «trabalha-se e tem-se como pagamento comida». Diz a Mafalda do Quino numa das suas histórias «Gente! Se não mudamos o mundo, o mundo muda a gente».

 Em vez de trabalho, remunerado e com direitos, dá-se comida a troco de trabalho, sem quaisquer direitos e ao qual se chama «voluntário», ocupando assim com a miséria postos de trabalho que desaparecem. Estes trabalhadores até estão «agradecidos» ou a miséria não fosse a outra face da ignorância.

   Há uns tempos, num colóquio sobre história do trabalho na indústria mineira, tivemos o testemunho de dois mineiros, que começaram a trabalhar em Aljustrel, nas minas, com 12 anos de idade. E contaram-nos eles, que «desciam por uma corda numa espécie de caixa», muito inseguros, com frio, descalços, e «lá em baixo o pó era tanto que a mais de um metro e meio deixava de se ver o outro». Foi há poucas décadas no nosso país.

 No meio daquela intensa descrição de miséria, de resistência emocional e física, houve um único momento em que um velho mineiro, com quase 80 anos ou mais, colapsou à nossa frente a chorar, pedindo desculpas. Foi quando contou que o que ganhava na «mina não era suficiente para não ter fome e que tinha que ir à noite, pelas traseiras, pedir às criadas os restos da comida dos ricos». Era comum no Alentejo de então.

   Este país é um país com muita gente decente governado por pessoas sem qualquer decência e que ainda não entenderam que há um dia que «todos vamos perder a paciência». Haverá sempre uma parte de nós, um bocado de nós, que luta pela sobrevivência, pela comida, pela vida e fica «agradecido». E outro bocado de nós disposto a morrer não por um bocado de pão mas pela dignidade colectiva, que é, claro, a nossa necessária humanidade individual. Esta permanente tentativa de nos reduzir ao mínimo será, espero, a nossa persistência em exigirmos cada vez mais.

   Tenham vergonha, pelo menos vergonha de passar estas notícias sem perceber que entre os animais e os seres humanos há um linha, subjectiva, que se chama dignidade.

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           Direito ao trabalho     (-por Raquel Varela, 11/12/2013, 5Dias)

     Quando a taxa de desemprego atinge em Portugal valores intoleráveis, impõe-se debater o direito ao trabalho. O economista Manuel Branco é autor de um dossier sobre direito ao trabalho - história, política, fundamentos -, que a Revista Rubra publicá durante os próximos meses.

    Como já li os textos todos que vão ser publicados posso de antemão dizer que são excelentes. Foi para mim uma imensa oportunidade de aprendizagem.

    Confesso, a título pessoal, que não percebo como tantos sindicatos e organizações de trabalhadores substituíram a luta pelo direito ao trabalho pela luta pela reforma antecipada, o subsídio de desemprego e os «rendimentos mínimos» – não está aí também a explicação pelo desinteresse que tanta gente tem pelos sindicatos hoje?     Fica a questão para debate.

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Publicado por Xa2 às 07:41 | link do post | comentar

5 comentários:
De Crime de Escravidão é: a 16 de Dezembro de 2013 às 18:09
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Preto no branco, o crime de escravidão, punido com pena de 5 a 15 anos, para o Código Penal é isto:
“Quem a) Reduzir outra pessoa ao estado ou à condição de escravo; ou b) Alienar, ceder ou adquirir pessoa ou dela se apossar com a intenção de a manter na situação prevista na alínea anterior.” O que é demasiado sucinto, tanto que não define o que é escravatura. Mas num acórdão do Tribunal da Relação do Porto de Janeiro deste ano, que condenou dois indivíduos por este crime (a sete anos e seis meses, e a cinco e seis meses), escreve-se que “por escravatura entende-se ‘o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou quaisquer atributos do direito de propriedade”. E adianta-se: “Cabe na previsão legal a escravidão laboral, nos casos em que a vítima é objecto de uma completa relação de domínio por parte do agente, vivenciando um permanente ‘regime de medo’, não tendo poder de decisão sobre o modo e tempo da prestação do trabalho e não recebendo qualquer parte da sua retribuição.”

Dou o quê à namorada? Não ganhava nada. Casava e depois? Era ela que trabalhava para mim?

Têm sido raros os julgamentos de casos de escravatura, e a punição ainda mais. Segundo o Ministério da Justiça, os dados disponíveis dos últimos dez anos sobre crimes por escravidão estão protegidos por segredo estatístico, pelo facto de as ocorrências (condenações) serem inferiores a três. Além do citado acórdão do Porto, há pelo menos notícia de que, em 2011, o Tribunal do Fundão condenou três pessoas, naquela que foi considerada na altura a primeira condenação de sempre por escravatura em Portugal.

Na Polícia Judiciária (PJ) deram entrada, até final de Novembro deste ano, 10 processos relativos ao crime específico de escravatura. Eram 14 em 2012, 15 em 2011, ou 13 em 2008. Em cada processo, pode estar mais do que um tipo de crime, mais do que uma vítima, mais do que um agressor. Os números sobem quando se fala de tráfico de seres humanos — um crime ao qual o de escravidão está, muitas vezes, associado, quando se trata de tráfico para exploração laboral: em 2013, deram entrada na PJ 31, e a média dos 30 foi constante nos anos anteriores, sendo mais alta em 2008, quando se registaram 39.

Mas, como várias organizações ligadas a este fenómeno não se têm cansado de divulgar, os números escondem uma realidade que fica debaixo do tapete por diversas razões, muito por ser difícil de provar e às vezes por dificuldade da vítima em denunciar. Quando em Outubro foi divulgado o primeiro Índice Global de Escravatura 2013, revelaram-se números chocantes: estimava em quase 30 milhões o número de escravos modernos que existiam no mundo e entre 1300 e 1400 em Portugal. Só neste ano, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) já identificou cerca de 60 pessoas vítimas de escravidão por dívida, casos comunicados ao Ministério Público. São os casos que o inspector-geral da ACT, Pedro Pimenta Braz, não tem dúvidas de que se tratam de escravatura. Destes, excluem-se os casos “cinzentos”, em que as pessoas estão em situações desumanas mas podem, “no limite”, mesmo com grandes dificuldades, sair do sítio onde estão. Sinais de escravatura, sem dúvidas: a retenção dos documentos de identificação de alguém, diz.

Saudades da terra

O caso de Francisco não será do mesmo tipo de escravatura que se tem ouvido nos últimos tempos e que a ACT tem fiscalizado, pois ele chegou a Portugal pelo seu próprio pé. Mais do que tudo: é diferente pela duração. É diferente também, em alguns aspectos, das redes que trazem estrangeiros para trabalhar, por exemplo, na azeitona, quando, em vez de receberem, os trabalhadores ficam com dívidas aos patrões (pelo alojamento, alimentação e taxa sobre o que ganham) e recebem ainda ameaças físicas. É diferente também por Francisco não estar num grupo com mais escravos. A família que o aprisionou era, aparentemente, “uma família normal”, que “normalizou a situação” e a dada altura começou a explorar Francisco, analisa o psicólogo. “As pessoas acabam por se mentir a elas próprias, acabam por se dizer que até lhe estavam a fazer bem, que lhe davam comida e roupa. Na cabeça deles, nem sequer entendiam isto como grande abuso, e isso é tão ou mais grave.”

Estou a ficar velho, com 63 anos. Um dia não posso trabalhar e botam-me ...


De Escravatura... tb deste desgoverno. a 16 de Dezembro de 2013 às 18:20

Em 26 anos nunca vi 5 tostões. Zero

[J.Gorjão Henriques (texto) e V.Moutinho (imagem), 15/12/2013, Público]
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Estou a ficar velho, com 63 anos. Um dia não posso trabalhar e botam-me para fora. Isso foi do que me lembrei. Botam-me para fora

O psicólogo, que tem acompanhado Francisco ao longo destes três meses, relata que tem sido um período de adaptação difícil, porque, apesar de Francisco saber que estava “numa situação má”, apesar de ter noção de que era vítima de escravatura, sente falta de algumas coisas — e a terra, o campo, é uma delas. Francisco tem as capacidades cognitivas intactas e se, para todos há dificuldade nas adaptações a mudanças, imagine-se para quem passou por uma mudança radical, lembra. “Esteve tanto tempo numa situação de maus tratos… Sempre lhe foi confirmada a ideia de que ele não podia sair dali, que tinha de se resignar. Agora temos de ir devagarinho, porque tem de integrar as mudanças aos poucos.”

Um dos trabalhos a desenvolver é à volta das expectativas em relação ao futuro de um homem com 63 anos, para quem não será fácil a integração no mercado de trabalho e muito menos na formação. “É uma pessoa com capacidades e muitas competências na área que ele gosta. Já conseguiu fazer crescer uma série de plantas, de ervas e de flores” no sítio em que está a viver.

Das saudades da terra fala-nos Francisco várias vezes. O que é que ele desejaria que acontecesse aos patrões? “Pagarem-me o que não me pagaram.” Deviam ser julgados e condenados? Sim. Se lhes pudesse dizer agora alguma coisa, seria isto: “Não dizia nada.”

-------xxx-------

----- R. Martins:

Convem não esquecer que o caminho que o (des)governo tem vindo a impor em Portugal vai também no sentido de uma escravatura (ainda que mais suave...) para um número crescente de pessoas.

Quando se fomentam os salários miseráveis e a precaridade do emprego, ao mesmo tempo que se vão retirando progressivamente os direitos
que os trabalhadores e a população em geral foram adquirindo ao longo de décadas de lutas, mais não se está do que a re-introduzir legalmente novas formas de escravatura !

Quando se é obrigado a trabalhar por um salário que não é suficiente para que se possa ter uma vida digna
e mesmo assim se vive permanentemente aterrorizado pelo medo de ficar desempregado,
então está-se numa situação de escravatura (mesmo que a lei vigente diga o contrário... ) !

----- Maraf:

Esta era a situação de muita gente no Alentejo antes do 25 de Abril, a trabalha para os senhores das herdades.
A diferença é que iam dormir à aldeia.
Para aqueles que não percebem o extremismo pós-25 de Abril no Alentejo, talvez este artigo os ajude.

----- JF:

Muito triste o relato deste homem, que apesar de o nome ficticio, tem o mesmo nome que eu, Francisco.
Agora pergunto o que efetivamente fará o governo portugues neste caso, que medidas punitivas dara àqueles que o escravizaram, quantos mais estão na mesma situação hoje em portugal.
Leio e acompanho outros periodicos, e por la sempre chegam noticias de ucranianos e romenos que vem a trabalhar e são lhes pagos, verdadeiros ultrajes como salario.
Esta comissão que cuida do caso de Francisco, acaso tem um dossie dos provaveis latifundiarios que por ai operam escravizando pessoas?...

-----JJR:

...e existem casos destes no meu país. (!!)
Mas sei que são milhares, em escravatura completa e em semi-escravatura.
...


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