Em Penafiel, na Junta de Freguesia de Paço de Sousa, ficámos a saber pela reportagem da RTP, «trabalha-se e tem-se como pagamento comida». Diz a Mafalda do Quino numa das suas histórias «Gente! Se não mudamos o mundo, o mundo muda a gente».
Em vez de trabalho, remunerado e com direitos, dá-se comida a troco de trabalho, sem quaisquer direitos e ao qual se chama «voluntário», ocupando assim com a miséria postos de trabalho que desaparecem. Estes trabalhadores até estão «agradecidos» ou a miséria não fosse a outra face da ignorância.
Há uns tempos, num colóquio sobre história do trabalho na indústria mineira, tivemos o testemunho de dois mineiros, que começaram a trabalhar em Aljustrel, nas minas, com 12 anos de idade. E contaram-nos eles, que «desciam por uma corda numa espécie de caixa», muito inseguros, com frio, descalços, e «lá em baixo o pó era tanto que a mais de um metro e meio deixava de se ver o outro». Foi há poucas décadas no nosso país.
No meio daquela intensa descrição de miséria, de resistência emocional e física, houve um único momento em que um velho mineiro, com quase 80 anos ou mais, colapsou à nossa frente a chorar, pedindo desculpas. Foi quando contou que o que ganhava na «mina não era suficiente para não ter fome e que tinha que ir à noite, pelas traseiras, pedir às criadas os restos da comida dos ricos». Era comum no Alentejo de então.
Este país é um país com muita gente decente governado por pessoas sem qualquer decência e que ainda não entenderam que há um dia que «todos vamos perder a paciência». Haverá sempre uma parte de nós, um bocado de nós, que luta pela sobrevivência, pela comida, pela vida e fica «agradecido». E outro bocado de nós disposto a morrer não por um bocado de pão mas pela dignidade colectiva, que é, claro, a nossa necessária humanidade individual. Esta permanente tentativa de nos reduzir ao mínimo será, espero, a nossa persistência em exigirmos cada vez mais.
Tenham vergonha, pelo menos vergonha de passar estas notícias sem perceber que entre os animais e os seres humanos há um linha, subjectiva, que se chama dignidade.
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Direito ao trabalho (-
Quando a taxa de desemprego atinge em Portugal valores intoleráveis, impõe-se debater o direito ao trabalho. O economista Manuel Branco é autor de um dossier sobre direito ao trabalho - história, política, fundamentos -, que a Revista Rubra publicá durante os próximos meses.
Como já li os textos todos que vão ser publicados posso de antemão dizer que são excelentes. Foi para mim uma imensa oportunidade de aprendizagem.
Confesso, a título pessoal, que não percebo como tantos sindicatos e organizações de trabalhadores substituíram a luta pelo direito ao trabalho pela luta pela reforma antecipada, o subsídio de desemprego e os «rendimentos mínimos» – não está aí também a explicação pelo desinteresse que tanta gente tem pelos sindicatos hoje? Fica a questão para debate.